Segundo
especialistas, o porcentual reflete as precariedades do sistema de saúde do
país e, eventualmente, o uso indiscriminado de medicamentos sem benefícios
comprovados cientificamente, como a cloroquina.
A
conclusão é de um levantamento do projeto UTIs Brasileiras, da Associação de
Medicina Intensiva Brasileira (Amib) e do Epimed – uma ferramenta de análise de
dados e desempenho hospitalar. A coleta de informações foi feita entre os dias
1º de março e 15 de maio em 450 hospitais em todo o Brasil, envolvendo 13.600
leitos de terapia intensiva, o que equivale a cerca de um terço das vagas para
adultos nessas unidades.
Os
pacientes mais graves são aqueles que estão internados em uma unidade de
terapia intensiva e demandam apoio de ventilação mecânica para continuar
respirando. Por isso, a mortalidade desses doentes é forçosamente alta em
qualquer lugar do mundo. No Reino Unido, por exemplo, é de 42%, e, na Holanda,
chega a 44%. Um outro estudo, restrito à cidade de Nova York, revelou um
porcentual ainda mais alto, de 88%.
"A
mortalidade geral na UTI é de 21%, entretanto, entre a população de pacientes
mais graves, chega a 66%", compara o coordenador do projeto UTIs
Brasileiras, o médico intensivista Ederlon Rezende. "Ou seja, de cada três
pacientes que vão para a ventilação mecânica, apenas um sobrevive. Essa doença
não é uma gripezinha."
O
também médico intensivista Jorge Salluh, pesquisador do IDOR e fundador da
Epimed Solutions, concorda com o colega e especula sobre as razões da
mortalidade tão alta. "Este porcentual é muito alto para qualquer doença,
qualquer estatística, é um número assustador", diz.
"Eu
não tenho esses dados, é uma inferência, mas o que parece é que estamos
esquecendo de medidas de prevenção adotadas nas UTIs. O uso de tratamentos experimentais,
como a cloroquina e outras substâncias, todas igualmente com poucas evidências,
podem ser um fator. Intervenções farmacológicas não comprovadas aumentam o
risco de morte por efeitos colaterais", comenta.
Os
dados das UTIs são levantados a partir de questionários respondidos diariamente
sobre os pacientes (como sexo e idade) e os procedimentos adotados. Os
medicamentos ministrados não constam do levantamento. "Pessoalmente, acho
que o uso da hidroxicloroquina tem prejudicado nossos pacientes, principalmente
aqueles que evoluem com a forma grave da doença e vão para as UTIs",
afirmou Rezende. "Mas estes dados não nos permitem afirmar isto",
completa.
A
infectologista da Unicamp Raquel Stucchi tem opinião semelhante. "Pelos
estudos com pacientes graves já publicados, sabemos que a cloroquina aumenta o
risco de efeitos adversos e morte. Mas não dá para inferir isso para o Brasil
enquanto não soubermos quem usou e quem não usou a droga."
Curiosamente,
essa mortalidade é similar nas unidades privadas (65%) e públicas (69%). Uma
das razões pode vir do próprio perfil do universo pesquisado. Foram 322
hospitais privados e 128 públicos. Os especialistas, no entanto, levantam
outras hipóteses.
"Em
geral, os pacientes dos hospitais privados são menos graves que os dos
públicos; como a rede privada tem mais leitos disponíveis, ela é mais flexível
no critério de admissão em UTIs", explica Rezende. "Mas quando
olhamos a mortalidade de um subgrupo muito específico, essa comparação é mais
correta e vemos que a mortalidade é parecida."
Os
especialistas lembram que os hospitais que participam do levantamento tendem a
ser os mais bem organizados, o que pode levar a um retrato mais otimista da
realidade. "Temos de olhar para esses dados com a ideia de que sejam
melhores do que o do nosso mundo cão, em hospitais que não estão organizados e
já apresentam o sistema colapsado", diz o especialista.
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Um
outro dado que chamou a atenção dos pesquisadores foi a faixa etária dos
pacientes de covid-19 internados em UTIs. Quarenta e um por cento têm menos de
65 anos. O porcentual é ainda mais alto (51%) entre os internados por síndrome
respiratória de caráter infeccioso, condição que pode indicar casos não
diagnosticados de coronavírus. "Definitivamente, esta não é uma doença de
velhinhos", afirmou Rezende.
A
grande maioria dos internados em UTIs com Covid-19 (71%) ou síndrome
respiratória (75%) apresenta alguma comorbidade, como problemas cardíacos,
diabetes e obesidade. "Ainda assim, é bom ressaltar que cerca de 30% não
tinham nada", lembrou o coordenador do levantamento. "Ou seja, a
doença pode afetar qualquer pessoa."
Outro
dado confirmado pelo levantamento é que o tempo de permanência nas UTIs por
Covid-19 é bem acima da média de outras condições, chegando a dez dias.
"As internações são mais longas do que a média na terapia intensiva, que é
de seis a oito dias", explicou Salluh. "Além de serem muitos
pacientes em situações muito graves, eles ficam muito tempo na UTI e o giro de
leito fica bastante restrito."
A
taxa de ocupação das UTIs revelada por esse levantamento já é alta: 88% na rede
pública e 74% na rede privada. No entanto, os especialistas acham que estes
números já estão subestimados. "O nosso levantamento começou no início da
epidemia; tem aí um momento bom", afirmou Rezende. "Hoje, os
porcentuais já estão acima disso, com o sistema já colapsado. Provavelmente os
próximos 30 dias serão mais difíceis."
CNN