Militares da Rússia abandonam Kherson, cidade portuária "incorporada" por Moscou depois de referendo controverso. Presidente Volodymyr Zelensky fala em "dia histórico". Após nove meses de ocupação, civis celebram com emoção.
Uma fogueira improvisada no meio da praça principal. Uma roda feita por adultos e crianças, de mãos dadas e unidos também pela voz. "Não se curve, oh, viburno vemelho, você tem uma flor branca. Não se preocupe, gloriosa Ucrânia, você tem um povo livre. Nós pegaremos aquele viburno vermelho e o ergueremos. E, ei, ei, vamos saudar nossa gloriosa Ucrânia!", cantam. Durante o pôr-do-sol, os soldados ucranianos chegaram a Kherson (sul), na margem ocidental do Rio Dnipro, pouco depois de 40 mil combatentes russos abandonarem a cidade rumo ao lado esquerdo do rio.
Nas ruas, entre buzinaços e saudações de "Slava Ukraini!" ("Glória à Ucrânia"), foram recebidos como heróis. A multidão cercou os carros dos militares e carregou alguns deles nos braços. "Kherson é nossa", declarou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ao classificar o 11 de novembro de 2022 como um "dia histórico". "Os cidadãos não esperavam por isso. Nunca se deram por vencidos", destacou.
O norte-americano John — ele não quis ter o sobrenome divulgado — deixou Kherson, onde vivia desde 2005, depois de 45 dias de ocupação russa. "Exultante por ver Kherson finalmente libertada, mas ainda muito preocupado com os bombardeios à cidade, assim como fizeram em Mykolaiv", afirmou ao Correio. "Os orcs (como os ucranianos chamados os soldados da Rússia) saquearam meu apartamento. Vizinhos me enviaram fotos. Os soldados também roubaram um dos meus carros."
John se recorda dos piores momentos que viveu em Kherson. "Os bombardeios se aproximavam de nós. Ficamos em um apartamento de dois quartos, perto do aeroporto. Éramos seis pessoas: eu, minha esposa e os familiares dela", relatou. Ele não conseguiu dormir por mais de duas horas por noite. "O barulho do carro ou de uma van deixava-me aterrorizado. Eu temia que fossem os orcs para me sequestrar ou para levar meus parentes." Na primeira manhã de ocupação, ele viu 13 helicópteros russos sobrevoarem a baixa altitude a Ponte Antonovka. "Foi muito assustador", confessou. "Nas primeiras duas semanas, fiquei com muito medo de morrer de fome. Todos os lugares estavam ficando sem comida."
Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, explicou que os russos tomaram Kherson e utilizaram a cidade como base para ofensivas contra Mikolaiv e Odessa. "A ideia de Moscou era separar a Ucrânia do Mar Negro, a fim de capturar todo o sul do país e contectá-lo à região da Transnístria, ocupada pelos russos desde 1999", disse ao Correio. "Moscou pretendia construir uma ponte imensa ligando a região do Donbass (leste) e a Crimeia ao sul da Ucrânia. Kherson é um porto estratégico muito importante do Mar Negro e tinha sido anexada por Putin, além das regiões de Donetsk, Luhansk e Zaporizhzhia. Por isso, a perda de Kherson é um golpe imenso para os russos."
Fonte: Correio Braziliense.