O
distanciamento físico é sabidamente uma das formas de prevenir a transmissão do
novo coronavírus. Deixar de abraçar parentes, amigos, evitar aglomerações e
abraços são regras sanitárias impostas pela pandemia – mas difíceis de serem
cumpridas por famílias apartadas pela distância geográfica. Os reencontros têm
sido diários no Aeroporto Internacional de Fortaleza, que teve cerca de 11.500
voos cancelados entre abril e junho deste ano.
Um
deles foi o de Maria Lucinda Alves, 49, que viajou no início do ano para
visitar um irmão, no interior do Piauí, e teve a volta impedida pelo novo
coronavírus. “Eu ia passar muito menos de seis meses, mas quando cheguei lá,
começou essa pandemia. Me isolei total. Dia 9 agora, ia voltar, e cancelaram
meu voo sem dizer o porquê. E eu tava doida pra ver minha princesa, que eu tava
com muita saudade!”, sorri à neta, Yara, de 4 anos.
A
dicção ainda imatura não impediu a pequena de revelar o que mais queria fazer
com a avó, após seis meses de distância e saúde: “abaçá”.
Durante
a viagem, Lucinda “não ia nem na casa da vizinha”, rotina que alimentou ainda
mais a falta de casa. “A distância é uma coisa que faz a gente sofrer muito,
ainda mais sem poder voltar. Agora, vou ficar em casa, só saio pra ir ao
médico. Mas mora todo mundo junto e misturado, vamos ficar perto”, comemora,
abraçada também pela filha, Francineide Alves, 32.
“Foi
bastante emoção ver ela de novo. A gente tava com muito medo da viagem não dar
certo de novo. Mas graças a Deus que deu tudo certo, e estamos aqui novamente,
pra matar a saudade juntas. Conseguimos abraçar, apesar do coronavírus, mas
tudo bem. Hoje tá permitido, né? Seis meses longe da mãe é muito tempo, foi o maior
período que a gente já passou”, calcula.
Cerca
de 11.500 voos de Fortaleza, entre chegadas e partidas, foram cancelados entre
abril e junho, segundo dados da Fraport. A companhia frisa que “não é possível
afirmar que foram em razão da Covid-19, já que cancelamentos são comuns no
setor”, mas um levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (CNC) já havia apontado que no dia 28 de março deste ano,
por exemplo, 95% das operações foram canceladas devido à crise sanitária.
Retorno adiado
A
falta de voos para Fortaleza adiou também os planos de Vitória Araújo, 18, de
rever as amigas e a parte da família que ficou no Ceará, quando ela se mudou
para Santa Catarina. A viagem estava programada para abril, justamente quando a
pandemia avançou de forma veloz por todos os estados. “Por conta da pandemia,
perdi meu trabalho lá em Santa Catarina, porque parou tudo. Aí fiquei sempre em
casa, me cuidando, até que consegui vir”, relata.
A
chegada era aguardada com ansiedade por Bruna Rafaela, 18, que foi buscar a
amiga no aeroporto. Ao reconhecer o dela entre os tantos rostos no abre-e-fecha
da porta automática do desembarque, a corrida ao abraço foi rápida.
“Fazia
dois anos que a gente não se via, e sempre fomos muito amigas. Um dia, ela mandou
mensagem ‘daqui a uns dias, tô chegando’. Depois, ‘não vai dar, não tem mais
voo’. Foi muito difícil”, relata.
Apesar da “decepção”, Bruna “entendeu o momento” mais do que ninguém: por trabalhar em uma unidade de saúde, a estudante contraiu o novo coronavírus ao final de abril, ficando em tratamento domiciliar por oito dias, “com muito cansaço e muita febre”. Hoje, consta entre os mais de 110 mil cearenses recuperados da doença. “Fiquei muito decepcionada quando a Vitória adiou a vinda, mas sei que foi melhor. Naquele momento, era mais seguro pra ela e pra família. Não sabemos o que teria acontecido se ela estivesse no Ceará naquele período”, reconhece.
De volta ao lar
Estar
no Ceará, por outro lado, era o que Ana Avelar, 56, mais queria, quando a
Covid-19 invadiu o Rio de Janeiro, o segundo estado mais infectado do Brasil. A
cidade maravilhosa havia se tornado casa para ela desde 2007, quando a personal
organizer se mudou. Treze anos depois, voltou: a saudade e a pandemia a
trouxeram.
“Tudo
ficou muito mais difícil lá, resolvi voltar pra ficar junto de toda a família,
ficar perto de novo. O isolamento lá foi bem difícil, pelo medo de ficar
doente, de pegar esse vírus louco. Tive medo até de morrer sozinha. Aqui, tô
acolhida, com a família. Mesmo se ficasse doente e precisasse ir ao hospital,
sei que tem gente do meu sangue que me ama ao meu lado”, confortou-se Ana,
envolvida pelo abraço dos netos e da filha, que a receberam com flores no
desembarque em Fortaleza.
A família se encontrava com frequência, todos os anos, no Rio e em Fortaleza, mas já estava há sete meses sem visitas, devido às restrições da pandemia. Para a nutricionista Juliana Avelar, 56, filha de Ana, o fim da espera pelo retorno da mãe à casa e aos abraços encerra, também, dois sentimentos: preocupação e saudade.
“Ela
morava sozinha lá, e a gente ficava aqui muito preocupada. A sensação de tê-la
aqui de novo é muito boa. É bom demais estar com a mãe perto, principalmente
agora”, declara a filha.
G1 CEARÁ