Esperar.
Aguardar. Dar tempo ao tempo. Desde janeiro de 2018, familiares das vítimas que
foram mortas na Chacina das Cajazeiras, ocorrida na casa de shows Forró do
Gago, tentam encontrar sinônimos diferentes para o verbo que mais parece ser
sua própria alcunha. De lá para cá, poucas mudanças aconteceram. A dor, por
sinal, segue firme, no aguardo de que a Justiça possa preencher um pouquinho do
espaço que pertencia ao ente querido.
Natanael Abreu, de 25 anos, foi um
deles. O motorista de aplicativo estava trabalhando na noite em que a matança
ocorreu. Ele havia acabado de chegar para deixar um passageiro que iria se
divertir na festa de forró organizada na casa de shows. Na esquina da Rua Madre
Tereza de Calcutá, o carro parou e só saiu de lá após a Polícia chegar e
constatar que um crime havia acabado de acontecer.
Memória
Setecentos e trinta e um dias depois, o
que fica na memória da viúva de Natanael, Brena Silva, é a imagem de marido
maravilhoso e a ânsia por Justiça, a qual não se apaga enquanto não houver
punição para os culpados.
"Eu espero que seja feito o
julgamento porque a vida dele não tem mais como voltar atrás, não tenho como
ter ele novamente, mas eu quero que as pessoas que fizeram isso sejam julgadas
conforme a lei. No mais, é esperar pela lei de Deus, eu acredito mais
nela", crê a mulher que carrega o filho de três anos, fruto da relação que
teve com o falecido marido.
De Edneusa Pereira de Albuquerque,
vítima da chacina no local, restaram seus tesouros. Dos seis filhos que ela
deixou, a responsabilidade de "agir conforme a mãe" recaiu sobre a
mais velha, Larissa Albuquerque. A mulher passou a assumir as funções da mãe,
sendo até chamada desta forma pelos irmãos-filhos após a tragédia.
"Passou a ser um pouco difícil
porque é muita coisa pra eu e meu marido, mas o único jeito foi esse. Eu passei
a ser irmã e mãe deles. Mãe de vários, e é muita responsabilidade",
explica Larissa. Ela e o esposo sustentam a casa, na qual moram sete pessoas e
uma cadelinha recebendo apenas R$ 690 por mês.
Contudo, é na certeza de que está
seguindo os bons ensinamentos da mãe que confia no futuro da prole.
"Espero que sejam crianças do bem, que estudem muito. Eu tô batalhando
muito e não vou desistir. Onde ela estiver, ela tá sorrindo e feliz também, eu
tenho certeza", crê Larissa.
O tempo, porém, parece não favorecer a
vontade dos familiares que anseiam pela responsabilização dos culpados.
"Não foi só o Natanael, não foi só um. Quantas famílias ficaram que nem a
minha? Foram várias. Pela proporção do crime, eu acredito que poderia já ter
uma resposta, um julgamento ou algo marcado", insiste Brena.
O tempo
Do lado de quem julga, o Tribunal de
Justiça do Estado Ceará (TJCE) é quem está com a responsabilidade de dar
andamento ao caso. O órgão ressaltou que "é importante considerar a
complexidade do processo" e ponderou que a denúncia foi aceita pela
Justiça em dezembro de 2018. "Com isso, completou-se, recentemente, um ano
em tramitação judicial, considerada regular em um processo dessa
natureza", pontua o TJCE.
Segundo o Tribunal, a ação está inclusa
no Programa Tempo de Justiça, um sistema que visa acelerar casos de homicídios
cuja autoria já esteja esclarecida; e no Movimento de Apoio ao Sistema
Prisional (Masp), que busca "priorizar e acelerar o julgamento de processos
de réus multidenunciados, que respondam a seis ou mais processos
criminais".
Presídios federais
Pelo menos seis dos 15 réus da Chacina
das Cajazeiras cumprem pena em penitenciárias federais, após os pedidos do
Governo do Estado serem aprovados. Neste cerne, os supostos líderes da GDE
Deijair de Souza Silva (o 'De Deus'), Noé de Paula Moreira (o 'Gripe Suína'),
Misael de Paula Moreira (o 'Afeganistão'), Francisco de Assis Fernandes da
Silva (o 'Barrinha'), Auricélio Sousa Freitas (o 'Celim') e Zaqueu Oliveira da
Silva (o 'Macumbeiro') estão detidos em outros estados do País.
De acordo com o TJCE, "a custódia
de alguns réus em presídios federais não tem relação direta com o andamento
judicial do referido processo", nem adiantando-o, nem atrasando-o.
O Diário do Nordeste entrou em contato
com as defesas dos réus, mas só recebeu resposta dos advogados Raimundo Nonato
da Silva Filho e Leonardo Duavy Pontes, que representam João Paulo Félix
Nogueira (o 'Paulim das Caixas'). Segundo eles, além de o seu cliente ser inocente,
"não existe elementos para se manter tamanha acusação".
"Em relação à demora do julgamento,
isso só mostra a lentidão e a morosidade que se encontra nosso Judiciário,
levando prisões preventivas a serem verdadeiras antecipações de penas",
argumentam. Já a Defensoria Pública do Estado representa os réus que não
possuem advogados e, por nota, informou que "não antecipa as teses de
defesa antes dos atos processuais".
Diario do Nordeste