Angústia, irritação, dificuldade para dormir e se concentrar nas tarefas do dia a dia. Esses são os sintomas que acompanharam a maioria dos torcedores do Flamengo e do Athlético-PR nessa última semana, enquanto aguardavam ansiosamente a chegada deste sábado.
A psicóloga Anna Lucia Spear King, doutora em Saúde Mental e Fundadora do Instituto Delete-Uso Consciente de tecnologias da UFRJ, explica que essa sensação desconfortável é conhecida como ansiedade antecipatória. Ela está associada a uma sensação de incerteza e falta de controle sobre um evento ou situação futura. Neste caso, a preocupação com quem vai ganhar a final da Copa Libertadores da América.
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— Essa ansiedade antecipatória faz com que as pessoas literalmente se sintam mal no presente, pensando em algo que pode acontecer no futuro — explica King.
A sensação de certeza e controle é importante para o bem-estar psicológico de seres humanos e isso tem uma explicação evolutiva. Era importante que nossos ancestrais sentissem angústia quando confrontados com a incerteza sobre sua próxima refeição, por exemplo, ou com a falta de controle sobre a segurança, já que esses fatores eram fundamentais para a sobrevivência. O problema é que nosso organismo responde da mesma forma a uma ameaça real ou imaginária.
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Em geral, pessoas com ansiedade antecipatória tendem a pensar nos piores cenários em relação à situação futura. Imediatamente, o cérebro entende isso como uma ameaça e o mero pensamento do pior cenário para aquela situação - como seu time perder -, desencadeia uma resposta fisiológica ao estresse. Há um aumento do nível de substâncias como o cortisol, que é conhecido como o hormônio do estresse, e os neurotransmissores adrenalina e noradrenalina.
— Essas alterações neuro-hormonais são uma herança que a gente trouxe para o mundo contemporâneo, que visam preparar o organismo para aquele perigo que está por vir. É a chamada reação de luta ou fuga. Ela provoca alteração da pressão arterial, da frequência cardíaca, da temperatura corporal, da abertura da pupila, aumento do fluxo de sangue nos músculos, entre outras mudanças — explica o endocrinologista Ricardo Oliveira, membro do Departamento de Endocrinologia do Exercício e do Esporte da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
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É essa resposta fisiológica que desencadeia o estado de apreensão e todos os sintomas físicos e mentais acompanharam muitos torcedores. Além da irritação, da angústia, da dificuldade de concentração e da insônia, podem estar presentes hiperventilação, dor no peito, tensão muscular, ruminação, tensão, hiper vigilância, falta de ar, batimentos acelerados, dor de cabeça, fadiga, sudorese, dor de estômago, micção frequente ou diarreia.
Para tentar controlar essa sensação e conseguir desempenhar as atividades cotidianos até o horário da fatídica decisão, especialistas recomendam atividades que liberem energia e, consequentemente, ajudem a aliviar a tensão, como exercício físico, e práticas que ajudam a viver o presente, como meditação e exercícios de respiração.
— Drenar essa energia para outras atividades, como leitura ou o próprio trabalho. Também é importante evitar substâncias que aumentam o estímulo, como café, energéticos e chás, ou que ajudam a aliviar a tensão, mas que são prejudiciais, como álcool e cigarro — recomenda o médico Marcelo Demarzo, professor livre-docente da Escola Paulista de Medicina da Unifesp.
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“Haja coração”
O torcedor tem uma forte conexão emocional com seu time. Se dias ou até mesmo semanas antes da decisão a emoção já estava à flor da pele, durante o jogo, ela extravasa. O coração bate tão forte, que parece que vai sair pela boca. É praticamente impossível ficar sentado ou parado. Gritos e palavrões ajudam a aliviar a tensão. Fisiologicamente, a reação do organismo é a mesma da espera, mas em nível muito mais elevado.
Nesse momento, a expressão “haja coração” passa de um clichê para uma explicação biológica. O sistema cardiovascular, é o mais afetado durante momentos de ansiedade, angústia e estresse prolongados, como a gerada pela expectativa da bola no gol. Inclusive, diversos estudos mostram um aumento de eventos cardiovasculares após jogos.
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Um trabalho publicado na revista científica The New England Journal of Medicine, em 2018, revelou que a incidência de emergências cardíacas entre torcedores alemães durante as partidas da seleção na Copa do Mundo de 2006 aumentou, em média, 2,66 vezes. Houve mais episódios de infarto, angina e arritmia. Um estudo de 2013 da Universidade de São Paulo (USP) indicou que as ocorrências de infarto aumentavam de 4% a 8% entre brasileiros durante jogos da Copa.
— A ansiedade e o estresse causam vasoconstrição, aumento da frequência cardíaca e geram uma sobrecarga no sistema cardiovascular. Isso pode representar um risco, em especial para pessoas com idade mais avançada e doenças prévias — diz o cardiologista Leandro Echenique, do Hospital Albert Einstein e assessor científico da SOCESP- Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo.
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Para a maioria das pessoas, a elevação momentânea da frequência cardíaca elevada e da pressão arterial não é prejudicial. Mas em indivíduos com doenças cardiovasculares, o excesso de emoção da final da Libertadores pode representar um risco. Mas como saber se a sensação do coração saindo pela boca ou o aperto no peito pela espera do gol são apenas sintomas da ansiedade ou sinais de algo mais preocupante?
Echenique explica que os sinais de alerta são: dor contínua no peito, em aperto ou pressão, por mais de três minutos, associado a falta de ar, desmaio, sudorese e náusea. Nesse caso, a recomendação é ir para o serviço de emergência.
— O diagnóstico precoce e o rápido início do tratamento fazem toda a diferença
—pontua o cardiologista.
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Embora assistir a um jogo de futebol, em especial um decisivo, possa ser uma fonte de “estresse emocional intenso”, que pode aumentar temporariamente os marcadores de inflamação e constrição dos vasos sanguíneos, não é preciso se abster, afinal, essa também é uma atividade extremamente prazerosa. Quando a bola bate na rede e o tão esperado grito de gol finalmente consegue sair da garganta, o organismo não só libera a pressão acumulada como a emoção positiva aciona a liberação de neurotransmissores associados à felicidade e ao prazer, como dopamina e serotonina.
Em um editorial publicado na revista científica Canadian Journal of Cardiology, em conjunto com um estudo que avaliou a frequência cardíaca de torcedores que assistiam, pela televisão ou no estádio, um jogo de hóquei do Montreal Canadiens, pesquisadores do Zuckerberg San Francisco General Hospital e da Universidade de Montreal escreveram que assistir hóquei - e ao futebol - “é apenas uma das várias atividades que são importantes para a qualidade de vida, mas estão associadas a algum risco” (exercício e sexo são outras duas) e que “evitar todos os gatilhos equivale a evitar a própria vida e não é uma estratégia viável”.
Fonte: Yahoo! Noticias.