Wagner Moura falou sobre as dificuldades que a produção tem enfrentado para lançar o filme no BrasilReprodução |
Em
um dos auditórios da Universidade de Columbia, a anfitriã do "African
Diaspora International Film Festival" anunciou no último sábado (7),
minutos antes da transmissão de "Marighella", que o diretor
Wagner Moura iria "trocar algumas palavras" com o
público após o filme. A cinebiografia do guerrilheiro comunista Carlos
Marighella enfrenta um imbróglio burocrático na Ancine (Agência Nacional do
Cinema) e, por isso, ainda não foi lançada no Brasil.
Inspirado
no livro escrito pelo jornalista Mário Magalhães, "Marighella, o
Guerrilheiro que Incendiou o Mundo", a história acompanha os
últimos cinco anos de vida do ex-deputado – do golpe militar, em
1964, até o seu assassinato, em 1969. O público presente, não mais que 70
pessoas (em grande parte brasileiros expatriados), estava ansioso para saber
sobre as dificuldades que a produção tem enfrentado para lançar o
filme no Brasil.
"Eu
não gosto de falar do 'Marighella' como um caso isolado: todo
o universo da cultura, no Brasil, está basicamente destruído. A Ancine
está destruída. Acabada. Game over. E esse é o jeito que eles fazem hoje: a
censura não é como a da ditadura militar, que dizia 'isso é proibido'. Hoje
eles infiltram pessoas nessas agências, e elas tornam tudo impossível de
acontecer. Foi isso que fizeram com 'Marighella'. Eles acharam uma
forma de tornar o lançamento impossível do ponto de vista burocrático. Mas nós
iremos achar um jeito", disse. A fala foi aplaudida.
Ainda
sobre a conjuntura das políticas públicas de cultura no Brasil e
a reação da classe artística, Wagner Moura lembrou de um artigo de opinião que
escreveu para a Folha, em março de 2017, quando endossava o poder da
resistência dos artistas na gestão Michel Temer.
"Eu
percebi que essas pessoas têm medo do que um artista pode fazer. Essa
é a natureza da arte. Dos filmes, das peças. Essas coisas fazem as
pessoas pensarem. Mesmo se não for uma produção diretamente
política, ela representa uma ameaça. Então o que eu diria para os artistas, é:
continue fazendo o que você faz. E, naturalmente, seja selvagem. Quanto
mais radical melhor."
Nesse
contexto, elogiou os atores do filme, contando que aqueles que interpretaram os
guerrilheiros pediram para que seus personagens tivessem seus próprios nomes.
Segundo o diretor, esse foi o modo do elenco manifestar o apoio à
história, como quem "assina embaixo" do que está sendo dito.
O filme estreou em
fevereiro no Festival de Berlim e, no último final de semana,
foi transmitido em duas sessões em Nova York: na
Universidade de Columbia (7) e no Cinema Village (8) como parte da programação
do "African Diaspora International Film Festival".
Debate sobre
racismo
Criado
em 1993, o festival americano transmite filmes que incluam a
problemática racial na sua trama, com o objetivo de redesenhar
a experiência negra no cinema. Nesse sentido, o evento se preocupa em
abordar a representatividade nas produções cinematográficas. Esse debate
também se fez presente após a transmissão de "Marighella", ao que
Moura afirmou ter escolhido Seu Jorge para interpretar o guerrilheiro pois,
dentre outras coisas, queria trabalhar com um ator que fosse negro.
"A
princípio, pensei em Mano Brown, porque queria alguém que tivesse esse espírito
de guerrilha que o Marighella tinha. Chegamos a trabalhar por um mês, mas ele
estava com outros projetos e seria difícil se comprometer com o filme. De
qualquer forma, para mim, era muito importante que o ator fosse negro. O
que eu não poderia fazer era selecionar um ator que fosse branco para fazer
esse personagem."
Como
resposta aos demais questionamentos sobre desigualdade racial, Moura ressaltou
que é preciso discutir a respeito do racismo estrutural que está
embasado na sociedade brasileira. Problematizou as conjunturas
socioculturais do país, da situação muitas vezes precária das trabalhadoras
domésticas à atuação da polícia na favela.
"Afinal, não mudamos muito", completou.
"Afinal, não mudamos muito", completou.
"Pensem
que nos anos 1960 um homem negro como Marighella, de esquerda, foi morto pela
polícia a tiros dentro de um carro. E 50 anos depois aconteceu a
mesma coisa com uma mulher negra, de esquerda, provavelmente executada por
agentes do Estado [referindo-se a Marielle Franco]. Precisamos falar
sobre isso. As semelhanças são assustadoras", concluiu.
Diário do Nordeste