Se
há uma década afirmassem que, em 2021, teríamos, ao mesmo tempo, três países
diferentes com missões espaciais de alta tecnologia para investigação e com
comunicação em Marte (sendo dois países com robôs em solo), talvez fosse
difícil de acreditar. Isso porque em 2011, após várias missões ao planeta
vermelho, ainda estávamos prestes a lançar a sonda Curiosity pela Agência
Espacial Americana (Nasa). Até então, era a tecnologia mais inovadora para
exploração do planeta, que só chegou a pousar em Marte em agosto de 2012. Foi
em 2011 também que a Nasa divulgou as primeiras imagens que sugeriam que já
existiu água no passado do planeta, a partir do que pareciam rastros da
substância em um terreno rochoso.
Uma
década depois, assistimos, em tempo real, à atuação de Estados Unidos, China e
Emirados Árabes Unidos em missões simultâneas no planeta vizinho. Enquanto
Estados Unidos e China se debruçam sobre a investigação de um passado vivo de
Marte, a partir de vestígios deixados pela água, os Emirados Árabes concentram
seus esforços na pesquisa sobre a atmosfera do planeta.
Além
destes três países, até hoje apenas a Índia, a antiga União Soviética e a
Agência Espacial Europeia enviaram missões ao planeta. O momento atual é
considerado uma ''era de ouro dos experimentos astronômicos'', define Larissa
Santos, pesquisadora e professora no Centro de Gravitação e Cosmologia na
Universidade de Yangzhou, na China.
A
astrofísica e cosmóloga brasiliense foi selecionada, há seis anos, para atuar
na Universidade de Ciência e Tecnologia da China, após se formar em física pela
Universidade de Brasília (UnB) e passar por especializações no Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São Paulo, e na Universidade de
Roma, na Itália.
Ela
destaca que, neste momento da conquista espacial, em que Estados Unidos, China
e Emirados Árabes estão ao mesmo tempo explorando Marte, há chance de
encontrarmos respostas para questões antigas. “O Perseverance da Nasa é o
primeiro robô que realmente procura por evidências de vida microbiana no
passado de Marte, devido ao local onde ele pousou (a cratera Jezero), onde
vemos a presença de minerais que só podem ser formados na presença de água”,
diz.
Além
do Perseverance, que pousou em Marte em 18 de fevereiro, Larissa ressalta a
bem-sucedida missão chinesa, a Tianwen-1, que entrou em órbita em fevereiro e
pousou, com sucesso, o rover Zhurong, em 14 de maio. A China é o segundo a
pousar um robô, com sucesso, em Marte. ''E claro que a gente não pode deixar de
falar da missão histórica dos Emirados Árabes Unidos'', diz a brasileira, sobre
a chegada ao planeta, em 9 de fevereiro, da sonda Hope, para investigar as
condições atmosféricas marcianas.
Marte
é uma das apostas para vestígios de vida
Ainda
nesta década, a cosmóloga adianta mais expectativa em torno de uma missão em
parceria da Nasa com a Agência Espacial Europeia para buscar as coletas feitas
pelo Perseverance. ''Se encontrássemos vida fora da Terra, seria a descoberta
mais importante para a ciência, na minha opinião. Por ter tido água no passado,
Marte é uma das maiores apostas de onde achar vestígios de vida. Estamos
exatamente buscando estas evidências com os robôs que estão na superfície'',
explica.
Ainda
sobre a ascensão das pesquisas em 2021, Larissa ressalta outro marco da ciência
mundial, com o lançamento do telescópio James Webb, previsto para outubro deste
ano. O equipamento deve captar imagens das estruturas mais antigas do universo.
Outro
projeto, do qual ela faz parte, é o do telescópio Ali, em construção pela China
no Himalaia. O Ali também quer investigar o universo primitivo, pesquisando a
chamada de radiação cósmica de fundo. ''Estes dados podem nos revelar
informações sobre os instantes iniciais do universo'', diz.
E
esta não é a única frente de trabalho de Larissa no que diz respeito ao estudo
dos segredos do universo. Ela faz parte de uma iniciativa que envolve um dos
maiores mistérios da cosmologia moderna: a energia escura, que corresponde a
70% do universo. Ela é objeto de pesquisa do Bingo (da sigla em inglês para
Baryon Acoustic Oscilations in Neutral Gas Observations), uma espécie de
observatório que tem parceria do Brasil, Reino Unido, Suíça, Uruguai, França,
África do Sul e China, país que a pesquisadora representa.
''O
que a gente espera é poder revelar um pouco mais sobre a energia escura. A
gente não sabe o que ela é, somente o que ela provoca: uma expansão acelerada
do Universo. Ou seja, as galáxias estariam se afastando cada vez mais rápido
umas das outras, e isso nos encaminha para uma morte tragicamente fria'', diz.
Nos
últimos tempos, a brasileira dedica-se também à divulgação científica nas redes
sociais, onde repercute as principais pautas astronômicas. Segundo ela, o
desafio desta jornada é adequar ''assuntos mais complexos em uma roupagem mais
popular, mas sem simplificar demais''. Larissa é autora do livro Universo
Escuro, finalista do Prêmio Jabuti 2017, e que pode ser baixado, de graça, na
página pessoal da pesquisadora na internet.
Agência Brasil