Uma obra de R$ 23 milhões no centro de Fortaleza, precisamente na Rua
Sena Madureira, 1047, promete ganhar indesejável visibilidade. E para além das
expectativas, pelo menos, daqueles que, aos olhos do público, são responsáveis
por cuidar das contas do Executivo, Legislativo e Judiciário. Trata-se do
inacabado Edifício Anexo II do Tribunal de Contas do Estado (TCE), construção
iniciada em 18 de maio de 2011, sem alvará da Prefeitura (auto de embargo
lavrado em 18 de novembro do mesmo ano), que chega à sua última laje com graves
indícios de superfaturamento.
A recente história do
vistoso caixote de estrutura metálica, fachada de vidro e heliponto, em frente
ao Parque das Crianças, não tem nada de inocência e provoca rebuliços na
consciência de muita gente grande. Com repercussão mais acentuada junto a
órgãos de controle e fiscalização, como Conselho Regional de Engenharia e
Arquitetura (Crea), Ministério Público e Procuradoria Geral do Estado. Como que
a refletir, simbolicamente, o relicário de escândalos descortinados dentro do
próprio Tribunal nos últimos anos. Desde o estouro do esquema de “banheiros
fantasmas” e, por último, da saraivada de críticas pela aquisição milionária de
uma mobília de luxo para equipar a nova extensão da Casa, com custo superior a
R$ 1,1 milhão.
A concepção do projeto
nasce e vem a ser posta em prática, a toque de caixa, ainda na gestão do
ex-presidente do TCE, Teodorico Menezes. Ele pretendia inaugurar a obra durante
seu mandato em 2012. No dia 11 de março de 2010, a licitação começa a se
formatar ao ser emitida carta-convite, onde o tribunal solicita a contratação
do projeto executivo de arquitetura, ao custo de R$ 145.139,20, para
consequente elaboração dos projetos de engenharia do prédio.
O trabalho deveria seguir dimensões de um anteprojeto de arquitetura
já existente, que apenas teria descrito áreas de pavimentos, terreno disponível
(7.029,22 m²) e edificação total (5.900 m²), mas não constou dos autos da carta
que solicitou o projeto executivo de arquitetura. Assim, especialistas afirmam
ser inviável a elaboração de tal projeto que detalha e identifica as peças a
serem orçadas no projeto de engenharia. A partir daí, a encomenda teria seus
quantitativos “chutados”, com etapas sendo queimadas sem as plantas do projeto
arquitetônico e cartas convites a se sucederem, ultrapassando o limite máximo
de R$ de 150 mil, estabelecido legalmente para a modalidade.
Hoje, defenestrado do cargo
após o famoso "Escândalo dos Banheiros" Teodorico vive espremido
entre seus pares para uma aposentadoria compulsória e a tritura de um processo
no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O conselheiro pode até andar fora da
cena política, mas sabe bem de si e da bomba relógio que carrega. Afinal,
recaem sobre ele as originais suspeitas de um escândalo que pode custar cinco
vezes o valor do rombo dos banheiros fantasmas, estimado em R$ 2,5 milhões.
Espécie de herança maldita
da “Era Teodorico”, o Anexo II esquenta bastidores públicos e privados. Faz
pressão e incomoda a cúpula do TCE, notadamente, na pessoa do presidente
Valdomiro Távora. Ele não consegue terminar a obra e sofre ataques no
parlamento estadual, de preferência do deputado de oposição Heitor Férrer
(PDT).
Até hoje, três anos e dois
meses depois de iniciados os serviços, o valor do terreno do Anexo II,
desapropriado e avaliado em R$ 8 milhões, sequer foi pago em sua totalidade. O
proprietário do imóvel, o empresário Luciano Cavalcante, briga na Justiça para
receber, pois Teodorico desapropriou por um valor irrisório.
Sem fundamentos que
sustentem necessidades funcionais, dentre outras relevâncias para uma Corte que
se reúne apenas uma vez por semana, o Anexo II foi dado à luz na forma de um
prédio de oito andares, com 5.900 m² de obra e orçamento já estourado de R$ 23
milhões. Só não explica, até agora, como pode caber tanto dinheiro em tão pouco
espaço.
METRO QUADRADO NAS ALTURAS
Para que se faça uma
comparação de preços, obras como o Anexo da Assembleia e do novo Tribunal de
Contas dos Municípios (TCM) com 20 mil m² e 7.8 mil m² de área custaram,
respectivamente, R$ 50 milhões e R$ 13 milhões. Nesses casos, os valores
orçados pelo metro quadrado saíram a R$ 2,5 mil (Assembleia) e R$ 1,66 mil
(TCM). Já no anexo II do TCE, o custo pula para R$ 3.765,19, o metro quadrado,
encarecendo a obra em R$ 4,69 milhões, tendo-se por base orçamento solicitado
pela própria Corte ao Departamento de Estradas e Rodovias (DER).
O custo por metro quadrado
construído no Nordeste é considerado o menor do Brasil – em torno de R$ 769,19.
Na tabela do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon),
onde o projeto arquitetônico foi apresentado no último dia 18, gerando
controvérsias e indagações, o custo do metro quadrado construído com materiais
nobres chega, no máximo, a R$ 900. Daí, o clamor maior diante da rubrica
orçamentária de número 666 do programa de Modernização do Sistema de Controle
Interno do Estado do Ceará, a onerar os cofres públicos em cinco vezes o que se
cobraria em semelhante empreendimento na iniciativa privada.
IMPROPRIEDADES A SE CONTAR
Técnicos, construtores e
fiscais acreditam que os erros no Anexo II começaram na falta de um concurso
público para escolha do projeto básico / executivo de arquitetura e na formação
do preço da obra, redundando em uma licitação questionada por exibir
informações incompletas, inconsistentes e fragmentadas. A frouxidão do edital
trouxe incontornáveis desastres ao processo, iniciado através de cartas-convite
que ultrapassaram o limite máximo de R$ 150 mil estabelecido para a modalidade.
Em todas estas cartas, estranhou-se a ausência do anteprojeto de arquitetura
nos autos, de representantes de empresas convidadas e da declaração das
empresas abrindo mão de recursos contra apresentação das propostas.
Aspectos quantitativos não
especificados em projeto básico/executivo na relação com a área construída e
valor da obra, por exemplo, desmontaram pareceres e argumentos da Corte. Assim,
sequer a licitação para o projeto de engenharia poderia ter ocorrido. Ainda
pesa sobre a licitação do Anexo do TCE a suspeita de que os preços tenham sido
determinados pelos vencedores. Dentre eles, a Targa Tecnologia Ltda, de Geraldo
Cabral Rola Filho, empresa citada, ao lado de entidades fantasmas, como doadora
de campanha do deputado estadual Téo Menezes, filho de Teodorico Menezes.
Também participaram da concorrência a Magna Engenharia Ltda, de Demerval
Castelo Branco Diniz Filho, e a Edicon Comércio e Construções Ltda, de Daniel
Mesquita Magalhães.
FATOS “CURIOSOS” E PERGUNTAS QUE NÃO CALAM
Geraldo Cabral Rola Filho,
da Targa Tecnologia Ltda, vencedora da licitação do Anexo II, é casado com
a filha de Demerval Castelo Branco Diniz, da Magna Engenharia Ltda. Ao final do
certame, só a Targa se classificou porque a Magna não apresentou suas inscrições
das Fazendas Públicas Estadual e Municipal, e a empresa Edicon Comércio e
Construções Ltda foi desabilitada por não apresentar atestado comprovando já
ter contratado empresa com capacidade de executar instalação de rede
estruturada de dados e voz.
Por que o edital
apresentado baseou-se em planilhas orçamentárias que distribuíram R$ 23 milhões
em valores percentuais sem apresentação das quantidades de cada item a ser
comprado para a obra? A indagação se dá porque se alega que o orçamento-base
não teria sido acompanhado das composições de todos os custos unitários de
serviços e materiais. Reflexo da aceitação de um mero anteprojeto como projeto,
o que teria fragmentado o projeto executivo da obra e tornado “chutes” os
cálculos de engenharia da licitação.
O que causa espécie no
desenrolar de todo o processo licitatório através dos pareceres da Comissão de
Fiscalização e Acompanhamento do Anexo II, assinados por Maria de Fátima
Siqueira Costa? No “Escândalo dos Banheiros”, seu nome foi lembrado como doadora
de campanha do deputado estadual Téo Menezes, filho de Teodorico Menezes.
Diante de impropriedades
como inadequação do orçamento-base da licitação, ausência do projeto básico de
arquitetura e composições de custos unitários, seria o caso de se recomendar ao
TCE a correção, sem ônus para o tribunal, dos problemas encontrados junto à
empresa responsável pela elaboração do projeto executivo? Além disso, comunicar
tais indícios à Comissão de Fiscalização e Controle da Assembleia e ao
Ministério Público Estadual, bem como consultar o Ministério Público Federal se
existem recursos da União empregados nas obras. Até porque, teria o então
presidente Teodorico Menezes solicitado à bancada federal do Ceará em 2010, a
destinação de R$ 10 milhões em emendas ao Orçamento Geral da União de 2011 para
a construção do Anexo II.
Com sete novos gabinetes
para conselheiros, o Anexo II abrigará atividades administrativas, uma praça,
ambulatório médico, auditório multiuso com 360 lugares e heliponto. Tido como
prédio de pequeno porte, construtores e arquitetos enxergam nos 5.900 m² apenas
sete andares e meio, pois o quarto andar tem área a ser construída de apenas
300 m².
Quantidades. Eis o grande
“calo” a perturbar os responsáveis pela obra, face não serem identificáveis nos
projetos correspondentes apresentados no processo licitatório. A estrutura
metálica (prédio, marquises, heliponto, escadas e rampas), por exemplo, consome
25,16% do valor da obra, o que dá R$ 5.811,899,31. Mas projetistas analisam
que, com heliponto e estrutura toda em aço, um obra do tipo teria que levar
entre 30% e 35% do valor total, tendo-se em conta o peso dos equipamentos e o
risco à segurança do prédio.
Um estudo de Impacto à
Vizinhança, dada a pequena altura do prédio para o heliponto, não teria sido
apresentado para requisição de licença aos órgãos de meio ambiente.
Instalações prediais são
outro item questionado por projetistas. Consomem 18,07% do valor da obra (R$
4.173.787,37), o suficiente para um prédio residencial de 17 andares com quatro
apartamentos de 100 m² por andar. Para o Anexo II, que tem as mesmas
características de um prédio comercial, especialistas afirmam que bastariam
recursos da ordem de R$ 1 milhão.
Fonte: Ceará News 7.