Léo
Maia chama-se na verdade Márcio Leonardo Gomes Maia e tem 40 anos. Seu padrinho
é Jorge Ben Jor e seu pai biológico não é Tim Maia, mas sim um goleiro chamado
Jorge Vitório. Tim, seu pai de criação, jogou todos os seus brinquedos fora por
determinação da seita Universo em Desencanto.
Léo aprendeu, então, a se divertir com os instrumentos
musicais da casa. Começou sua atividade artística nos anos 1990. Lançou o
primeiro disco, “Cavalo de Jorge”, em 2005 e desde então não parou mais.
Quando a TV Globo exibiu o docudrama baseado no filme de
Mauro Lima, Léo desabafou em seu Instagram: “Vi o filme do meu pai… Nossa,
ruim… Contei 18 coisas que não fazem parte com a realidade. O cúmulo é minha
avó branca e meu avô negão. Meu pai não merecia algo tão tendencioso”.
O
DCM foi conversar com Léo Maia sobre seu pai e o legado dele.
O que você achou das reações
dos fãs do Tim Maia quando viram o docudrama na TV Globo?
Como
fã do meu pai, e como filho, eu acho que muitas pessoas que tem carinho pelo
som da minha família viram que a história não é aquela e falaram sobre isso na
internet. Tim Maia é um cara que teve quase 50 anos de sucesso na mídia. Meu
pai cumpria o que prometia e só teve problemas em alguns shows, mas os fãs nem
devolviam ingressos esperando que ele melhorasse. Ele é um cara marcante no
mesmo naipe, sei lá, de um Silvio Santos.
As pessoas esqueceram que o povo não é besta e nem burro. O
povo brasileiro conhece meu pai antes destes cineastas criarem estes filmes.
Meu pai fez sucesso bruto, sucesso power, meu xará. Os fãs dele cantam “E
eeeeu” com vontade. Eu estava num voo e vi numa propaganda Gilberto Gil como “a
Voz da Bahia” e Tim Maia, “a voz do trovão”. Ele era isso. Era esse mito. Meu
avô e minha avó tiveram 18 filhos. Todo mundo se amava e ninguém virou bandido.
E o filme faz parecer que ele ficou assim. Meu pai não merecia isso. Ele
estudou muito e foi pra escola por conta do meu avô. Seria legal escolher
alguns discos e ver a história a fundo.
Quero juntar os reais produtores do Tim Maia e fazer um
documentário que faça jus a história. Por enquanto não tem envolvimento nenhum
da Globo no projeto. Acho que isso tem que existir, porque os caras não tiveram
esse capricho e nem essa responsabilidade. Tenho que mostrar meu pai era um
gênio, e que ele não era só um cara que sabia cantar. Ele fez até uma editora
própria de livros.
Léo, o que você achou sobre
edição da televisão ao filme de seu pai? Distorceram demais?
Cara,
não foi do documentário da Globo que eu não gostei, mas achei de verdade o
filme ruim. O diretor [Mauro Lima] deixou minha avó branca no filme, sendo que
ela é descendente de índia! Meu avô é descendente de português, não negão. São
detalhes que uma pessoa que trabalha com cinema deveria saber que são erros,
fora a desorganização cronológica.
Você acha que a Globo distorceu
o filme ou isso foi obra de Roberto Carlos, tentando preservar sua biografia?
O
Roberto Carlos na verdade é muito amigo do meu pai, desde a infância. Quem sou
eu para me meter numa briga dessas? O único cara que pode falar sobre as brigas
dos dois é o Erasmo Carlos. Acredito que tudo o que o Roberto falou é
verdadeiro. Havia respeito entre eles mas também um clima de disputa. Isso
acontecia porque eles eram foda musicalmente mesmo. E o Roberto Carlos está
vivo e deve ser questionado sobre isso.
Como assim?
Acho
que meu pai merece que o jornalismo brasileiro passe uma régua nesta história
de brigas com o Roberto que ninguém sabe a verdade definitiva. Chegou a hora de
vocês, jornalistas brasileiros, irem atrás das verdades do Tim Maia. Vamos
mostrar o quanto o cinema brasileiro perdeu com essa caracterização mal-feita
sobre meu pai.
As pessoas não tiveram nem a capacidade de pesquisar as
etnias corretas da minha família, porque eles mereciam ser representados por
suas cores de pele verdadeiras. As etnias europeias não representam a história
do meu pai. Meu pai se apaixonou por uma mulher tipicamente brasileira, que é
totalmente diferente do que está ali nas telas [interpretada pela Alinne
Moraes].
Será que isso é algum tipo de xenofobia? As pessoas querem
tornar a história do meu pai mais “europeia”? Esse filme foi uma perda para o
cinema brasileiro. Merecia um texto mais bonito, um roteiro e uma imagem
melhores. Meu pai era um poeta, bicho, e falava do mar. Miles Davis, por
exemplo, era um artista deste calibre.
Como as pessoas que você
conhece reagiram?
Cara,
tem artistas que eu conheço, não estão no filme e estão se sentindo magoados
por não terem se expressado na gravação. É triste um cara de 60 anos que
produziu um disco do Tim Maia e não está no filme. Tá tudo errado. Meu pai
rodou o Brasil e isso também não está lá. Ele não foi só boa gente, mas também
zoou pra caralho e isso não tem preço. Os caras que foram zoados por ele
ostentam isso com orgulho. É uma experiência que não tem comparação.
Se o Tim estivesse vivo, o que
ele faria ao ver o filme, considerando o quanto ele era combativo com a Globo?
Meu
pai não é vagabundo, nem porco e nem feio como esses brancos dizem no filme. O
Tim Maia, por tudo o que ele fez, aceitaria ouvir a história que contaram
sentado num sofá? Ele não aceitaria nada disso. Nascido e criado por ele, eu
mesmo não aceito isso. Já vi ele organizar grandes festas e arrumar confusões,
mas nunca vi ele arrumar uma briga sem ter as razões dele. Ele brigou para a
gente ter nossa própria gravadora, nosso próprio espaço e para fazer a nossa
arte. Transformaram meu pai num zé ruela, bicho. Meu pai era um amante do
Brasil e de sua diversidade em todos os hábitos da sua personalidade.
Como era o Tim Maia que você
conheceu?
Meu pai não era depressivo e nem tinha o olhar de morte
daquele personagem do filme. Ele tocava violão e criava músicas geniais pela
manhã, num clima bem tranquilo. Meu pai, pra quem conhece, era muito amoroso.
Cuidava de 80 crianças e ficava rindo das coisas. Ele fez besteira e foi
maluco? Foi. Mas não era só o cara dos antidepressivos. Não conheço ninguém que
tenha chamado meu pai de gordo e de filho da puta. Isso tá lá no filme. Ninguém
na vida teria a coragem de dizer isso… Ele foi com dois cachorros de verdade
numa gravadora porque eles mexeram nos volumes das guitarras, cara!
Tim Maia não levava desaforo pra casa. O diretor do filme
levou a liberdade poética ao extremo e não se ateve aos fatos. Tá tudo errado
no filme, tá errado do começo ao fim. Tá mal interpretado e não procuraram as
pessoas para saber a verdade de todos os fatos. Só alguns amigos do meu pai
foram para a versão da TV Globo e defenderam meu pai. A edição deu uma
melhorada no desastre que é o filme.
Essas coisas me revoltaram como filho e fica essa molecada
vendo isso sem saber a verdade. Os autores fizeram uma pseudopesquisa sobre ele
e não retrataram nada sobre a genialidade que existia ali. Tim Maia, por
exemplo, tirava o instrumento de quem não sabia tocar e só estava enrolando. E
mandava um papo reto. Ele era assim.
Como são divididos os direitos
autorais sobre a obra do Tim Maia hoje, Léo?
Estão comigo e com meu meio-irmão, o Carmelo Maia (também
chamado de Telmo). Por isso mesmo quero que meu pai tenha uma história mais bem
contada.
Fonte:
Diário
do Centro do Mundo.