Membros
de uma facção criminosa cearense planejavam se aliar a uma facção carioca rival
e se passar por policiais federais e por agentes penitenciários, para resgatar
detentos de um presídio da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O plano
ousado foi descoberto em uma investigação da Polícia Federal (PF), que culminou
na denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) a 23 pessoas. O documento foi
obtido pelo Sistema Verdes Mares.
O
principal alvo da denúncia é Ednal Braz da Silva, o 'Siciliano', apontado como
um líder da facção cearense. A partir do cumprimento do mandado de prisão
contra ele - que já estava detido em uma unidade prisional, em Pernambuco - e
da apreensão de um celular que estava em sua posse, no dia 26 de setembro do
ano passado, os investigadores chegaram a planos de resgate de detentos, de
ataques criminosos e até de assassinatos de autoridades do Estado.
Os
crimes eram tramados por mensagens privadas ou em grupos do aplicativo Whats
App - que foram extraídas através de autorização judicial. Conforme a denúncia
do MPCE, no dia 11 de setembro de 2019, 'Siciliano' sugeriu o resgate de presos
do Centro de Detenção Provisória (CDP), em Itaitinga, a Francinélio Oliveira e
Silva, o 'Irmão Arqueiro': "Vão tudo como (policial) Federal e como agente
(penitenciário) e com ofício de transferência... Depois vou pegar a lista e lhe
mando ok... Já compramos os carros e mandamos envelopar (adesivar)".
No
dia 14 seguinte, o próprio 'Siciliano' ponderou que a quadrilha tem poucos
armamentos e estava com dificuldades financeiras: "Tem isso aí ñ (não)
viu, de nossa parte só tem dois ou 3 fura (fuzil) e o restante é 12 (escopeta),
macaca (metralhadora) e pistola. Eles aí (da facção carioca) tão bem mais
preparado que nós. Os meninos pediram pra nós comprar uma .50 (fuzil) mas nós ñ
(não) temos esse dinheiro ñ, a ñ ser se o Bola (alcunha de Felipe Bruno Nunes
Pereira) possa patrocinar".
Outra
conversa revela que o plano é mais antigo. Em 18 de agosto do ano passado,
'Siciliano' fala para 'Bola': "A outra caminhonete fica pronta amanhã, no
máximo terça-feira chega aí... Sim, tá tudo no jeito e o outro pessoal (facção
carioca) q (que) vai cm nós (conosco) tá interado tbm... Assim que envelopar o
último carro, vou fazer um grupo pra organizar e finalizar o projeto pra nós ir
(irmos) pra cima. As ferramentas ta tudo ai né?".
No
dia 30 daquele mês, 'Bola' promete: "Ok mano (irmão) eu estou atrás aqui
pra arranjar esses calibres. Eu vou dar uma força. Vou tirar do meu bolso mesmo
aqui pra mim comprar ouviu.....Pode deixar que eu compro...Do meu bolso".
Apesar
da aliança com rivais da disputa pelo tráfico de drogas, a facção local não se
sentia segura em colocar o plano em prática, segundo a investigação. No dia 10
de setembro do ano passado, 'Siciliano' precisou replicar aos comparsas uma
mensagem de outro líder do grupo criminoso, Francisco Tiago Alves do
Nascimento, o 'Tiago Magão'.
"O
T mandou isso: 'Fazer por onde fazer uma reunião com os caras do Flamengo
(referindo-se à facção carioca), para ambos se sentirem confiantes, pq (porque)
essa insegurança só afeta a nós. Se dediquem ao máximo pra fazer essa reunião,
acabei de falar com o Fernando bombado e é respeito acima de respeito. Fazer de
tudo para ser domingo!'", compartilhou.
ALIANÇA
O
contato de 'Siciliano' na organização criminosa rival era Cíntia Bastos de
Sousa, a 'Ruiva'. No dia 25 de julho do ano passado, eles já conversavam sobre
o plano de resgate. "Você não vai querer os emblemas, que já está lá na
mão do pessoal é 500 reais lá, pra dá, é o I5, da frente e das costas, se você
for querer, você diz, porque se não vou passar pra outra pessoa, pros meninos
que vão... Também... Precisar...", questiona a mulher.
"Deixa
as camisas sair que aí pego tudo junto ok", responde o homem. "Acho
que é porque ele só falou em 500, e eu disse que era 5 de frente e 5 das
costas.. E é do GAPE (referindo-se ao GAP, Grupo de Atendimento Penitenciário),
ainda é melho (melhor) ainda", reforça 'Ruiva'.
ATAQUES
Entretanto,
o plano de resgate não passou de conversas pelo WhatsApp. Em setembro do ano
passado, a revolta da facção cearense com o endurecimento do regime no sistema
penitenciário foi expressa de outra forma: através de ataques criminosos,
também planejados pela rede social.
No
dia 20 daquele mês, Isaías Sousa Madureira, o 'Irmão 20', sugere, em um grupo:
"Vamos bota (colocar) fogo nesse mundo todo... Doido querendo 'babilônia'
neste mundo... Qualquer coisa, noz (nós) rouba (roubamos) o posto (de
combustíveis) e depois noz (nós) taca (colocamos) fogo... Horas dessas é bom
comsesionária (concessionária de veículos) que fica as VTs (viaturas) dos
vermes lá (referindo-se aos policiais)".
Em
outro grupo, Aílton Maciel Lino, o 'Irmão Snoopy', propõe: "Tem q (que)
toca (colocar) fogo em supermercado grande de nome. Os das comunidade não, pra
não afeta as comunidade (afetar as comunidades)".
Os
ataques criminosos iniciaram justamente no dia 20 de setembro, com um caminhão
roubado no Município de Quixadá e incendiado em Quixeramobim, conforme a
acusação. No dia seguinte, 'Siciliano' enviou um "salve" (manifesto)
aos comparsas, para reclamar ao governador Camilo Santana sobre o tratamento
dado aos presos no sistema penitenciário cearense.
"Pois
da forma que vem acontecendo, vamos unir forças para nos defender de maneira
recíproca a qual estamos sendo tratados hoje no sistema do Ceará. Esperamos que
o sr (senhor) exonere este secretário (Mauro Albuquerque) obsoleto e tosco ou o
Estado do Ceará irá caminhar para o abismo e isso está em total
iminência", esbravejou.
Os
ataques criminosos se perpetuaram pelo território cearense até o dia 30 de
setembro último, com um total de 99 registros. Em resposta, o Estado, com apoio
de tropas federais, capturou 150 suspeitos de participar dos crimes.
Postos
de combustíveis, concessionárias de veículos, supermercados, prédios públicos e
automóveis foram atacados pelos criminosos. Mas estava nos planos também
atentar contra a Arena Castelão, durante um show de forró. Essa foi uma
sugestão do 'Irmão Arqueiro' a 'Siciliano', no dia 22 de setembro daquele ano.
'Irmão
Arqueiro' pediu que o comparsa conseguisse granadas para lançar no
estacionamento do estádio. "Eu sei trabalhar com isso mano véi (irmão
velho), sei fazer a detonação de várias formas, só ainda não sei no controle,
mas a bateria, no cordel e no pavio eu sei", confirma
"Siciliano".
Outra
acusada, a advogada Elisângela Maria Mororó enaltece a ideia de explodir a
Arena Castelão e diz que o ataque, se concretizado, renderia grande
repercussão, sendo digno de notícia internacional, segundo a denúncia.
MENSAGENS
Elisângela
Mororó também atuava como "mensageira" da facção, trocando mensagens
entre a rua e o cárcere. Em um recado enviado a 'Siciliano' através da
advogada, 'Tiago Magão' sugeriu o assassinado do secretário da Administração
Penitenciária (SAP), Mauro Albuquerque: "Se for preciso pegar um carro,
para usar para acabar com o MA (Mauro Albuquerque), podem pegar. Foi caro, mas
se for pra fazer o serviço dele, compensa".
Em
outro "salve" em um grupo do WhatsApp, também datado de 21 de
setembro do ano passado, uma pessoa identificada apenas como 'Irmão Isabel'
cria uma tabela de preços de recompensa para quem matar agentes públicos, como
agentes penitenciários e secretários de Governo e também parlamentares.
As
23 pessoas que participavam dos planos criminosos foram acusadas pelo
Ministério Público pelos crimes de organização criminosa, dano, incêndio,
tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo - conforme a participação
individual. A denúncia ainda aguarda posicionamento do juiz da Vara de Delitos
e Organizações Criminosas.
Diario do Nordeste