Com
a pandemia da Covid-19, uma ampliação e regionalização da estrutura de saúde de
alta complexidade — demanda do sistema público há décadas — foi observada em
tempo recorde no Ceará. O número de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) no
Interior mais do que triplicou. Saindo de 179 para 590 leitos. O Estado detinha
745 leitos do tipo, chegando a 1.706 cerca de três meses e meio depois do
início dos registros da infecção em Fortaleza. Apesar de permitir melhor
estruturação, o momento pós-pandemia apresentará um desafio no que se refere a
manutenção dos equipamentos e profissionais considerando as unidades que
continuarão no sistema, visto que são de alto custo.
O
aumento dos leitos de terapia intensiva, contudo, ainda não dá margem para
tranquilidade. A infecção avança duas vezes mais rápido no Interior do que na
Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), segundo boletim do Comitê Científico
de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste. O Ceará registra 118.311 casos
e 6.373 mortes pela doença, segundo atualização feita às 17h56min de ontem, 3,
na plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Das
confirmações, 70% são fora de Fortaleza.
A
expansão dos leitos "fez com que cidades que tradicionalmente não tinham
UTI, como Itapipoca, Tianguá, Crateús, Tauá, Iguatu, Limoeiro e Icó tivessem
leitos que vão servir para o 'pós-Covid'", frisa Dr. Cabeto, titular da
Sesa. "O Ceará executa o planejamento de instituir salas de estabilização
com ventiladores do Estado. Significa que está no plano que todos os 184
municípios disponham de salas para atendimento de doentes graves para que o
Samu possa chegar e executar a transferência", afirma. Foram criados 2.833
mil novos leitos para o atendimento a pacientes com Covid-19, sendo 961 de UTI
(550 na região de Fortaleza e 411 nas outras quatro regiões) e 1.872 de
enfermaria.
Há
uma desigualdade histórica nos serviços assistenciais no Brasil representada
pela distribuição dos leitos de UTI. A disparidade é observada de três formas:
entre serviço público e privado; a partir das diferenças econômicas das
regiões; entre capitais e cidades do Interior, salienta Carmem Leitão,
professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do
Ceará (UFC) e coordenadora do Observatório de Políticas Públicas de Saúde
(OPP-Saúde/UFC).
O
movimento de ampliação "inédito" foi ao encontro da necessidade que o
Estado tinha há vários anos e aconteceu conforme a lógica da regionalização,
avalia Jurandi Frutuoso, secretário executivo do Conselho Nacional dos
Secretários de Saúde (Conass) e ex-secretário da Saúde do Ceará. "O grande
desafio será como manter os leitos como ampliação do SUS permanentemente. O
credenciamento dos leitos foi feito para a pandemia. O Ministério (da Saúde)
vai abrir outro tipo de negociação e reconhecer a ampliação nos municípios onde
se deu obedecendo a lógica do planejamento bem feito. Se sustenta o argumento
de cobrar do ministério ajuda esse custeio pós- pandemia", analisa.
Maior
que o custo de instalação, é o custo de manutenção dos equipamentos e
profissionais, o valor agregado, aponta Helyn Thami, pesquisadora do Instituto
de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e integrante da plataforma CoronaCidades.
"Como estamos em um momento de pandemia, alguns serão desinstalados e não
seria um problema. Em alguma medida é possível manter essa estrutura sem
problemas quanto à manutenção. O que não pode é fazer essa escolha sem fazer um
diagnóstico da demanda. Uma boa forma de avaliar as filas de espera para
procedimentos para saber o quanto da estrutura deve ser mantida", analisa.
Helyn destaca que o processo requer diálogo interfederativo e fluxos de
regulação conjuntos para diagnosticar onde estão os gargalos e qual seria a
realocação mais útil desse estrutura.
"É
preciso que toda a equipe interdisciplinar esteja apta para atuar nesse tipo de
serviço. Um desafio não menor é a questão da atração e fixação de profissionais
especializados no interior do estado. Este problema ainda é persistente e
explicado por diversos fatores. Uma UTI não está isolada de outros setores de
um hospital. Precisa dialogar com o pessoal da cirurgia, dos exames, da
emergência", frisa a professora Carmem Leitão.
"Além dos leitos de UTI, ampliamos a quantidade de
respiradores. Muitos municípios estratégicos receberam respiradores para
apoiar, para que a equipe tivesse segurança de intubar o paciente e esperar o
leito de UTI", acrescenta Sayonara Cidade, presidente do Conselho das Secretarias
Municipais da Saúde do Ceará (Cosems/CE). Dentre os critérios que devem ser
avaliados para a quantidade de leitos que deve permanecer estão a equipe,
especialidades, serviço de apoio ao diagnóstico, porte do hospital.
O POVO