No
começo de 2019, facções criminosas realizaram ataques no Ceará.
Um
ano depois da maior série de ataques da história do Ceará, o secretário da
Administração Penitenciária (SAP), Mauro Albuquerque, afirma que o Estado já
tinha conhecimento do planejamento de ações criminosas, de dentro dos presídios
cearenses.
As facções
criminosas promoveram 283 ataques a instituições públicas e
privadas, na Capital, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e Interior,
durante 33 dias, no começo de 2019.
"Eles (presos)
já estavam em planejamento. A gente tinha algumas informações da cadeia, mesmo
estando no Rio Grande do Norte (onde trabalhava antes). Eles já estavam
descontentes. Eles não iam aceitar minha vinda para cá", diz o secretário.
A motivação da série de
ataques foi atribuída
à declaração de Mauro Albuquerque de que ia reunir presos
de facções rivais na mesma unidade - que antes eram mantidos em presídios
diferentes. Mas o secretário não acredita que a causa tenha sido
especificamente essa fala.
"O que eu falei é que o
Estado é detentor do controle das unidades. De outra forma, está errado. Eles
(presos) não queriam perder as regalias, o grande fluxo de dinheiro que
ganhavam dentro das unidades penitenciárias e decidiram protestar", alega.
As ações criminosas não
surpreenderam Albuquerque. "Eu já conhecia o modus operandi dos grupos
criminosos aqui do Ceará. Em 2016 (ano da maior
crise do Sistema Penitenciário Estadual, com rebeliões e mortes),
eu estive aqui. E desde 2015, eles atacam vocês (cearenses). Qualquer coisa que
façam com que eles fiquem frustrados, eles atacam. Eu já tinha uma ideia. A
gente já imaginava que ia ter ataque. Agora, calcular o desdobramento... é você
estar preparado para o que vier", afirma.
A
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) não aceitou conceder
entrevista sobre o assunto. Questionada por e-mail se a resposta da Polícia foi
tardia, a Pasta respondeu, em nota, que "as Forças de Segurança do Ceará
atuaram para reprimir todas ações criminosas que foram registradas no Estado,
com a participação fundamental do trabalho de inteligência, que frustrou
diversas ações criminosas. O Estado deu a resposta certa, direta e imediata que
a situação exigiu".
A socióloga e pesquisadora do
Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará
(UFC), Suiany Moraes, acredita que "a Polícia já esperava, de certa forma,
a série de ataques". "Eu acho que ela não esperava com a intensidade
que se deu. Mas algumas pistas, antes da série de ataques, já indicavam que
poderia ter. Desde 2018, o Governo do Estado já havia encontrado, dentro das
prisões, trocas de bilhetes, que falavam sobre uma possibilidade de ataque
massivo ao Estado. E no final de 2018, aconteceu um episódio que passou batido
pela imprensa e pela sociedade em geral. Que foi um roubo de um caminhão, com
toneladas de dinamite", analisa.
Reação do Estado
A
série de ataques obrigou que o Estado
aprovasse leis de combate ao crime organizado às pressas e
pedisse reforços federais e de outros estados. Os esforços resultaram na
captura de 466 suspeitos, entre adultos e adolescentes.
"A
repressão aos infratores foi enérgica e mostrou que o Estado não recuou, pondo
em prática medidas efetivas no combate ao crime organizado", classificou a
SSPDS.
"Os ataques mostraram uma
capacidade de mobilização muito grande. Tanto por parte do crime, que conseguiu
mobilizar e aglutinar uma série de pessoas em volta disso, e a capacidade de
aglutinação do Governo do Estado, com agentes vindo da Força Nacional e de
outros estados", aponta Suiany.
Nos presídios, mesmo em meio à onda de
ações criminosas, o Estado implantou mudanças. A principal delas foi o
fechamento de mais de 100 cadeias públicas no Interior. "Como é que você
vai manter um criminoso preso, se não está preso? Em um dos ataques que
aconteceram no Interior, a Polícia Militar pegou os caras voltando para a
cadeia", revela Mauro Albuquerque.
"Outra situação foi tirar
as lideranças do meio da massa e os executores. Tiramos os dois
escalões de liderança. Com isso, eu libertei os presos, que eram forçados a
fazer muitas ações dentro Sistema Prisional. Nós tiramos o meio de comunicação
direto deles, que era o celular. Tiramos os meios de informação, que eram os
televisores e os rádios. E tiramos todo o potencial ofensivo que eles tinham
dentro da cadeia, as armas brancas", completa o secretário.
Novas leis
- Lei da Recompensa, que paga em
dinheiro quem denunciar autores de ataques ou fornecer informações que possam
prevenir crimes;
-
Retirada das tomadas em celas de presídios, para evitar que criminosos possam
usar carregadores de celular;
-
Aumento de 48 para 84 o máximo de horas extras que policiais civis, militares e
bombeiros podem fazer por mês;
-
Convocação de policiais da reserva para aumentar o efetivo nas ruas;
-
Criação de um banco de informações sobre veículos destruídos na onda de
ataques;
-
Restrição da presença de pessoas no entorno dos presídios, com objetivo de
evitar fugas;
-
Criação do Fundo de Segurança Pública, que terá reserva para investir na
prevenção de crimes e pagar beneficiados da Lei da Recompensa;
-
Regularização do comando de tropas de policiais militares cedidas por outros
estados (o que na prática já está acontecendo com agentes cedidos pelos
governos de Bahia, Piauí, Santa Catarina e Pernambuco)
Reforço
-
500 agentes da Força Nacional de Segurança (FNS) e da Força de Intervenção
Penitenciária (FIP);
-
385 policiais rodoviários federais, além de um helicóptero cedido pela PRF;
-
200 policiais militares da Bahia, Piauí, Pernambuco e Santa Catarina;
-
220 agentes penitenciários nomeados logo em janeiro (antes seriam em março);
-
373 policiais militares, já formados, também foram convocados antecipadamente;
-
800 militares da Reserva Remunerada foram convocados para reforçar a Ativa;
-
pagamento de horas extras a policiais civis e militares do Ceará.
Preparado?
O
Ceará voltou a sofrer com ações criminosas, com menos
intensidade, em setembro de 2019. Desta vez, foram ao menos 120 ataques e 223
suspeitos capturados. Desde 2016, o Estado é alvo de ataques das facções. Para
que a história não se repita em 2020, as secretarias da Administração
Penitenciária e da Segurança Pública apostam na integração entre as diversas
Forças de Segurança e a Inteligência.
"O
Sistema Penitenciário é uma fonte de informações para a Secretaria da Segurança
Pública. A gente vai continuar trabalhando para reverter esse crime e dar a
melhor proteção para a população", garantiu Mauro Albuquerque. Em nota, a
SSPDS afirmou que "o trabalho das forças de segurança segue firme e
rigoroso, fortalecendo a difusão e o compartilhamento de dados e a produção de
informação para alimentar as agências de inteligência do Estado".
A
socióloga Suiany Moraes acredita que o Estado aprendeu com as experiências dos
anos anteriores e está mais preparado para possíveis novos ataques.
"Justamente por estar investindo mais em inteligência. Recentemente, por
exemplo, o Governo anunciou um concurso da Polícia Civil. Quem
investiga é a Polícia Civil. Agora, logicamente, o Governo não tem condição de
dar conta de tudo. A dinâmica do tráfico de drogas é muito rápida",
pondera.
G1 Ceará