"Se nada for feito urgentemente, vamos entrar em um colapso geral do sistema de saúde”. O alerta é da virologista, epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Caroline Gurgel. A especialista expõe a gravidade do atual cenário pandêmico em todo o Estado do Ceará e externa a necessidade de adoção de medidas “drásticas e mais duras” pelos municípios.
A Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) comunga do mesmo pensamento e, ontem (25), emitiu recomendação para que 170 das 184 cidades cearenses adotassem medidas mais restritivas com o objetivo de conter a disseminação do coronavírus.
Essas ações envolvem, dentre outros pontos, o fechamento de espaços públicos e serviços não essenciais, o controle de entrada e saída através de barreiras sanitárias e suspensão de eventos sociais. Mombaça, no Sertão Central, e Santa Quitéria, no Norte do Estado, foram além e decretaram na quarta e quinta-feira, respectivamente, lockdown.
Esse número, no entanto, pode crescer nos próximos dias. Hoje (26), dez prefeitos do Consórcio Público de Saúde do Sertão Central se reúnem para “discutir meios que possam ser usados de forma coletiva para fortalecer a luta contra a pandemia”, conforme pontuou o gestor de Quixadá, Ricardo Silveira. Participam os prefeitos de Banabuiú, Choró, Ibaretama, Ibicuitinga, Milhã, Quixeramobim, Senador Pompeu, Pedra Branca, Solonópole e Quixadá.
Essa união entre cidades limítrofes é aprovada pelo vice-presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Zé Hélder. Ele defende que os municípios “aguardem decisão do Governo estadual, mas em casos de adoção de medidas rígidas – por iniciativa própria – devem ser feitas em âmbito microrregional e em conjunto, tendo a Polícia Militar para fiscalizar. Caso contrário não vai surtir efeito”. A Aprece está realizando levantamento de quais gestores estão inclinados a adotar semelhante medida de Mombaça e Santa Quitéria.
Descentralização
Caroline Gurgel considera válida a estratégia de o Governo do Estado facultar aos municípios as decisões a serem adotadas individualmente. Em sua concepção, “cada cidade tem realidade distinta e, por isso, é mais fácil cuidar de forma particular, ao invés de unificar todos em uma só decisão”.
Esse poder de deliberação dos gestores, no entanto, não pode ser encarado como um artifício para relaxar as medidas.
“Pelo
contrário, tem que ser feito algo e de forma urgente. Os municípios conhecem a
realidade própria e devem se valer disso para adotar as melhores estratégias
para frear a circulação de pessoas e, assim, reduzir o contágio do vírus. Os
gestores municipais têm que entender a importância desse protagonismo. Eles têm
que sentir a responsabilidade, não ficando apenas a cargo do Governo do
Estado”, afirma Caroline.
O vice-presidente da Aprece complementa que o relaxamento das medidas neste atual cenário pode ser devastador. Helder rememora que “o quadro no interior cearense se agravou no momento em que a população, em particular os mais jovens, relaxaram as medidas de prevenção”.
Para Gurgel, essa postura tem que ser revista, não havendo mais espaço para “erros”. “As segundas ondas são sempre mais fortes e isso de certa forma é um reflexo da indisposição das pessoas em acreditarem na gravidade e letalidade do vírus. Entre a primeira e segunda onda, há uma queda de casos e mortes. Então as pessoas relaxam e começam a sair de suas casas, elas passam a ser mais reticentes quanto às medidas restritivas. E isso pode ser fatal. Com mais gente circulando, mais a doença se espalha. No caso do novo coronavírus, há ainda um agravante: as novas cepas se mostram com a transmissibilidade mais alta e os infectados têm quadros mais graves”, alerta.
Maior
rigor
É consensual entre especialistas que a única forma de conter o coronavírus se dá através da aplicação e cumprimento das medidas sanitárias. Este é o ponto nevrálgico da pandemia e, portanto, o mais complexo de ser executado.
“Sabemos
que muitos estão sem renda e tantos outros são impactados pelo fechamento ou
restrição do comércio. Mas não há outra saída. Se nada for feito, em breve, os
profissionais médicos vão ter que escolher quem vai viver e quem vai morrer.
Não teremos capacidade de atender todo mundo. Em duas semanas, podemos ter que
lamentar um grande número de óbitos”, considera epidemiologista.
A viabilidade dessas ações passa, também, e sobretudo, pelo fornecimento de garantias econômicas por parte do Governo. “Não se pode apenas esperar que a população, principalmente a mais pobre, fique em casa. Ela pensa: ‘saio para trabalhar e me arrisco a ser contaminado ou fico em casa e não tenho dinheiro para alimentar minha família?’. A conscientização nem sempre vai prevalecer. É fundamental garantir apoio, como foi na primeira onda, com o pagamento do auxílio”.
Municípios
Após a recomendação da Sesa, muitos municípios começaram a se articular para contemplar a lista de medidas mais restritivas que lhes foram sugeridas. Em Juazeiro do Norte, maior cidade do interior cearense, a secretária da Saúde, Francimones Rolim Albuquerque, garantiu que, “de todas as recomendações feitas, apenas a implantação de barreiras não está em vigor”. A titular da Pasta diz que o município criou um grupo de estudo que monitora, semanalmente, o avanço da doença e produz relatórios que embasam as decisões. “Ainda não identificamos a necessidade de barreiras sanitárias, nem decretar lockdown”, diz.
Casos
graves
Juazeiro tem hoje média de 26 novos casos por dia. No pico da doença, em junho do ano passado este número chegou a 300. “O diferencial hoje são os casos mais graves. Os pacientes apresentam agravamento mais cedo e isso acaba levando mais tempo de internação na UTI. Antes a média era de 10 dias por paciente, hoje já estamos em 14”, reflete.
Em Quixadá, principal cidade do Sertão Central, a Secretaria da Saúde disse que já implantou “ações para diminuir contatos na sociedade, como fechamento de espaços públicos, serviços não essenciais; instalou barreiras sanitárias; cancelou eventos; realiza fiscalização diariamente para, dentre outras questões, averiguar o uso de máscaras”.
Na cidade de Iguatu, cidade-polo da região Centro-Sul, o assessor técnico da Secretaria da Saúde, Rafael Rufino, detalhou que dentre as novas ações, está “a ampla divulgação nas mídias digitais e emissoras de rádio sobre os cuidados básicos de prevenção contra o coronavírus”. Ele antecipou ainda que o município intensificou a compra de medicamentos e insumos para reforçar o Hospital Regional de Iguatu, que atualmente tem ocupação de 90% – só um leito de UTI está disponível.
Assim como o encontro que vai ser realizado nesta sexta-feira pelo Consórcio Público de Saúde do Sertão Central, também está previsto uma outra reunião, desta vez entre os gestores do Centro-Sul do Estado. “Vamos nos reunir hoje com o comitê local e um plano de ação será definido”, pontuou o prefeito de Iguatu, Ednaldo Lavor. O intuito é traçar estratégias uniformes para o combate ao coronavírus.
Diário do Nordeste