Quase
metade dos municípios cearenses, 86 dos 184, não receberá, neste ano de 2020,
recursos das emendas individuais da bancada do Ceará no Congresso Nacional.
O
valor de R$ 15,9 milhões para cada deputado federal e senador da República é,
anualmente, destinado aos gestores públicos para ser investido em diversas
áreas, como saúde, educação, infraestrutura, entre outros setores.
Os
municípios do Ceará mais "esquecidos" pelos parlamentares são os mais
pobres e com menor quantidade de habitantes. Das 20 cidades que têm menos de 10
mil moradores, 16 delas estão na lista dos excluídos desse recurso. As exceções
dessas administrações mais vulneráveis em termos econômicos, e que serão
beneficiadas com o dinheiro, são apenas os municípios de Ererê, Pacujá,
Potiretama e Deputado Irapuan Pinheiro.
As
administrações que mais deverão receber os valores são, pela ordem, Caucaia,
com R$ 8,3 milhões, seguida de Graça, com R$ 7,4 milhões, Sobral, com R$ 6,1
milhões, e Fortaleza, com R$ 5,9 milhões. Dos quatro mais contemplados com o
repasse, apenas Graça é considerado de pequeno porte do ponto de vista
populacional, com 14 mil habitantes. O município entra no rol das exceções que
será detalhado na edição de amanhã.
Os
números divulgados pela reportagem foram levantados com base nas informações
que constam na Lei Orçamentária da União, já sancionada pelo presidente Jair
Bolsonaro, e disponíveis no portal da Câmara dos Deputados.
Elmo
Aguiar (PDT), prefeito de Cariré, que tem 18 mil habitantes, vai receber neste
ano R$ 1 milhão desse recurso. Ele conta que vai usar o dinheiro na construção
de estradas. Como o município é localizado entre os rios Acaraú, Jucurutu e
Jaibaras, há "uma grande dificuldade para a população" em relação ao
tráfego. Ele diz que a meta é "até final da gestão executar 250
quilômetros de estradas vicinais" e que esse montante vai ser fundamental
nesse processo.
Apesar
da ajuda neste ano, que gerou um certo alívio a uma parte das obrigações,
Aguiar lamenta-se ao afirmar que nos municípios pequenos, principalmente do
interior, só é possível "fazer algo com recurso externo", que se
caracteriza também pelas emendas individuais.
"FPM
(Fundo de Participação dos Municípios) do primeiro decênio de março caiu em
relação ao decênio de 2019 em R$ 90 mil aproximadamente", reclama o
prefeito ao apontar o cenário como "catástrofe" para as prefeituras.
A
reportagem procurou o presidente da Associação dos Municípios do Estado do
Ceará (Aprece), Nilson Diniz, que é prefeito de Cedro - um dos que não irão
receber os valores neste ano -, para comentar o assunto, mas não retornou às
diversas tentativas de contato ontem.
Ano
eleitoral
A
forma como o parlamentar decide como será investido o recurso nos municípios
também é uma opção política, e fica mais explícita quando é ano de campanha
eleitoral, tendo em vista o baixo repasse para municípios com poucos eleitores.
O
cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política,
Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará, Cleyton Monte, explica que o
parlamentar direciona o recurso como forma de otimizar a execução e fortalecer
o capital político nas suas bases eleitorais.
"Boa
parte desse volume de emendas, por mais que possa ser direcionada, muitas vezes
ela não é suficiente para finalizar uma obra em um ano, um projeto, por
exemplo.
Muitas
vezes o parlamentar faz um cálculo e compensa mais encaminhar para o Governo do
Estado agregar o valor a outros valores e agilizar algo mais rápido",
explicou Monte, que é um pesquisador da aplicação das emendas no País.
É
o caso de oito parlamentares do Ceará que não direcionaram os recursos para os
municípios, e sim para projetos oriundos do Governo do Estado que podem
beneficiar prefeituras que ficaram de fora, dependendo do projeto e do nível de
inserção e execução em todos os lugares do Estado. Optaram por esse modelo de
repasse ao Estado os deputados AJ Albuquerque (PP), André Figueiredo (PDT),
Capitão Wagner (Pros), Domingos Neto (PSD), Eduardo Bismarck (PDT), Genecias
Noronha (SD), Pedro Augusto Bezerra (PTB), e o senador Eduardo Girão (Podemos).
"São
casos que você tem que ver. As estratégias dos parlamentares são muito diferentes.
O senador é votado em todo o Estado. Cid Gomes, por exemplo, tem base em todo o
Estado. Talvez o Eduardo Girão tenha uma concentração na Região Metropolitana
de Fortaleza", pondera o pesquisador do Lepem.
Em
outros casos, segundo o professor Cleyton Monte, o empenho da emenda em
municípios maiores, conhecido como cidades-polo, pode, também, interferir na
rotina da população que mora nas proximidades, mesmo que sob outras
administrações. Ele cita as cidades de Iguatu e Tauá como exemplos.
Monte
ressalta, ainda, a importância da destinação das emendas na rotina parlamentar.
Ele argumenta que "as pessoas criminalizam as emendas ao Orçamento, como
se fosse sinal de corrupção", mas que "o trabalho de emendar o
orçamento é parte da prerrogativa dos parlamentares no Brasil. "Se se tira
do parlamentar essa atribuição, você tira parte da prerrogativa",
argumenta o professor.
Obrigatoriedade
Desde
2015, pela Constituição Federal, a execução desse tipo de recurso é
obrigatória. Ou seja, o Governo Federal é obrigado por lei a pagar o valor
solicitado pelos congressistas através das chamadas emendas parlamentares, que
são as contribuições de cada deputado federal e senador na distribuição do
Orçamento do ano que é administrado pela Presidência da República.
De
acordo com o Congresso Nacional, as sugestões dos 594 congressistas de todo o
País somaram R$ 9,5 bilhões. Os deputados apresentaram 7.269 emendas
individuais, no total de R$ 8,2 bilhões. Já os senadores apresentaram 1.072,
somando R$ 1,3 bilhão.
A
aprovação da emenda, que passou a obrigar o pagamento dos valores no exercício
do ano, ocorreu em meio a divergências políticas entre Executivo e Legislativo,
quando o então deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ), em 2015, presidia a
Câmara dos Deputados.
Tradicionalmente,
a liberação das emendas era usada pelos presidentes da República em diálogo com
a base aliada no Parlamento como moeda de troca na aprovação de projetos de
interesse do Planalto.
A
medida, que na época foi encarada como uma derrota do governo da presidente
Dilma Rousseff (PT), congelou parte do Orçamento da União e deu mais força ao
Congresso Nacional do ponto de vista político e econômico.
A
discussão, que antes se concentrava se o dinheiro seria liberado pelo Planalto,
hoje a urgência do debate é a área e o local a ser destinado.
ENTENDA
O
que são emendas
As emendas feitas ao Orçamento da União, denominada de Lei Orçamentária Anual – enviada pelo Executivo ao Congresso anualmente –, são propostas por meio das quais os parlamentares podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato, tanto junto aos estados e municípios quanto a instituições.
As emendas feitas ao Orçamento da União, denominada de Lei Orçamentária Anual – enviada pelo Executivo ao Congresso anualmente –, são propostas por meio das quais os parlamentares podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato, tanto junto aos estados e municípios quanto a instituições.
Tipos
de emendas
Existem quatro tipos de emendas feitas ao Orçamento: individual, de bancada, de comissão e da relatoria. As emendas individuais são de autoria de cada senador ou deputado. As de bancada são emendas coletivas, de autoria das bancadas estaduais ou regionais. Emendas apresentadas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado são também coletivas, bem como as propostas pelas Mesas Diretoras das duas Casas. As emendas do relator são feitas pelo deputado ou senador que, naquele determinado ano, foi escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento – o chamado relatório geral.
Diario do Nordeste