Um pesquisador do Chipre causou alvoroço no início
de janeiro ao relatar pela primeira vez a existência de uma cepa do coronavírus
que combinava características das variantes Delta e Ômicron. Logo em seguida o
balde de água fria: a sua descoberta não passaria de uma contaminação
laboratorial. Dois meses depois, porém, infecções por uma variante que combina
a delta e a ômicron foram detectadas na Europa e Estados Unidos. São poucos
casos, mas a deltacron lembra que a pandemia ainda está longe de acabar, apesar
de muitos países terem amplamente flexibilizado as medidas de combate à
covid-19.
"Agora está bastante
claro que realmente é uma variante deltracron", afirmou Luca Cicin-Sain,
chefe do Departamento de Imunologia do Centro Helmholtz para Pesquisa sobre
Infecções, na Alemanha. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também já estava
preparada para essa variante híbrida. "Nós conhecemos essa recombinação. É
uma combinação da delta AY.4 e da ômicron BA.1", disse Maria van Kerkhove,
líder da equipe técnica da OMS para o controle da pandemia. Segundo a
especialista, esse tipo de recombinação já era esperado no caso de ampla
circulação de duas variantes, como ocorreu com a delta e a ômicron.
A Deltacron é mais perigosa?
Embora a delta cause
infecções mais severas e a ômicron seja particularmente mais contagiosa, isso
não significa que uma combinação de ambas as cepas seja mais perigosa.
Realizada pelo Instituto Pasteur da França, uma análise da sequência do genoma
mostrou que a deltacron contém caraterísticas das duas variantes. Segundo o
banco de dados de genoma Gisaid, a nova cepa possui quase que completamente a
proteína spike da ômicron BA.1 combinada com partes da delta AY.4. Devido a
essa ligação viral, a variante híbrida poderia possivelmente se conectar mais
facilmente à membrana hospedeira, ou seja, seria mais infecciosa.
Isso faz aumentar a
preocupação de que uma variante híbrida mais infecciosa possa se impor em
relação a outras cepas, principalmente, onde as medidas restritivas estão sendo
flexibilizadas. Assim, a pandemia poderia se prolongar e, devido ao componente
delta, poderia voltar a haver um maior número de casos mais graves. Sem motivo
para pânico A maioria dos especialistas, no entanto, reagiu com relativa calma
à deltacron. Até o momento, foram registrados apenas alguns casos isolados na
Alemanha, França, Holanda, Dinamarca, Reino Unido e EUA.
Isso sugere que a
variante não seria tão perigosa. No Brasil, apesar de o ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga, ter confirmado dois casos no país na manhã desta terça-feira,
ele voltou atrás no final do dia e disse que as infecções ainda estavam sob
investigação. "Se fosse uma variante que se espalha muito rápido e deixa
muito doente, haveria nesse ínterim muito mais amostras", avalia
Cicin-Sain.
O imunologista ressalta
que é preciso continuar observando a cepa, mas, no momento, ela não é
alarmante. Etienne Simon-Lorière, do Instituto Pasteur, faz a mesma avaliação,
acrescentando que a variante híbrida ainda é extremamente rara e não mostra
sinais de crescimento exponencial. Ou seja: não apresenta taxa de crescimento
preocupante. O pouco entusiasmo de especialistas com a deltacron se deve ao
fato de que recombinações do Sars-CoV-2 não são uma novidade.
"Isso ocorre quando
estamos na fase de transição de uma variante dominante para outra e,
normalmente, não é muito mais do que uma curiosidade científica", afirmou
Jeffrey Barrett, que comandou a Iniciativa Genômica Covid-19 no Instituto
Wellcome Trust Sanger.
Como surgiu a Deltacron?
Segundo a OMS, esse tipo
de recombinante é esperado quando circulam intensamente duas variantes como a
delta e a ômicron. Essas recombinações surgem quando pessoas são infectadas com
duas cepas do coronavírus ao mesmo tempo.
Isso ocorre raramente,
mas na virada do ano, a ômicron superou a delta como variante dominante. No
caso de uma infecção com ambas as variantes, o material genético do vírus pode
ser misturado e combinado durante a sua reprodução na célula hospedeira,
gerando assim uma cepa híbrida. Isso é, no entanto, uma exceção, pois apenas em
casos raros essa variante irá prevalecer já que não possui nenhuma vantagem
evolutiva sobre as variantes originais.
Vacinas protegem contra a deltacron?
Os contínuos altos número
de novos casos de covid-19 mostram que nem as vacinas nem a dose de reforço
podem evitar uma infecção. Isso ocorre porque a variante ômicron possui uma
mutação que consegue contornar a proteção imunológica. Portanto, nem vacinas
nem uma infecção passada serão, provavelmente, capazes de proteger
completamente contra a deltacron. Mas, até agora, essa variante híbrida não foi
capaz de se estabelecer. Além disso, as vacinas e a dose de reforço já
mostraram que conseguem proteger contra casos graves da doença.
O POVO