Um
mês após confirmação do primeiro caso do novo coronavírus no Ceará, a projeção
é de que o Estado registre 250 mortos por dia a partir do início do mês de
maio. A previsão é de Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Dr.Cabeto),
titular da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa).
Em reunião do Sindicato da
Indústria da Construção do Ceará (Sinduscon-CE) ontem, 13, o médico fez
declarações alarmantes sobre a situação enfrentada pelo Estado nos próximos
meses com a pandemia da Covid-19. Com leitos de Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) já 100% ocupados e fim dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)
previsto para daqui a cinco dias, ele diz que, em uma semana, pessoas morrerão
nas ruas.
"No
sistema público, eu não tenho mais leito de UTI, acabou. A gente
tinha uma compra da China, que tinha me prometido entregar 250 respiradores mas
soube ontem (13) que não vou receber nenhum", disse o secretário.
Segundo ele, foram compradas 15 mil covas para que os pacientes que forem a
óbito em decorrência da doença tenha onde se enterrar. "Os EPIs, máscaras,
viseiras, luvas que são necessárias a proteção do profissional de saúde, eles
têm cinco dias de estoque. Estou escrevendo ao ministro (Luiz Henrique
Mandetta) que o sistema de saúde do Ceará colapsou. E que nós vamos começar a
ter morte de pessoas não entubadas e já estão tendo", acrescentou.
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São
2.070 confirmações no Ceará até ontem, 14, conforme atualização do boletim
Sesa. Já foram confirmados 107 óbitos em decorrência da Covid-19 no Estado. A
projeção é de que, na próxima semana, a taxa de mortalidade chegue a 10%, de
acordo com Dr. Cabeto. Hoje, o índice é de 5,35%.
"Eu
tenho tentado explicar que as pessoas vão viver momentos muito difíceis",
disse, comparando a pandemia a uma "terceira guerra mundial".
"Não tem lógica. Não posso partir do princípio que, pelo fato de não está
conseguindo fazer o isolamento, vou liberar o isolamento em algumas
áreas", disse. Na reunião, os empresários tentaram convencer com o
secretário sobre o afrouxamento das medidas de isolamento para a construção
civil. "Uma vez que a doença começa a se disseminar na periferia,
é um momento de muita expectativa de que as coisas caminhem de modo muito
negativo", corrobora o infectologista Anastácio Queiroz,
professor da Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal do Ceará
(UFC).
Trinta
dias após o primeiro caso, o Ceará tem taxa de incidência por 100 mil
habitantes 10 vezes maior do que São Paulo. Conforme levantamento da Rede
CoVida, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a taxa no Ceará é de
21,82. Enquanto em São Paulo — estado que lidera o número de casos absolutos —
a incidência foi de 2,27 casos por 100 mil habitantes um mês após a primeira
confirmação. O número é quase o dobro dos diagnósticos positivos em São Paulo
no transcorrer de 30 dias, quando registrou 1.053 casos.
"A
curva do Ceará começou acentuada e se manteve com o mesmo ritmo. Enquanto São
Paulo começou mais fraco mas está com o número de confirmações crescendo mais.
Tinha concentração baixa no 30º dia e após 20 dias se multiplica por 10. Os
casos no Ceará estão crescendo muito mais do que São Paulo", analisa
Gabriela Borges, estatística responsável pela visualização de Dados do Centro
de Integração de Dados e Conhecimentos em Saúde (Cidacs) da Fiocruz e da Rede
CoVida. (Colaborou Matheus Facundo)
"A gente quer
atenção dos órgãos públicos", diz moradora da comunidade Raízes da Praia
Na ocupação
Raízes da Praia, na Praia do Futuro, a confirmação de um morador com Covid-19
alerta para o risco que ameaça a comunidade - cerca de 400 pessoas,
84 famílias abrigadas em casas de madeira e papelão, distribuídas por
vielas sem pavimentação e saneamento básico.
O homem
de 54 anos está internado em estado grave na UTI de um hospital da Capital.
Gari que presta serviço ao município, ele mora com sete pessoas, que estão
isoladas desde a semana passada. A líder comunitária Taciane Soares afirma
que outras pessoas procuraram à UPA com sintomas da Covid-19. No entanto,
sem testes disponíveis, retornaram pra casa.
A
situação se agrava diante da precariedade das moradias. "A comunidade tem
dificuldade de se manter em isolamento. São barracos pequenos. As pessoas não
podem trabalhar porque a praia não está funcionando. Muita gente vive na
informalidade. A gente vive aglomeração dentro da comunidade, não tem como
ficar dentro de casa porque o espaço é limitado. Ficam fora de casa, mas dentro
da própria comunidade", explica.
Taciane
acusa a gestão municipal de descaso. "A Habitafor e a Prefeitura conhecem
a realidade da comunidade. A situação está muito mais complicada por conta
do coronavírus. A comunidade também sofre com dengue e problemas de
pele", afirma. Ela conta que, há duas semanas, 12 crianças foram
acometidas com micose. A dengue é outro problema comum. "A gente quer
atenção dos órgãos públicos para olhar a questão sanitária da comunidade Raízes
da Praia."
Logo
na entrada da comunidade, um grande buraco foi aberto pela gestão municipal
para receber a água da chuva e evitar alagamentos. O esgoto das casas escoa
para o local, espalhando mau cheiro e atraindo uma grande quantidade de
insetos.
"Eu
te confesso, o que a gente sofre mais é com as muriçocas", revela Maria
Simplício, 52, que divide a casa de três cômodos com 18 pessoas. "Fazer o
quê? Eu não posso sair porque, se eu sair, a doença pode me pegar. Quanto mais
eu evitar, pra mim é melhor porque a família é grande".
Maria
explica que sente medo, ainda mais por não conseguir investir em medidas de
proteção que diminuam os riscos de contaminação. "O que eu queria era me
prevenir com as máscaras, um pão de cada dia, o gel, porque aqui eu não tenho
dinheiro pra isso." Na semana passada, a Prefeitura de Fortaleza deu uma cesta
básica às famílias. Mas a autônoma diz que a ajuda é insuficiente. "Eu
trabalho de tudo. Eu sou camareira, lavadeira. Cuido de idosos e crianças. Vou
pra lanchonete, restaurantes, sou auxiliar de cozinha em barraca. Mas, ficando
parada em casa, eu fico doente", lamenta.
Ao
ser procurada pela reportagem, a Prefeitura de Fortaleza afirmou que a
comunidade Raízes da Praia está situada em uma área que é objeto de ação
judicial de reintegração de posse por parte dos proprietários
particulares. "Desde 2013, o Município vem mantendo diálogo com os
representantes da comunidade, com o intuito de chegar a uma solução, inclusive
com estudo técnico da área, bem como apresentou proposta de inclusão das
famílias no Programa Minha Casa, Minha Vida. Não houve consenso entre os próprios
moradores", traz nota. (Ítalo Cosme)
O
Povo