Prefeito e governador voltaram atrás em sete decisões
importantes.
G1 falou com Black Bloc, 'Ocupa Cabral', especialistas e autoridades.
A "onda" de
protestos no Rio de Janeiro completa 100 dias em 10 de setembro. Neste período,
foram mais de 50 protestos e três ocupações: na casa do governador Sérgio
Cabral, na Câmara Municipal e no antigo Museu do Índio. Pressionados pelo grito
das ruas, os governos municipal e estadual recuaram em decisões importantes,
atendendo a pelo menos sete reivindicações da população (veja no
quadro abaixo). Neste 7 de setembro, Dia da Independência, com
manifestações esperadas por todo o país, o G1 faz um balanço desses mais de três meses, com
entrevistas com um integrante do Black Bloc, uma ativista do "Ocupa
Cabral", especialistas no tema e políticos, como prefeito Eduardo Paes e o
vereador Marcelo Freixo.
A truculência da Polícia Militar de São Paulo contra manifestantes
insuflou protestos em diversas cidades do país. Desde o dia 3 de junho, quando
estudantes tomaram a Avenida Rio Branco, no Centro, para protestar contra o
aumento da passagem de ônibus, a cidade passou a conviver com a rotina de
mobilização popular que ainda persiste, já que os recuos
"estratégicos" dos governos não foram suficientes para arrefecer o
movimento reivindicatório.
O primeiro a recuar foi Eduardo Paes que, em 19 de junho, anunciou a
revogação do aumento de R$ 0,20 na passagem de ônibus — a principal questão
inicialmente. Mas isso não foi o bastante para a população, que exigiu nas ruas
a abertura da "caixa preta" das empresas de ônibus do Rio. "Do
ponto de vista do usuário, há efetivamente uma redução, mas ninguém sabe como
essa conta vai fechar", resume o professor de Finanças do IBMEC, Gilberto
Braga.
Uma
CPI foi criada na Câmara Municipal para investigar os contratos com as
concessionárias de transporte. A Comissão, no entanto, tem somente vereadores
da base do governo. Por isso, a Casa foi ocupada por manifestantes durante 12
dias. "A CPI só foi instalada por causa das manifestações, mas
imediatamente membros do legislativo que não têm o compromisso com a sociedade
trabalharam no sentido de desfazer isso. A 'caixa preta' das empresas de ônibus
continua fechada", disse o vereador Eliomar Coelho (PSOL), que propôs a
CPI do Ônibus.
Reconhecendo a necessidade de se aproximar da sociedade, Paes decidiu
criar canais de comunicação direta com a população, através de entrevistas pela
web, entre outras medidas. "A democracia representativa que vivemos é um
modelo arcaico. As pessoas estão pedindo e demandando dos governos um avanço,
uma participação maior. E percebemos que precisamos ampliar e criar formas de
diálogos", disse o prefeito.
Procurado pela reportagem do G1,
o governador não quis comentar os desdobramentos das manifestações.
Cabral: o principal alvo
Embora a motivação inicial dos protestos estivesse diretamente ligada a uma decisão municipal — o aumento da tarifa — não demorou muito para que o governador Sérgio Cabral se tornasse o principal alvo dos manifestantes. Um dos motivos: gastos públicos com a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Embora a motivação inicial dos protestos estivesse diretamente ligada a uma decisão municipal — o aumento da tarifa — não demorou muito para que o governador Sérgio Cabral se tornasse o principal alvo dos manifestantes. Um dos motivos: gastos públicos com a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Quase um mês após cerca de 300
mil pessoas se reunirem, dia 20 de junho, no Centro, no maior protesto
registrado no Rio, o governador ainda ignorava a mobilização espontânea através
da internet. Em 18 de julho, atribuiu as manifestações a uma disputa política.
“A oposição busca antecipar o calendário eleitoral criando constrangimentos à
governabilidade", disse Cabral, na ocasião, por meio de nota.
Onze dias
depois, o governador admitiu que faltou "humildade" ao não ouvir o
clamor popular e anunciou o primeiro recuo de sua gestão após o início das
manifestações: o cancelamento da demolição do Parque Aquártico Júlio Delamare,
no Complexo do Maracanã.
"Jamais
terei a vergonha de reconhecer erros. Acho que faltou humildade em não ouvir os
segmentos", disse, no dia 29 de julho.
Depois disso,
voltou atrás outras cinco vezes: desistiu de demolir o Estádio de Atletismo
Célio de Barros e a Escola Municipal Friedenreich, ambos no Complexo do
Maracanã; além de decidir pela revitalização e tombamento do antigo Museu do
Índio. O governador abriu mão
também de vender o prédio histórico que abriga o Quartel General da Polícia
Militar e publicou decreto regulamentando o uso de helicópteros pelo poder
executivo estadual, após ser critica por usar a aeronave do governos para
viagens particulares com a família.
Ainda assim, Sérgio Cabral viu
sua popularidade despencar. Ele teve a pior avaliação entre 11 governadores na
pesquisa da CNI: 12%. Realizado entre 9 e 12 de julho, o levantamento ouviu 812
pessoas.
Reivindicações pendentes
Além do governador, a
Polícia Militar do Rio também se tornou alvo de críticas por parte de
manifestantes, que reclamam de arbitrariedades e violência dos PMs durante os
protestos. O desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, no dia 14 de julho,
após ser levado por policiais para uma base da UPP da Rocinha, na Zona Sul, se
tornou mais uma bandeira do movimento. Faixas com a frase "Onde está
Amarildo?" se multiplicaram pela cidade e pelos atos, assim como os pedidos
pela desmilitarização da polícia.
O
paradeiro do pedreiro permanece desconhecido. E essa não é a única
reivindicação dos manifestantes que continua sem resposta. O governador Sérgio
Cabral já afirmou que a gestão do estádio do Maracanã não voltará para o
estado. Os gastos públicos com os grandes eventos também não foram
esclarecidos. Os professores das redes municipal e estadual, em greve, ainda
aguardam por diálogo com as autoridades. E a sociedade ainda clama por uma
gestão pública participativa.
"Foram
recuos pontuais, mas a vitória maior é uma mudança na cultura política. A
certeza que fica é que esse país tem capacidade de alterar o seu destino. E o
que a sociedade quer, principalmente, é uma maior radicalidade na participação
popular nas decisões governamentais", disse o deputado estadual Marcelo
Freixo (PSOL).
Luiza Dreyer, 'Ocupa
Cabral'
"Os R$ 0,20 não foram uma
vitória para mim. Quero que esses R$ 0,20 não saiam da saúde e da educação.
Quero na saúde, na educação e na mobilidade urbana. Por isso continuo na rua
também. As pessoas viram aquela manifestação na Presidente Vargas e na Alerj
cheias, agora — principalmente os políticos — acham que está acabando. É o
contrário. Foi a faísca de um fogaréu que está só começando.”
X, integrante do
Black Bloc
"O Black Bloc é uma
resistência contra as arbitrariedades dos governos e da polícia, uma forma de
não deixar os protestos morrerem porque senão o Brasil não vai mudar. Ninguém ali participa de
quadrilha, não há formação de quadrilha armada, o que nós fazemos é nos
manifestar. O preço da passagem tem que abaixar mais. Como o
governo pode liberar verba para o Maracanã e não para investir nos hospitais,
na educação, na moradia?"
Gustavo Mehl, Comitê
Popular da Copa
"Os mega eventos incidem
na cidade de maneira nada democrática atendendo a interesses privados em vez de
interesses públicos. O Maracanã virou um grande símbolo da mobilização e
do mau uso do dinheiro público. No momento em que o Governo do Estado se furta
a ouvir a voz das ruas, a abrir o debate sobre a concessão do estádio, é uma
demonstração de que o autoritarismo se mantém".
Marta Moraes,
coordenadora do Sepe
"Os professores já se
manifestam faz tempo, mas o que a gente sentiu é que, nessa greve de 2013, o
apoio tem sido muito maior. Infelizmente, não houve um avanço geral nas
principais questões que a sociedade reivindica: maior participação
popular e transparência na gestão pública. A sociedade descobriu o caminho para
exigir seus direitos. Nós não vamos desistir e a população também não".
Fonte: G1