Não existe
racismo no Brasil.
É,
pelo menos, o título de um livro de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Globo.
Nos
últimos tempos, sempre que surgiram notícias que escancaram o racismo no
Brasil, o livro de Kamel me vinha a cabeça.
Não
exatamente o livro, mas a tese, a frase peremptória do título.
Não existe racismo no Brasil.
Vejo
uma estatística: sete em cada dez mortos violentas são de negros.
A
Anistia Internacional Brasil acaba de lançar uma campanha: “Jovem Negro Vivo”.
“É quase um extermínio em massa”, diz o diretor da Anistia. Segundo a Anistia,
25 000 jovens negros são assassinados por ano no Brasil.
Sob
indiferença generalizada, o que é pior.
A
Anistia nota uma diferença. Nos Estados Unidos, quando a polícia mata um negro
em circunstâncias suspeitas, irrompe uma revolta imediatamente.
No
Brasil, não.
Quem
não se lembra de Claudia, arrastada num carro de polícia? E de tantos outros?
Mas
Kamel conseguiu escrever um livro cujo título é Não Somos Racistas.
Fui
lê-lo.
Encontrei
no Scribd, um site de livros digitais.
Em nenhum momento ele
consegue ser convincente em seu ponto. O máximo a que chega é que é socialmente
vergonhoso, no Brasil, ser racista. Bem, como se vê pela postagem abaixo, ou
pelo número de torcedores do Grêmio que chamaram o goleiro Aranha de macaco, há
quem discorde.
E ainda que
fosse “vergonhoso”.
Quando a polícia vai fuzilar você, porque você é negro e está
numa favela, você tem alguma chance de escapar se disser a seu carrasco que é
uma vergonha o que ele está prestes a fazer?
O livro de Kamel ilumina pouco o tema do racismo. Em
compensação, projeta muitas luzes sobre o próprio Kamel.
Já começa nos agradecimentos. Os patrões são
entusiasmadamente elogiados. Os três. Por promoverem um “jornalismo plural”.
Não se trata apenas de bajulação. Mas de um aplauso que
simplesmente não faz sentido. A não ser que pluralidade, na mente de Kamel,
seja Merval, Jabor, Míriam Leitão, Sardenberg, Noblat, Waack, para ficar em
alguns. Sem contar ele próprio, é claro.
É uma pluralidade absolutamente singular: todos pensam igual.
Igual aos patrões, naturalmente.
O
livro também é revelador na raiva que Kamel tem de Lula, e no amor por FHC.
A FHC são dados todos os créditos por ter feito do Brasil um
país maravilhoso, aspas. Lula, em compensação, se limitou a copiar – canhestramente
– FHC.
Lula, para
Kamel, fez mal tudo aquilo que FHC fez bem.
Há também uma coisa que conta muito sobre Kamel – e a cultura
livresca das Organizações Globo. A obsessão por ver seu nome na capa de um
livro.
Não Somos Racistas é uma compilação preguiçosa de artigos.
Merval fez o mesmo com os textos que escreveu sobre o Mensalão, e terminou na
Academia Brasileira de Letras.
Não
sei se este é o destino sonhado por Kamel.
Tudo aquilo somado, da negação do racismo se chega a uma
outra tese: a de que as cotas para negros são um erro – mais um – de Lula.
Acho, particularmente, uma besteira torrencial, mas enxergo
isso sob outro ângulo. Os irmãos Marinhos são contrários às cotas. Logo, Kamel
também é – e muito.
Em meus dias de Conselho Editorial da Globo, notei nas
reuniões o seguinte: Kamel e Merval, os mais falantes do grupo, como que
disputavam para ver quem era mais a favor das ideias da família Marinho.
O livro de Kamel não se sustenta, na teoria que defende, nem
no próprio Roberto Marinho. Se não fôssemos racistas, Roberto Marinho não
passaria pó de arroz para embranquecer a pele morena, conforme conta Pedro Bial
na biografia que escreveu sobre o dono da Globo.
Fonte:
Diário
do Centro do Mundo.