O transporte intermunicipal de passageiros no Ceará
está autorizado a retornar a partir de sexta-feira (10), segundo decreto
publicado pelo Governo do Estado no último sábado (4). A medida integra a Fase 3 de retomada das atividades. Especialistas e secretários de saúde, porém, apontam
risco de aumento da circulação do novo coronavírus entre Fortaleza e o interior
cearense.
A
taxa de transmissão (RT) de Covid-19 permanece média ou alta em 181 dos 184
municípios do Ceará, conforme dados do Integra SUS, da Secretaria da Saúde
(Sesa), atualizados até 6 de julho. As maiores RTs são observadas nas regiões
do Litoral Leste/Jaguaribe, do Cariri e do Sertão Central.
O
retorno das viagens pode acelerar o chamado “efeito bumerangue”, risco
identificado pelo Comitê Científico de Combate ao Coronavírus no Nordeste, em
boletim divulgado neste mês. Sérgio Rezende, um dos coordenadores do grupo,
aponta que foi justamente “pelas estradas do estado” que o vírus chegou ao
interior. “Pessoas nos municípios menores adoecem, não têm um sistema de saúde
tão bom, voltam às capitais e fazem com que casos e mortes aumentem de novo”,
analisa.
Medidas
de segurança
O
reforço das equipes de saúde e instalações hospitalares, a implantação de
barreiras sanitárias nas estradas e o decreto de lockdown em municípios com
situações mais críticas são medidas sugeridas pelo Comitê.
Quanto
ao transporte intermunicipal, Sérgio Rezende indica que “os ônibus limitem o
número de passageiros”, e que “todos sejam obrigados a usar máscaras”. Além
disso, “oferecer álcool em gel na entrada dos transportes” deve ser cuidado
complementar para evitar a disseminação da Covid-19.
Newton
Fialho, gerente da Socicam, empresa que administra o Terminal Rodoviário
Engenheiro João Tomé, maior de Fortaleza, afirma que um plano de biossegurança
é adotado desde o início da pandemia nos espaços do equipamento, com instalação
de pias, totens de álcool em gel e intensificação da limpeza.
As
medidas sanitárias no interior dos veículos de transporte coletivo, contudo,
cabem a cada uma das empresas. “Elas adotarão protocolos individuais, conforme
as regras de reabertura, e a fiscalização caberá aos órgãos estaduais. Se os
passageiros tiverem consciência, o retorno será tranquilo”, pontua.
O G1 procurou três das principais empresas de
transporte rodoviário intermunicipal e interestadual de passageiros que atuam
no Ceará, a fim de saber que medidas de segurança sanitária serão tomadas. Uma
delas afirmou que “não irá se pronunciar no momento”. Outras duas não atenderam
as ligações.
Movimentação
A
movimentação de passageiros na Rodoviária de Fortaleza está até 97% abaixo da
registrada em períodos normais, quadro que, para Newton Fialho, não será revertido
“da noite pro dia”. “Não existe uma demanda represada de passageiros pra
viagens. Mesmo com a liberação do transporte interestadual, a demanda ainda é
muito baixa. Com o intermunicipal, dia 10, não será diferente, deve chegar a
cerca de 10% do normal. Isso não vai voltar aos patamares regulares até o fim
do ano”, projeta.
O
terminal registrava até 406 partidas de ônibus por dia, antes de a pandemia
chegar ao Ceará, em março. Do total, 343 viagens tinham como destino outros
municípios cearenses, e 63 partiam para outros estados. Desde março, o cenário
mudou: atualmente, a média diária é de 13 partidas, todas interestaduais.
Precauções
A
gerente de produto Ticiana Romcy, 41, viajava de ônibus, a cada dez dias, de
Fortaleza a cidades do interior, para atividades de trabalho. A rotina foi
quebrada pela pandemia, e mesmo com a volta do transporte intermunicipal, não
deve retornar ao “normal”. “Ônibus é um lugar de contato com muitas pessoas, de
tocar nas coisas. O que me deixaria mais segura é se as poltronas fossem
individualizadas, pra tentar manter a distância, e fossem exigidos a máscara e
o álcool em gel. Mas ainda assim não me sinto 100% segura, até porque moro com
meus pais”, relata.
O
governador do Ceará, Camilo Santana, alertou, durante anúncio do novo decreto
de retomada das atividades, que as viagens devem seguir “rigoroso protocolo
sanitário”.
Hélio
Leitão, presidente da Agência Reguladora do Ceará (Arce), responsável por
fiscalizar o sistema de transporte intermunicipal de passageiros, as vistorias
“serão intensificadas, principalmente nos embarques e no decorrer do trajeto”.
Empresas de ônibus e terminais rodoviários que descumprirem as determinações do
decreto estadual estarão sujeitos a multa e, em “casos mais drásticos”,
proibição de funcionamento.
A
Arce vai verificar pontos previstos no decreto estadual, como medição da
temperatura dos passageiros antes do embarque, proibindo a viagem de quem
estiver com temperatura igual ou superior 37,8°C; uso obrigatório de máscaras
de proteção por passageiros e funcionários por toda a viagem; limpeza e
desinfecção obrigatórias dos veículos antes e ao término de cada viagem;
priorização da venda de passagens por meios digitais; vedação ao transporte de
pessoas em pé no veículo; e garantia do distanciamento mínimo de dois metros
nos terminais.
Para a presidenta do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems/CE), Sayonara Cidade, a liberação das viagens intermunicipais é “precipitada”. “Não era o momento, porque estamos vendo um aumento de casos na Região do Cariri, e uma taxa muito alta na Região Norte. Vejo isso com preocupação. Não teremos mais como controlar o fluxo de passageiros. É um risco grande”, avalia.
O
retorno do transporte coletivo entre cidades, segundo ela, deveria ser
considerado, no mínimo, “daqui a duas semanas”, ou adiado “pelo menos para a
Região do Cariri”. Sobre a possibilidade de colapso da rede de saúde pública no
interior, Sayonara garante que esta “não é uma preocupação”. “Em todo o
interior, houve crescimento de leitos, sobretudo de UTI”.
A
Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), através de nota, explicou que, “desde o
princípio do processo de reabertura, vem acompanhando de perto os dados
epidemiológicos da pandemia em todos os municípios e regiões do Estado, a fim
de respaldar as decisões de Governo”.
Covid-19
no Ceará
Os casos confirmados da Covid-19 nos municípios cearenses
somam 126.142, com 6.563 mortes, segundo dados da plataforma IntegraSUS,
atualizada às 17h34 desta terça-feira (7). O total de pacientes recuperados
chega a 99.249.
O
IntegraSUS aponta ainda que outros 68.713 casos suspeitos do novo coronavírus
estão em investigação, à espera do resultado dos testes. Ao todo, o Estado já
realizou 318.892 exames para detectar a doença. O número de mortes suspeitas
pela Covid-19 é de 599.
Fortaleza
é a cidade que lidera os índices do novo coronavírus e contabiliza 37.338
diagnósticos positivos e 3.398 mortes em decorrência da infecção. Nesta
segunda-feira (6), a capital iniciou a fase 3 do plano de reabertura econômica do
Governo do Estado.
Sobral,
na Região Norte, é a segunda cidade com os maiores índices do coronavírus no
Ceará. O município contabiliza 7.621 casos confirmados e 249 óbitos por
complicações da doença. De acordo com um estudo da Universidade Federal de
Pelotas, a cidade tem a maior incidência de contaminados pelo novo
coronavírus no Brasil.
Cidades
como Juazeiro do Norte, Barbalha, Crato, Brejo Santo, Tianguá e Iguatu também
estão em isolamento rígido. Na Região do Cariri, Juazeiro do Norte já confirmou
2.757 casos e 124 mortes. Sobral está em lockdown desde 1° de junho, na tentativa de diminuir
a disseminação da doença.
G1 CEARÁ