Apesar dos bons índices, especialistas apontam que com quebra do isolamento, os números de doentes podem voltar a subir
FOTO: CAMILA LIMA |
Ainda
não é a notícia que sempre quisemos dar, mas já é melhor do que muitas: a curva
de contágio do novo coronavírus no Ceará está, hoje, estabilizada. Uma pesquisa
do grupo Covid-19 Analytics, que reúne engenheiros, economistas e cientistas de
dados, aponta que o Estado é o único de todo o País com taxa de contágio abaixo
de 1 (0,92). Isso significa dizer que, em média, cada infectado no Ceará
transmite o vírus para menos de uma pessoa - cenário que, se for mantido, deve
frear o avanço da doença e diminuir o número de novos casos.
Atualmente,
o Ceará tem 37.821 casos confirmados e 2.733 mortes por Covid-19. Outras 24.979
pessoas estão recuperadas. Em Fortaleza, são 21.328 confirmações da nova virose
e 1.804 óbitos, enquanto os recuperados somam 13.950 casos. Os dados são do
Integra SUS, plataforma da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), atualizados às
18h04 dessa quinta-feira (28).
O
cálculo para se obter o número efetivo de reprodução (R) - nome oficial da
"taxa de contágio" - considera variáveis como o crescimento de casos
confirmados dia a dia, o número de pacientes recuperados e o de casos ainda
ativos. Desse modo, outro fator que interfere nos resultados são os níveis de
transparência na divulgação de dados por parte das secretarias de saúde
estaduais, já que o Covid-19 Analytics utiliza fontes oficiais.
O
levantamento da PUC-Rio mostra as taxas de contaminação no Ceará entre os dias
15 de abril, quando uma pessoa infectada no Estado transmitia a doença para
outras 2,75; e 26 de maio, segundo dia em que a taxa ficou abaixo de 1, considerado
o "ideal". O número favorável foi atingido ainda em 25 de maio,
quando ficou em 0,99. A taxa atual do Brasil, de 26 de maio, é de 1,89.
O
pico de transmissibilidade no Ceará, segundo os dados, foi registrado no dia 22
de abril, quando a taxa de contágio totalizou 3,01 - ou seja, um doente
cearense passava o novo coronavírus para cerca de três pessoas, fazendo os
casos se multiplicarem com maior velocidade.
O
modelo matemático leva em conta também o tempo de recuperação de cada paciente,
como explica Gabriel Vasconcelos, pesquisador de pós-doutorado da Universidade
da Califórnia e integrante do Covid-19 Analytics. "A taxa está ligada
diretamente a quantas pessoas cada doente infecta. O que a faz subir ou descer
é a velocidade com que as pessoas se recuperam. Conforme os tratamentos forem
avançando, o número desce; se os pacientes ficam doentes por mais tempo, podem
infectar mais gente, e a taxa sobe", pontua.
Cautela
Conforme
o pesquisador, "o Ceará tem apresentado uma queda do número de reprodução
de forma consistente", sem oscilações, como o Rio de Janeiro, por exemplo.
Aqui, desde 4 de maio, o contágio só cai. "O Estado está mostrando uma
tendência estável, é uma coisa boa, aumenta nossa confiança. Mas como o Ceará
passou pro patamar menor do que 1 agora, no dia 26, é preciso muita cautela,
esperar se vai se consolidar assim. Não estamos dizendo que o número não pode
voltar a subir", alerta Gabriel, destacando que a velocidade de
transmissão em cidades do interior, por exemplo, é diferente da Capital. Locais
onde a pandemia chegou depois tendem a ter taxas de contágio maiores.
Apesar
da tendência positiva, ter cautela no retorno às atividades e ao convívio
social é crucial. "O número acabou de ficar abaixo de 1, quarta e quinta
eles tendem a ser mais altos, então é preciso ficar de olho. A taxa pode voltar
a crescer. Se a 'volta gradativa' for realmente gradativa, é uma coisa boa. Se
a taxa voltar a subir, tem que voltar a fechar", sentencia o pesquisador.
O
gerente da Vigilância Epidemiológica de Fortaleza, Antônio Lima, informa que os
modelos aplicados na Capital são diferentes dos da PUC-Rio, mas confirmam a
estabilização e início de queda da média de casos diários na cidade. Já os
registros de óbitos semanais seguem num patamar "bastante elevado",
mas também estão "estabilizados desde o dia 10 de maio".
O
epidemiologista pontua que outro fator, apesar de ausente dos cálculos, também
é fundamental para se perceber o freio no avanço da pandemia: a menor procura
de pacientes pelas unidades de saúde. "Quando falo de dados
epidemiológicos, falo de uma semana atrás, existe uma defasagem nas taxas. Mas
quando vejo a redução da demanda assistencial em postos de saúde e UPAs, com
menos atendimentos de quadros graves de síndromes gripais, isso reflete o
dia".
Retorno
Uma
possível razão para o cenário otimista em Fortaleza (epicentro da doença no
Ceará) foi o lockdown, em vigor desde 8 de maio. "Modelos desenvolvidos
pós-lockdown já mostravam que fim de maio e início de junho seriam de maior
estabilidade. Sem isolamento rígido, o pico se estenderia até julho. Não
funcionou às mil maravilhas, não é um lockdown europeu, numa comunidade carente
é muito mais complexo, mas o isolamento que girou em torno de 60% em alguns
dias é satisfatório", frisa Dr. Antônio.
O
retorno gradual às atividades, confirmado ontem (28) pelo Governo do Estado
para o dia 1º de junho, considerou uma "combinação" de fatores,
segundo ele. "O protocolo tem uma fase de transição, com cuidados
rigorosos. As empresas precisam respeitar a restrição de contato, uso de
máscara e álcool em gel, evitar aglomeração e manter distanciamento mínimo. O
transporte público deve funcionar escalonado, para evitar lotações em horário
de pico. São diversas questões para que não haja um novo pico e a fase seguinte
possa acontecer", analisa o gerente.
Em
live realizada ontem, o secretário da Saúde do Ceará, Dr. Cabeto, afirmou que
os atendimentos no sistema público de saúde caíram 50%, confirmando a tendência
de queda de casos e óbitos. Sobre a reabertura do comércio e outras áreas, o
titular ressaltou que foi "baseada na ciência". "Utilizamos
critérios baseados na capacidade do sistema de saúde, como leitos por região e
números de internações; na mortalidade e letalidade da doença, no risco e
gravidade do surto epidêmico; e, por fim, em critérios que consideram a questão
territorial", cita.
Diário
do Nordeste