O filósofo Renato Janine Ribeiro, novo
ministro da Educação, evitou falar sobre o que fará à frente de um dos
ministérios mais influentes e poderosos da Esplanada. Disse apenas que recebeu
o convite da presidente Dilma Rousseff "com satisfação" e que
fará uma "imersão" sobre os temas mais importantes da pasta, que
assumirá no dia 6 de abril.
"Até lá, eu vou ter que me dedicar muito ao tema. Não vou dar
declarações até a data porque se trata de um ministério muito complexo, embora
eu conheça a área de educação e já tenha trabalhado no ministério antes",
disse ele. Ao ser questionado sobre o lema "Pátria Educadora",
lançado pela presidente Dilma Rousseff logo após a vitória eleitoral de 2014,
não fez qualquer objeção. "É uma política de governo da presidente que
será mantida", afirmou.
Respeitado pela academia, o filósofo que se
tornou mestre pela prestigiada Sorbonne aos 23 anos e, depois, doutor pela
Universidade de São Paulo, já atuou em áreas ligadas ao MEC. Foi diretor de
avaliação da Capes, fundação do Ministério da Educação, entre 2004 e 2008. Além
disso, foi membro do Conselho Deliberativo do CNPq, entre 1993 e 1997, do
Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), de 1997 a
1999, e secretário da SBPC, de 1999 a 2001. Além disso, publicou 18
livros. Entre eles, "A sociedade contra o social", ganhador do
Prêmio Jabuti 2001.
Com essa bagagem, Janine Ribeiro chega ao MEC cercado de grandes
expectativas. É um nome respeitado pela academia e que pode reabrir os canais
de diálogo entre o governo Dilma e os intelectuais, no momento em que o PT é
alvo de uma escalada de ódio político.
Na educação, suas ideias são consideradas
arrojadas e ele defende currículos mais abertos, que estimulem a criatividade
dos estudantes. “A educação não termina no último dia do ensino profissional ou
do curso superior — nem nunca”, disse ele, num artigo recente publicado no
jornal Valor Econômico, destacado pelo blogueiro Josias de Souza (leia aqui).
“Há milhares de profissões”, afirmou. “No
limite, cada um cria a sua. Profissão, emprego, orientação sexual, estado
civil, crenças políticas e religiosas, tudo isso se combina como um arco-íris
felizmente enlouquecido. Ninguém é mais obrigado a se moldar a um pacote. Mas
isso não é fácil, exige uma interminável descoberta de si e, por que não dizer,
coragem pessoal.”
O novo ministro defende, ainda, um associação
cada vez maior entre educação e cultura. “Cada vez mais, a educação deverá se
culturalizar: um, deixando de seguir currículos rígidos; dois, tornando-se
prazerosa; três, criativa.”
Leia, abaixo, um trecho do seu artigo:
A Cultura deixará de ser o sobrinho menor da Educação. O próprio
caráter imprevisível da ação cultural e a dificuldade de planejá-la fazem dela
um dos modelos para o que deve ser a educação numa sociedade criativa. Deve-se
conservar na educação um currículo norteador, que leve da infância à idade
adulta. Mas para entender o mundo que hoje desponta é bom ter claro o seguinte:
a educação não termina no último dia do ensino profissional ou do curso
superior – nem nunca.
Alguns diplomas, como o de médico, até poderão ser concedidos com
exigência de atualização, a cada tantos anos. Essa atualização será dada por
cursos avaliados e fará parte da área da Educação. Mas além das atualizações
obrigatórias, previstas em lei, será necessário – e demandado – um crescente
leque de cursos abertos, sem definição profissional, que aumentarão
incrivelmente a qualidade da vida dos alunos. Já temos iniciativas neste
sentido, inclusive uma empresarial (a Casa do Saber), que têm dado certo. Enfatizo:
esses cursos serão mais culturais, não estritamente educacionais. Para cada
curso de atualização em genoma para profissionais de saúde, haverá dezenas
sobre filmes de conflitos entre pais e filhos, de aprendizado com religiões
distantes, de arte em videogames, destinados a cidadãos em geral, de qualquer
profissão – e a lista não acaba.
A cultura é indutora de liberdade. Romances, filmes e mesmo
novelas nos abrem para experiências com as quais, no mundinho em que cada um
nasceu e cresce, nunca pudemos sonhar. (É inquietante como estamos voltando a
viver em guetos; a própria dificuldade de tantos aceitarem que houve gente que
votou diferente deles, na recente eleição, é sinal desse fechamento de cada
grupo sobre si – o que pode limitar a capacidade de cada um se enriquecer com a
compreensão do outro, do diferente).
Quem cresceu num meio limitado pode descobrir que o sentido de sua
vida é a fotografia (como o jovem favelado que é o narrador do filme “Cidade de
Deus''): um artista se revela. Ou um menino sensível, alvo de “bullying'' na
escola, descobre que é homossexual e que não está sozinho no mundo: um ser
humano se liberta da ignorância que o prendia. Assim, a cultura aumenta seu
próprio contingente – com a descoberta de novos artistas – mas, acima de tudo,
amplia a liberdade humana.
Hoje, pela primeira vez na história mundial, cada um de nós pode
efetuar a sintonia mais fina possível de sua vocação. Antigamente, cada pessoa
vivia num pacote identitário: por exemplo, homem branco abonado, casado, filhos,
advogado ou médico ou engenheiro. Tudo isso vinha junto. Hoje, as
possibilidades se ampliaram muitíssimo. Há milhares de profissões. No limite,
cada um cria a sua. Profissão, emprego, orientação sexual, estado civil,
crenças políticas e religiosas, tudo isso se combina como um arco-íris
felizmente enlouquecido. Ninguém é mais obrigado a se moldar a um pacote. Mas
isso não é fácil, exige uma interminável descoberta de si e, por que não dizer,
coragem pessoal. A cultura ajuda aqui, porque nenhum setor da aventura humana
nos capacita tanto para, cada um de nós, descobrir sua diversidade única."
Em um blog na internet, Janine também organiza
alguns dos principais artigos que publicou ao longo de sua vida acadêmica.
Entre os temas abordados, constam temas como "a nova
política" (leia aqui),
a democracia direta (leia aqui),
e os dilemas entre a ética pura e a ética de responsabilidade, adotada por quem
assume funções políticas (leia aqui).
"É política assim a ação que assume como seu o ponto de vista da criação,
que pretende moldar, criar, o social. Há política quando nos fazemos sujeitos
de uma realidade, isto é, quando não a tomamos por dada, ou por independente da
ação humana, mas a concebemos como resultando dessa ação – e, melhor ainda, nos
propomos a agir, moldando o mundo", diz ele.
Fonte: Brasil 247.