Deputado federal Heitor Freire (PSL-CE) prestou depoimento no inquérito das fake news |
Em depoimento
prestado em juízo, o deputado federal Heitor Freire (PSL/CE), que já
integrou um núcleo próximo ao presidente Jair Bolsonaro, revelou a
existência de um grupo conhecido como "gabinete do ódio". O
grupo coordenaria ações nacionais e regionais de propagação de
"fake news" e ataques a figuras públicas e instituições. As
informações prestadas pelo parlamentar cearense do PSL constam
na argumentação presente na decisão de ontem, do ministro Alexandre
de Moraes, do STF, que resultou em uma operação da Polícia Federal.
A
ação determinou cumprimento de mandados de busca e apreensão contra
blogueiros, parlamentares e empresários, todos com ligações ao Governo
Bolsonaro e ao próprio Palácio do Planalto.
O
inquérito investiga a existência do grupo que, segundo o ministro do STF,
coordenaria ações como a "disseminação de notícias falsas, ataques
ofensivos a diversas pessoas, às autoridades
e instituições democráticas, dentre elas o Supremo Tribunal
Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e
incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática",
revela o ministro no inquérito ao qual o Sistema Verdes Mares teve
acesso.
No
depoimento, Heitor Freire, eleito deputado federal em 2018 por meio do movimento bolsonarista no
Ceará, confirmou a existência do chamado "gabinete do ódio",
apontando inclusive nomes dentro da estrutura. Segundo Heitor, no
depoimento, o grupo "se especializou em produzir e
distribuir fake news contra diversas autoridades, personalidades e
até integrantes do STF".
A
atuação, segue o depoimento, consistia em coordenar nacional e regionalmente a
propagação dessas mensagens falsas ou agressivas.
A
estrutura, segundo o depoimento que consta no processo, conta com uma grande
quantidade de páginas nas redes sociais, "que replicam quase
instantaneamente as mensagens de interesse do gabinete". A organização
conta com colaboradores de vários estados, a grande
maioria sendo de assessores de parlamentares federais e
estaduais.
As
informações que ajudaram no convencimento do ministro Alexandre de Moraes para
a operação ocorrida ontem detalham o que seria a atuação dos grupos.
Os
assessores, segundo disse Heitor à Justiça, administram diversas páginas nas
redes e grupos do popular aplicativo de mensagens instantâneas
WhatsApp que divulgam postagens ofensivas, quase sempre orientados
"pelo aludido grupo de assessores da Presidência".
No
depoimento, o parlamentar, que participou da coordenação do movimento político
de direita em Fortaleza e da campanha do presidente Bolsonaro, não cita o Ceará
nominalmente como Estado em que o esquema se repete. Ele apontou Bahia,
Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul,
embora tenha dito ser provável que aconteça em todos os estados.
Rompimento
O
distanciamento de Heitor Freire do grupo mais próximo do presidente ocorreu em
outubro do ano passado, após o vazamento de uma conversa dele
com Bolsonaro.
No
episódio, Heitor negou que tivesse vazado a conversa, mas a explicação não
convenceu os aliados mais próximos de Bolsonaro, inclusive no Ceará,
como passaram a tratar Heitor como "traidor".
Atualmente, Freire mantém a defesa do Governo Bolsonaro em sua
atuação parlamentar, mas de maneira mais discreta.
A
informação do depoimento do parlamentar despertou a ira de apoiadores de
Bolsonaro no Estado, ex-companheiros dele.
Por
meio de sua assessoria de comunicação, o parlamentar confirmou o depoimento
prestado, mas preferiu não comentar o assunto.
Alvos
Na
operação determinada por Moraes, a Polícia Federal apreendeu ontem documentos,
computadores e celulares em endereços de 17 pessoas suspeitas de integrar uma
rede de ataques a integrantes da Corte e convocou, no total, oito deputados
bolsonaristas a depor. Considerada "abusiva" pelo Palácio do
Planalto, a ação da PF estremeceu ainda mais a relação entre magistrados e o
Palácio do Planalto, que avalia um contra-ataque.
No
despacho que ordenou a operação, Moraes definiu o gabinete do ódio como
"associação criminosa", mas não incluiu o vereador Carlos Bolsonaro,
filho do presidente, ou seus fiéis aliados do Palácio do Planalto como alvo da
operação de ontem, apenas aliados próximos, como o blogueiro Allan dos Santos,
do site bolsonarista Terça Livre.
As
referências ao grupo, no entanto, indicam que eles podem ser alvo numa fase
futura da investigação.
O
ministro apontou ainda indícios de que empresários financiam de forma velada a
disseminação de fake news e conteúdo de ódio contra integrantes do STF e outras
instituições. Segundo Moraes, há "fortes indícios" de que os
investigados cometeram crimes de calúnia (6 meses a 2 anos de prisão),
difamação (3 meses a 1 ano), injúria (1 a 6 meses), e violações previstas na
Lei de Segurança Nacional.
Entre
os financiadores do grupo criminoso citados pelo ministro do STF estão os
empresários Luciano Hang, da rede de lojas de departamento Havan, Edgard Gomes
Corona, dono da rede de academias Smart Fit, Otavio Fakhoury, sócio do site
Crítica Nacional, o humorista Reynaldo Bianchi Júnior e o coordenador do Bloco
Movimento Brasil, Winston Rodrigues Lima. Eles foram alvo da operação de ontem.
"Há
informações de que os empresários aqui investigados integrariam um grupo autodenominado
de 'Brasil 200 Empresarial', em que os participantes colaboram entre si para
impulsionar vídeos e materiais contendo ofensas e notícias falsas com o
objetivo de desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos
poderes", escreveu o ministro do Supremo.
Ex-aliados
O
despacho cita ainda trechos de depoimentos dos deputados Joice Hasselmann
(PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP) na Comissão Parlamentar de Inquérito das
Fake News. Os dois são ex-aliados de Bolsonaro e esmiuçaram a atuação do
gabinete do ódio em reuniões no colegiado.
A
decisão de Moraes também atingiu as deputadas federais Carla Zambelli (PSL-SP)
e Bia Kicis (PSL-DF), duas das parlamentares mais próximas de Bolsonaro, que
terão de ser ouvidas em dez dias.
Habeas corpus
Após
uma reunião de emergência no Palácio do Planalto, ontem (27), o Governo discute
detalhes de um habeas corpus preventivo ao ministro da Educação, Abraham
Weintraub, que foi convocado pelo Supremo para prestar depoimento na Polícia
Federal após ameaças aos integrantes da Corte.
Weintraub
disse, em reunião ministerial do dia 22 de abril, que, se dependesse dele,
"botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF". O
ministro do Supremo Alexandre de Moraes viu indícios de práticas de delitos
como difamação, injúria e crime contra a segurança nacional por parte do
titular da Educação e deu cinco dias para que ele preste depoimento à PF no
âmbito do inquérito das fake news.
Diário
do Nordeste