Bolsas
do mundo todo caem com o agravamento da crise de energia — que não afeta só o
Brasil, embora aconteça por razões diferentes em outros países.
Enquanto
isso, com a perspectiva de petróleo em alta, o mercado financeiro se dá conta
de que a inflação global pode não ser transitória, como bancos centrais vêm
afirmando. Nesta terça-feira (28), o petróleo do tipo Brent, referência
global, ultrapassou os US$ 80, atingindo o maior valor em três
anos.
A
consequência desse cenário é uma perspectiva de aumento de juros antes do
esperado, o que reduz a atratividade das bolsas em relação aos títulos de renda
fixa, com efeitos principalmente para ações de tecnologia.
Nesta
terça-feira, os índices na Europa fecharam em quedas superiores a 2%, como o
Dax da Alemanha (-2,09%), o CAC 40 da França (2,17%) e o Euro Stoxx 600, que
representa ações europeias, que caiu 2,56%, na maior queda diária em dois
meses. Ações de tecnologia europeias caíram 4,8% e também foram ao nível mais
baixo em dois meses.
Nos
Estados Unidos, o clima de mau-humor também atingia as principais bolsas, com o
S&P fechando o dia com baixa de 2,04% e a Nasdaq, que representa as ações
de tecnologia, recuando 2,83%.
A
bolsa brasileira acompanhou o exterior e fechou em queda de 3,05%, na segunda
menor pontuação do ano, aos 11.124 pontos. Na direção oposta, o Vix, o índice
do medo, que mede a volatilidade do mercado, chegou a subir mais de 23% no
início da tarde, reforçando o aumento do pessimismo.
Crise
de energia se espalha
Os
índices caem com o aumento dos sinais de que a crise de energia não é pontual e
está atingindo países do mundo todo, em um movimento global.
Na
China, apagões em todo o país paralisam fábricas, inclusive fornecedores de empresas globais como Apple e Tesla.
Milhões de residências também são afetadas. Cerca de 60% da economia chinesa depende do carvão, cuja oferta foi
prejudicada pela pandemia e por uma disputa comercial com a Austrália, que
afetou as importações.
O
cenário fez a agência de classificação de risco do Goldman Sachs reduzir, nesta terça-feira, suas projeções de crescimento para
a China de 8,2% para 7,8%.
Depois
das baixas históricas na pandemia, o gás natural acumula alta de 500% em 12
meses no mercado europeu. No Reino Unido, o preço subiu 300% e 90% dos postos
secaram nesta segunda-feira (27) com britânicos correndo para abastecer seus
veículos.
Com
o aumento da demanda por combustíveis acima do esperado e a demora da cadeia de
petróleo para recompor a oferta, o banco Goldman Sachs disse que o barril de
petróleo Brent pode bater os US$ 90 dólares este ano.
A
alta reforça a tese de desaceleração global e deixa investidores cautelosos.
Nos
Estados Unidos, a combinação de inflação pressionada com petróleo disparando
derrubou os índices. O Federal Reserve (Fed), banco central americano, já
estava sinalizando que poderia iniciar a redução de estímulos (tapering) em
novembro, diante da inflação persistentemente alta. Com o petróleo batendo
níveis recordes, o mercado passa a prever uma antecipação do tapering.
Os
títulos do tesouro americano com prazo de dez anos, os treasuries, bateram o
maior nível em meses. Esses papéis são os títulos mais líquidos do mundo e
atraem investidores sempre que o risco no mundo aumenta, como é o caso agora.
Empresas
de tecnologia são as mais afetadas pela alta de juros, o que explica a queda
mais acentuada da Nasdaq, e seus reflexos em ações de fintechs e startups, que
derreteram também na bolsa brasileira.
Ao
calcular se ações de techs estão atrativas para o investimento, analistas fazem
o chamado valuation, um cálculo para estimar seu retorno futuro. Como essas
ações têm previsão de gerar receitas em um prazo mais longo, para estimar se
valem a pena hoje, os analistas levam em conta a perspectiva de juros no
futuro, descontando essa taxa. Por isso, quanto maior a expectativa de juros,
mais desvantajosas elas ficam.
Com
a crise de energia afetando as duas maiores economias do mundo, China e Estados
Unidos, os dois maiores motores da economia global perdem força, com possíveis
reflexos para toda a economia.
Roberto
Attuch Jr, CEO da OhmResearch, afirma que os investidores devem monitorar de
perto crise de energia e seus impactos na inflação global, mas segue com uma
visão construtiva. “Acreditamos que pode haver uma desaceleração, mas
continuamos construtivos com o cenário global. O petróleo a US$ 80 não é
inconsistente com esse cenário, a questão do gás merece atenção, mas a retomada
das economias, com avacinação avançando ainda pode se sobrepor aos riscos”.
Attuch
afirma, porém, que no Brasil a situação é mais complicada, já que se aproxima o
ano eleitoral, quando as atenções se viram para a disputa presidencial. Enquanto
isso, “as previsões para o crescimento da economia vêm piorando, com crise
hídrica e inflação superando as expectativas negativamente”.
Crise
de energia
Adriano
Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiros de Infraestrutura (Cbie), avalia
que o mercado de energia global sofre um colapso. Segundo ele, o primeiro
motivo está relacionado ao desarranjo da cadeia de petróleo com a pandemia. “A
produção de petróleo não tem um botão de ligar e desligar, existe uma inércia
operacional para recuperar a oferta depois que a demanda reage. E a parada
também atrasou os investimentos, o que agrava ainda mais a situação”, diz.
O
segundo ponto mencionado por Pires é a transição energética. Com países
acelerando a diversificação de suas matrizes energéticas, de olho no ESG
(preocupação com critérios sustentáveis, sociais e de governança), as economias
ficaram reféns do clima. “Energias renováveis são intermitentes. A transição
deveria ter buscado uma mudança estrutural na demanda, não uma redução da
oferta.”
Pires
conclui que com avanço das vacinações, a demanda por energia tende a aumentar
no mundo todo, portanto a crise não deve se dissipar tão rapidamente. Os
efeitos, segundo o especialista, devem ser sentidos inclusive na política.
“Aumentos de custos na energia costumam provocar reações imediatas da
população. Por isso a tendência é de aumento de turbulência na cena política.”
CNN