O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem anunciado medidas em série para turbinar benefícios à população na reta final da eleição, mas, enquanto o pacote completo em ano eleitoral já custa 273 bilhões de reais e um estudo aponta que o mandatário colhe frutos nas urnas, não há punição à vista para algumas das ações, nas quais especialistas e adversários veem aberto uso da máquina em busca da reeleição.
Apenas nos primeiros 20 dias de outubro, o governo anunciou a antecipação de pagamentos de programas sociais turbinados e recém-criados, além de medidas indiretas, como a autorização para que beneficiários do Auxílio Brasil que recebem 600 reais por mês possam pedir empréstimos consignados.
Entre medidas orçamentárias já colocadas em prática e compromissos feitos pelo presidente nos últimos meses, a conta alcança 273 bilhões de reais em custo com impacto tanto em 2022 como 2023, calculou a Reuters, num movimento que acende alerta na equipe econômica, já que parte das despesas não está prevista no Orçamento do ano que vem e terá que ser acomodada.
Um dos maiores custos isolados no pacote eleitoral é o da ampliação do programa Auxílio Brasil neste ano. O principal programa de transferência de renda aos mais pobres teve o valor aumentado de 400 a 600 reais ao custo 26 bilhões de reais apenas em 2022, autorizados por uma emenda à Constituição aprovada no Congresso, que declarou estado de emergência no país.
A manobra permitiu um inédito impulso a um programa social em plena campanha. Mas, se esse passo está autorizado, medidas como antecipação de pagamentos seriam passíveis de punição, avalia Eloísa Machado, professora de direito na Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo.
A docente afirmou que há fartos indícios de que o candidato à reeleição esteja desviando a finalidade de políticas públicas sociais e econômicas para, com isso, obter vantagem eleitoral pessoal.
A prática, Machado frisa, caracteriza abuso do poder político e é vedada por lei, permitindo que partidos, candidatos, coligações e o Ministério Público Eleitoral peçam providências à Justiça Eleitoral.
Nenhum desses atores, no entanto, tem se voltado contra as ações de Bolsonaro. Na cúpula do MP Eleitoral, conforme relatou uma fonte à Reuters, não há nenhum indicativo de que uma investigação nesse sentido deve ser pedida.
O chefe do MP Eleitoral é o procurador-geral da República, Augusto Aras, que foi indicado duas vezes ao cargo por Bolsonaro e é criticado por oponentes e especialistas por ser considerado alinhado ao mandatário.
Machado, uma das críticas de Aras, vê omissão do Ministério Público Eleitoral. "A Procuradoria-Geral Eleitoral está praticamente ausente do controle do abuso de poder político, dos meios de comunicação e de poder econômico. Segue a mesma lógica já vista no STF, onde a PGR praticamente abdicou de controlar atos do Poder Executivo", disse Machado.
A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por sua vez, tampouco planeja movimentos contundentes. Por ora, segundo uma fonte do QG lulista, a área jurídica não deverá propor uma ação para questionar um eventual uso da máquina pública por Bolsonaro.
A avaliação é que é preciso analisar também o custo político da medida. Uma eventual contestação de programas do governo, como o Auxílio Brasil turbinado, por exemplo, pode se voltar contra a campanha, com os adversários podendo acusá-los de tentar tirar benefícios dos mais necessitados, disse a fonte.
Para o advogado especialista em direito eleitoral Renato Ribeiro de Almeida, Bolsonaro está fazendo um "uso sem precedentes da máquina pública de uma forma desesperada para tentar a reeleição". Segundo ele, a Justiça Eleitoral tem centenas de casos em que houve a cassação e a inelegibilidade por oito anos, com base na Lei da Ficha Limpa, de gestores municipais e estaduais por essa prática. Bolsonro, porém, tem esticado a corda por saber que uma cassação "geraria um trauma muito grande na República", observou.
"O esforço que se geraria para cassar um mandato presidencial e isso alterar todos os rumos da economia do país, os ministérios e todo trauma que a cassação de um mandato gera e a realização de uma nova eleição. Então, o presidente sabendo disso, tem levado a Justiça Eleitoral ao limite", disse.
Fonte: Brasil 247.