Na véspera do primeiro turno, as pesquisas Datafolha e Ipec mostravam uma vantagem de cerca de 14 pontos percentuais de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre Bolsonaro.
O Datafolha estimou em 36% o número de votos válidos de Bolsonaro, e o Ipec, em 37%, o que daria, em uma conta simples, em torno de 42 milhões dos 118,2 milhões de votos válidos computados no último domingo (2/10) pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Mas o atual presidente teve, na realidade, 51 milhões de votos válidos, ou seja, 43,2%, acima da margem de erro das pesquisas, de dois pontos percentuais.
No rescaldo do primeiro turno, especialistas levantam hipóteses que - isoladamente ou em conjunto - podem ajudar a explicar as discrepâncias.
Ao mesmo tempo, representantes dos institutos de pesquisa dizem que as sondagens captam o momento e não são uma previsão de futuro.
Censo defasado
Retrato mais fiel da composição da população brasileira, o Censo está desatualizado: os dados consolidados mais recentes são de 2010. A coleta de dados atualizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) deveria ter acontecido em 2020, mas foi adiada duas vezes - por conta da pandemia e por falta de verbas - e só começou em agosto de 2022.
E qual o impacto eleitoral disso? É que os institutos conduzem suas pesquisas de opinião com base em amostras de recortes da população - de renda, idade, classe social ou religião, por exemplo.
Se essas amostras estatísticas forem embasadas em conjuntos populacionais desatualizados, isso pode impactar o resultado das pesquisas eleitorais, segundo estatísticos.
Os institutos de pesquisa, é claro, têm ciência das limitações impostas pelo Censo e usam dados adicionais para calibrar suas amostragens - como os da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad) ou do Tribunal Superior Eleitoral.
Mesmo assim, analistas veem a possibilidade de certos grupos teoricamente mais alinhados a Bolsonaro estarem subestimados. Os evangélicos, por exemplo, eram 22% no Censo de 2010, mas pesquisas do Datafolha já sinalizavam que esse público havia subido para 31% da população em 2019.
'Voto envergonhado'
Um fenômeno ainda a ser plenamente compreendido nestas eleições é o do chamado "voto envergonhado" ou "amedrontado" - ou seja, de eleitores que deixariam de expressar sua preferência às sondagens eleitorais por "vergonha" ou "medo".
Esse fenômeno se baseia em uma teoria de comunicação de massa conhecida como "espiral do silêncio", segundo a qual o indivíduo tende a omitir sua opinião quando ela contraria a opinião dominante, por medo de isolamento social.
Nos meses anteriores à votação, o cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), levantou a hipótese de haver voto envergonhado em Bolsonaro entre camadas do eleitorado em que Luiz Inácio Lula da Silva se manteve majoritário, por exemplo nas camadas de baixa renda e escolaridade.
Lavareda disse na ocasião que discrepâncias entre resultados de pesquisas de intenção de voto presenciais (quando as pessoas podem se sentir mais inibidas a falar diante de pessoas conhecidas) e por telefone poderiam sugerir uma subnotificação de votos bolsonaristas.
O cientista político Felipe Nunes, do instituto de pesquisas Quaest, disse que, na verdade, seus levantamentos haviam identificado o contrário: um possível voto envergonhado em Lula, explicável pelo medo de sofrer violência ou por ser associado aos escândalos de corrupção atribuídos ao PT.
Outros institutos de pesquisa, como Ipec e Datafolha, disseram não ter identificado evidências de subnotificação, mas já adiantavam que só depois das eleições seria possível ter certeza se a "espiral do silêncio" de fato aconteceria ou não.
Alta abstenção
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontou que a abstenção no último domingo foi de 20,9%, ou seja, 32 milhões de brasileiros aptos a votar não compareceram às urnas.
É uma porcentagem parecida à de 2018 (de 20,3%), mas ainda assim a maior das últimas duas décadas em pleitos presidenciais.
Mesmo antes do dia 2, analistas apontavam que a abstenção tendia a prejudicar Lula, porque se manifesta mais entre camadas onde o petista tem mais intenções de voto - por exemplo, entre o eleitorado de baixa renda e baixa escolaridade.
Fonte: CNN Brasil.