O
período de chuvas no Ceará gera, historicamente, o aumento de casos das doenças
transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, como dengue e chikungunya. Neste ano,
outro risco se agrega: o novo coronavírus (Covid-19), que tem 12 casos
suspeitos e outros nove descartados no Estado, segundo a Secretaria Estadual da
Saúde (Sesa). Os efeitos da nova doença ainda estão sendo estudados, mas
especialistas e gestores confirmam que há chance de epidemias simultâneas de
coronavírus e dengue no território cearense - situação que exige maior preparo
das unidades diante de possível sobrecarga.
Em
2019, o Ceará teve 14.758 casos confirmados de dengue. Em 2020, até o dia 18 de
fevereiro, já são 173 casos da arbovirose, segundo o boletim epidemiológico da
Sesa. A tendência histórica é que os registros se ampliem a partir de março,
com picos em abril. Em paralelo, no período reconhecido como o de maior
contágio da dengue, o Brasil já confirmou dois casos de coronavírus e investiga
outros 433, de acordo com o Ministério da Saúde - que reconhece apenas seis
casos suspeitos no Ceará, diferentemente dos 12 divulgados pela Sesa.
O médico e gerente da sala de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal
de Saúde (SMS), Antônio Lima, explica que o alerta pelo surgimento de um vírus
logo num período do ano com alta demanda nas unidades de saúde é natural, mas
destaca que os casos de dengue ainda não atingiram um patamar que possa ser
considerado epidêmico em 2020, pois os números de confirmações são
"médios" para o período.
Além
disso, o Brasil ainda não registrou transmissão ativa do novo coronavírus.
Antônio reforça que é preciso garantir
treinamentos aos profissionais e insumos e recursos humanos às unidades de
saúde, para que seja possível distinguir os casos que chegam aos equipamentos.
"Diagnóstico diferencial adequado é a gente estar preparado para
diferenciar um caso supostamente de uma arbovirose, como dengue, de um paciente
infectado por coronavírus. No caso deste, diferentemente das outras gripes
causadas por influenza sazonal tradicional, tem o fator de checar a
procedência", acrescenta o médico. O presidente da
Sociedade Cearense de Infectologia (SCI), Guilherme Henn, reitera a
possibilidade de uma sobreposição de epidemias, destacando, porém, que esse
"cruzamento" dos surtos de doenças que se dissipam não é novo. Ele
também frisa a necessidade de traçar ações de prevenção e estruturação da rede
de atendimento.
"Sempre
existe o potencial de sobreposição dessas doenças, nessa época do ano. Então,
quando se está esperando um aumento muito importante do número de casos de
dengue, e ao mesmo tempo está sendo introduzido um novo micro-organismo, o
coronavírus, temos um potencial multiplicado de sobrecarga do serviço público
de saúde", pondera o infectologista, observando que, diferentemente de
outros anos, os gestores públicos têm atuado para se antecipar aos possíveis
efeitos dessas epidemias.
Em
relação às arboviroses, pelo menos, como avalia Guilherme, as evidências desse
maior preparo são os investimentos em formação de profissionais de unidades
básicas em todo o Estado. No que diz respeito ao manejo de possíveis casos de
coronavírus, o médico também analisa que o serviço público está preparado. Essa
organização, porém, não é capaz de assegurar um controle absoluto da situação,
mas "retardar a perda de controle", visto que se trata de uma
possível epidemia, e a dinâmica de tratamento pode mudar conforme cresce o número
de ocorrências, segundo Guilherme.
Estrutura
Questionado se a atual estrutura de que
o Sistema Único de Saúde (SUS) dispõe em Fortaleza é capaz de
"aguentar" uma possível sobrecarga de duas epidemias, Antônio Lima
reconhece os déficits - mas assegura que a própria estrutura do SUS, com
divisões que vão das unidades básicas aos hospitais mais complexos, favorece a
admissão de casos de variados níveis. "Nós temos um sistema capilarizado,
uma rede que vai de UPAs aos hospitais terciários. Temos fragilidades reconhecidas,
mas também capacidade de oportunamente identificar, fazer um bloqueio",
garante o representante da SMS.
Além disso, ele explica que o Plano de
Contingência do Município está sendo finalizado (diferentemente do elaborado
pela Sesa, já pronto), e deve definir, entre outras orientações, quantas e
quais unidades serão disponibilizadas para atender os casos suspeitos de
coronavírus. A projeção, segundo ele, é de que três UPAs sejam escolhidas para
garantir o atendimento dessa demanda. O equipamento de referência, até o
momento, é o Hospital São José (HSJ), especializado em infectologia.
Se a rede pública tende a "dar
conta" de um quadro inicial de sobreposição das epidemias, posteriormente
"a sobrecarga pode chegar a um ponto que ultrapasse o limite do sistema,
que tem seus gargalos", como avalia Guilherme Henn. Um dos efeitos
projetados pelo médico é que grupos de pacientes, cuja demanda não sejam essas
epidemias, acabem afetados nesse período. "Quem particularmente vai acabar
sendo prejudicado é o pessoal que precisa procurar o serviço de saúde por
motivos que não são esses problemas. O atendimento acaba sendo atrasado em
relação ao que seria anteriormente. Mas não tem como não priorizar as epidemias
do momento", reconhece.
A
coordenadora da Vigilância Epidemiológica e Prevenção em Saúde da Sesa,
Ricristhi Gonçalves, assume que "a rede está se ajustando". "É
natural que aconteça essa corrida das pessoas até as unidades de saúde, pelo
coronavírus ser novo. Elas ficam assustadas, sobretudo as que viajaram. Mas temos
acompanhado, diariamente, os casos suspeitos; e orientado os profissionais,
tanto da rede pública como da privada. Já fizemos reuniões orientando
protocolos", salienta.
Novas
unidades de referência para recebimento e análise dos casos suspeitos estão em
processo de estudo, bem como os hospitais regionais, que devem se tornar
referência para atendimento no interior do Estado. Além disso, as UPAs de
Fortaleza "têm recebido suspeitas e feito as notificações", e também
estão sendo capacitadas, conforme Ricristhi. Já em relação às arboviroses,
"estão dentro do esperado e, como acontecem todo ano, a rede pública já
está preparada".
Diario do Nordeste