Em artigo exclusivo para o 247, o jornalista Breno Altman,
diretor do Opera Mundi, explica como o Brasil ajudou a barrar uma proposta de
intervenção na Venezuela, liderada pelos Estados Unidos, graças à atuação
decisiva do assessor especial do Palácio do Planalto, Marco Aurélio Garcia;
"Os Estados Unidos tentaram aprovar resolução que lhes permitisse, sob o
manto de uma comissão de investigação, interferir oficialmente na situação
venezuelana", diz ele; "Caso o Brasil tivesse se portado de maneira
distinta, outro poderia ser o resultado. Esse era o desejo de círculos
direitistas, que agora reverberam sua frustração através da crítica insolente a
Marco Aurélio Garcia"; leia a íntegra.
A saraivada de artigos e editoriais contra Marco Aurélio Garcia,
assessor internacional da Presidência da República, tem sua razão de ser. Não
foi pouca a pressão, sobre o governo brasileiro, para que capitulasse diante de
uma linha intervencionista e crítica ao governo constitucional de Nicolás
Maduro, na Venezuela. Mas o Palácio do Planalto manteve-se firme e o Brasil deu
seu voto, na Organização dos Estados Americanos (OEA), junto com outras 28
nações, para derrotar a moção sustentada apenas por Estados Unidos, Canadá e
Panamá.
Muito dessa postura se deve a
Marco Aurélio Garcia. Correntes conservadoras, incluindo aquelas que ainda dão
as cartas em algumas salas do Itamaraty, gostariam de ver a presidente romper
com a política internacional inaugurada por Lula e retornar à diplomacia
dependente, que girava na órbita da Casa Branca. A voz mais íntegra, preparada
e sólida contra essa alternativa sempre foi a do professor, como lhe chamam
amigos e até alguns desafetos.
Não é surpresa para ninguém,
portanto, que sobre seu lombo venha o chicote da velha mídia, comprometida
visceralmente com a derrubada do governo Maduro. Marco Aurélio Garcia, além do
mais, criticou abertamente a campanha de desinformação e manipulação levada a
cabo por veículos tradicionais das grandes famílias burguesas do continente,
envolvidos até o talo na guerra psicológica para desestabilizar, nacional e
internacionalmente, o processo bolivariano.
Talvez a mensagem brasileira
fosse ainda mais competente e altiva se a chancelaria estivesse sob o comando
do histórico quadro petista. Mesmo sem ocupar o posto, a verdade é que Marco
Aurélio funciona como lugar-tenente da presidente Dilma, na defesa dos
interesses brasileiros e progressistas, quando potências ocidentais,
particularmente os Estados Unidos, tentam reduzir o país a um apêndice de sua
diplomacia. A imprensa dos monopólios, ao contrário, opera como quartel-general
da estratégia de subalternidade.
A política internacional do
país, ainda que marcada por contradições e freios, mudou a inserção do Brasil
no mundo. Não apenas porque passou a ter papel relevante na luta para esvaziar
a hegemonia norte-americana, imperialista e antidemocrática por natureza, mas
também pela razão de ter criado novos espaços para o desenvolvimento econômico,
através de múltiplos mecanismos que já não são lastrados pelo aval de Washington.
A trajetória é muito positiva.
Primeiro, o projeto da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) foi
soterrado, afastando ameaças maiores, de inspiração neocolonial, cujo objetivo
era a integração subordinada da economia brasileira e das demais nações da
região à batuta norte-americana. Depois, seguiu-se o relançamento do Mercosul,
a criação da Unasul e da Celac, o desenvolvimento das relações sul-sul, o
aprofundamento da interlocução com a África, a parceria entre os BRICs.
Fortaleceram-se novos blocos políticos
e econômicos, particularmente na América do Sul. O subcontinente, apesar das
dificuldades, vai desbravando caminho autônomo, que progressivamente lhe
permite atuar nas grandes disputas geopolíticas e comerciais, e fora do
esquadro que o designava como quintal da Casa Branca.
Nesta perspectiva, o ataque ao
governo Maduro, no qual forças oposicionistas locais se combinam com o apoio
estrangeiro, repetindo a lógica golpista de 2002, não diz respeito apenas aos
venezuelanos. A interrupção da revolução bolivariana seria capítulo decisivo na
narrativa de restauração da ordem continental anterior.
Este era o tema que estava em
disputa na última reunião da OEA. Os Estados Unidos tentaram aprovar resolução
que lhes permitisse, sob o manto de uma comissão de investigação, interferir
oficialmente na situação venezuelana. A proposta foi rechaçada por esmagadora
maioria, remetendo o assunto para arbítrio exclusivo da Unasul, na qual os
norte-americanos não têm assento. Foi um momento histórico, que provocou a fúria
conservadora.
Caso o Brasil tivesse se
portado de maneira distinta, outro poderia ser o resultado. Esse era o desejo
de círculos direitistas, que agora reverberam sua frustração através da crítica
insolente a Marco Aurélio Garcia.
Não estava em jogo, afinal, a
democracia venezuelana, muito bem defendida por suas próprias instituições. Os
fatos falam por si. Qual outro país do planeta teve 19 contendas eleitorais em
15 anos, nas quais a esquerda sagrou-se vitoriosa em 18? Qual outra nação
convive com uma imprensa privada que apoia abertamente levantes
anticonstitucionais? Qual outro Estado assegura liberdade partidária tão plena
que inclui agremiações dispostas a convocar ações violentas contra um governo
legítimo? Basta imaginar qual seria o comportamento da Casa Branca se tais
práticas ocorressem em seu território.
A votação da OEA decidiu,
portanto, se a América Latina se dobraria novamente ou não ao Ministério de
Colônias do governo norte-americano, como já se referiu Fidel Castro acerca da
entidade agonizante. A resposta foi uma rotunda negativa, à qual se somaram até
mesmo governos conservadores como os da Colômbia e Chile. O Brasil, na ocasião,
fez o que lhe cabia, ajudando a defenestrar o fantasma da submissão.
Breno Altman é diretor
editorial do site Opera Mundi.
Fonte: Brasil 247.