A CNN teve acesso aos
depoimentos dos quatro ex-integrantes de um seminário de padres, em Belém, que
dizem ter sido abusados sexualmente pela maior autoridade religiosa da capital
do estado do Pará, o arcebispo Dom Alberto Taveira Corrêa.
Nos relatos dos ex-seminaristas, um mesmo "modus
operandi" de abordagem de um predador sexual teria se repetido, pelo
menos, entre os anos de 2010 e 2014, quando eles tinham entre 15 e 20 anos.
Nas
declarações dadas às autoridades, os jovens relatam terem sido orientados a
procurar Dom Alberto e incentivados por ele a terem acompanhamentos
particulares, na casa do religioso.
Eles
dizem que as conversas abordavam relacionamentos, estudos e virgindade. Quando
chegava na questão vocacional, os questionamentos abordavam masturbação e
sexualidade.
Todos
os ex-seminaristas dizem ter recebido o mesmo livro, chamado ‘A Batalha pela
Normalidade Sexual’, do psicólogo holandês Gerard Aardweg, que continha um
questionário e mais duas perguntas adicionadas pelo arcebispo sobre o tamanho
do órgão sexual dos jovens. Um dos denunciantes diz que o religioso chegou a
tentar ter relações sexuais com ele.
Abaixo,
alguns trechos dos depoimentos.
“O
arcebispo Dom Alberto colocava a mão sobre sua genitália massageando-a,
amassando-a e dizendo que estava realizando uma oração ao Espírito Santo para
que o declarante permanecesse casto e pudesse evitar qualquer iniciativa de
masturbação”.
“Como
eu não consegui ter ereção, ele reagiu com furor, desferindo uma bofetada em
meu rosto e disse: ‘Você é um incompetente’ (...) Passado esse momento, ele
respirou e como se nada tivesse acontecido, rezou por mim, estando nós dois
completamente despidos ainda, dizendo: ‘Em nome de Jesus Cristo, eu te curo de
todo e qualquer desejo homossexual’, o que me causou grande repulsa”.
“Em
certo momento, o Cardeal chamou o declarante para uma conversa. Foi então que o
arcebispo Dom Alberto segurou com força no braço do declarante e disse que era
para o declarante tomar cuidado com o que ia dizer, pois a corda arrebentaria
para o lado mais fraco, o que intimidou o declarante e o fez calar-se diante do
Cardeal”.
“O
arcebispo enviava uma mensagem perguntando ao declarante o horário que poderia
subir no quarto do arcebispo, pois o declarante ficava sempre no quarto do
subsolo, que isso acontecia sempre quando os bispos auxiliares já haviam se
recolhido, que essas conversas duraram todo o tempo em que permaneceu no
seminário”.
“Tudo
que eu acreditava na autoridade da Igreja, nos testemunhos dos bispos, caiu por
terra, e eu fiquei sem saber no que tinha acreditado durante toda a minha vida
de igreja. Ao final, fui advertido de que tinha 30 dias para ler o livro e
responder ao questionário, dias que foram para mim de grande medo e pressão
psicológica”.
Processo
na justiça contra Dom Alberto
Procurada
pela reportagem, a advogada dos denunciantes, Luana Tomaz, explica que o que
eles buscam é que haja uma responsabilização e que esse tipo de prática não se
perpetue. Ela ressalta que não é um processo contra a instituição da Igreja.
“É
um processo contra uma pessoa que, exercendo uma função religiosa, acabou
cometendo abusos sexuais. As vítimas acreditam que, com a coragem que eles
tiveram de denunciar, outras vítimas possam também se manifestar e buscar apoio
para que seja desnudada essa situação. São pessoas religiosas que mantêm a sua
fé cristã, mas que compreendem que a Igreja não pode acobertar de forma alguma
nenhuma forma de abuso sexual”, disse.
Luana
ressalta que os ex-seminaristas não se conheciam, que eram de seminários
distintos e de anos diferentes e que, primeiramente, procuraram a própria
igreja para que tomassem providência sobre as denúncias, mas que, diante da
demora, procuraram as autoridades públicas.
No
início de dezembro do ano passado, poucos dias antes de as denúncias serem
divulgadas pelo site El País, Dom Alberto se pronunciou sobre os supostos
abusos.
“Digo
a vocês que recebi com tristeza há poucos dias a notícia da existência de
procedimentos investigativos com graves acusações contra mim, sem que eu tenha
previamente questionado ou tido qualquer oportunidade para esclarecer os fatos
das acusações”.
O
Ministério Público do estado do Pará disse que as denúncias foram distribuídas
aos promotores de Justiça, que aguardam a conclusão do inquérito policial.
A
Arquidiocese de Belém ressaltou que, antes da divulgação das denúncias, o
arcebispo já havia se pronunciado.
A
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil afirmou, em nota, que espera que os
fatos sejam esclarecidos.
"A
CNBB não foi oficialmente informada sobre os fatos mencionados em sua consulta.
Ela tem conhecimento da carta do arcebispo de Belém, dom Alberto Taveira
Corrêa, dirigida ao clero daquela arquidiocese e também do vídeo que ele dirige
ao povo de Deus. Nestes dois pronunciamentos o arcebispo explica, claramente,
que processos estão em curso. Na Igreja, há instâncias competentes para receber
e averiguar denúncias, segundo os protocolos estabelecidos pela Santa Sé,
válidos para a Igreja no mundo inteiro, em base à verdade e à justiça. Essa não
é uma atribuição das Conferências Episcopais. A CNBB espera que os fatos sejam
apurados pelas autoridades civis e religiosas competentes. Que tudo seja
esclarecido, para o bem de todos."
Nota
da Arquidiocese de Belém
"Tanto a
Arquidiocese de Belém, quanto o senhor Arcebispo, respeitam o inquérito em
curso, que exige sigilo, o que nos impossibilita de dispor mais informações e
qualquer pronunciamento no momento.
No dia 05 de dezembro
em seu pronunciamento o Arcebispo disse:
'Confio na Justiça
Brasileira para o esclarecimento dessas falsas imputações, que atacam não só a
minha honra, mas prejudicam também aqueles que sempre lutaram fiel e ativamente
pela fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo. Reforço estar totalmente
disponível às autoridades, tanto as eclesiásticas como as civis, para que a
realidade seja restabelecida integralmente.'"
(Com informações de André Rigue e Giovanna Bronze)