O
coronel da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Jaime de Paula Pessoa Neto, de 53
anos, e a namorada dele, a universitária Lorena Bezerra de Melo, 37, foram
acusados pelo crime de estupro de vulnerável contra uma criança de 11 anos,
familiar da mulher (o grau de parentesco não será revelado para não identificar
a vítima). Os crimes aconteceriam desde 2014, em Fortaleza, quando a menina
tinha seis anos, mas foram denunciados apenas em maio deste ano. O processo
corre sob sigilo de Justiça.
No
dia 1º de novembro, a 12ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza confirmou o
recebimento da denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) contra o casal e
marcou a primeira audiência do processo na Justiça para 23 de março de 2020.
Documentos
obtidos pelo G1 mostram que o caso foi
denunciado pela mãe da garota, na Delegacia de Combate à Exploração da Criança
e do Adolescente (Dceca), em 10 de maio de 2019. As defesas dos réus negam os
crimes e alegam que a mãe da menina inventou a história, após ser ameaçada de
perder a guarda da criança.
Segundo
o boletim de ocorrência, a menina revelou aos parentes ter sofrido abuso sexual
após assistir a um vídeo educativo na escola e perceber o que havia ocorrido
com ela. A garota contou detalhes dos atos, que muitas vezes eram acompanhados
de filmes pornográficos na TV. Segundo o relato, a vítima apresentou tumores e
manchas brancas nos órgãos genitais, meses antes da denúncia.
Em
depoimento à Polícia Civil em 13 de maio deste ano, a criança disse que o casal
fazia sexo na sua frente e também a tocava. "Disse que o coronel sempre
pedia para ela que não contasse nada para ninguém, dizendo-lhe o seguinte:
'Você é só minha! Isso é só meu!'", descreve o termo de declaração da
vítima, que acrescenta que o militar tinha o costume de presentear a menina e
de dar dinheiro para a namorada comprar presentes para a garota no shopping.
Os
exames realizados pela Perícia Forense do Ceará (Pefoce) no corpo da vítima não
encontraram esperma e atestaram que a membrana himenal e o ânus da criança
estavam íntegros. Apesar dos resultados, a Polícia Civil indiciou o coronel
Jaime Neto e Lorena de Melo, em 9 de setembro.
"Insta
assinalar que a não constatação de vestígios não exclui a ocorrência de
violência sexual, mormente pelo fato dos crimes contra a dignidade sexual serem
praticados, via de regra, de forma extremamente efêmera e na clandestinidade,
longe de eventuais testemunhas e sob ameaça ou recompensa da perpetuação do
sigilo", considera o relatório final do inquérito policial.
Em
outro trecho, os investigadores concluem que "a pouca idade da vítima, ao
revés de diminuir a força probatória dos seus relatos, presta-se para trazer
ainda mais credibilidade às suas declarações, porquanto descrevem fatos que não
guardam relação com a compreensão sadia de mundo infantil".
Alegações
da defesa
Ao
ser interrogado pela Polícia Civil, o coronel contou que Lorena se tornou sua
namorada apenas em março de 2019. Quanto à menina, somente no fim do ano
passado ela teria passado a frequentar sua residência. O oficial acrescentou
que tem uma filha adolescente e que se acostumou a conviver com outras
crianças, familiares de ex-companheiras, sem denúncias anteriores.
Já
a universitária acusada afirmou que passava os fins de semana com a menina e a
levava para a casa do namorado porque a mãe da criança a abandonava sozinha em
casa, inclusive sem alimentação. Ela acrescentou que já havia cobrado da mãe da
menina sobre a situação e pensava em pedir a guarda da criança na Justiça, o
que motivou a mulher a realizar "falsas acusações" contra o casal.
Os
advogados de defesa foram procurados e não responderam sobre as acusações. No
processo, os advogados Leandro Vasques, Holanda Segundo, Afonso Belarmino e
Gabrielle de Melo, que representam o coronel, alegam que a mãe da vítima prestou
depoimentos que trazem "versões incongruentes entre si e em clara
contradição em relação àquelas aventadas pelas testemunhas".
Já
os advogados Mateus Henrique Rodrigues Araújo e Wyllerson Matias Alves de Lima,
defensores da universitária, afirmam que "jamais houve qualquer tipo de
conduta inadequada da requerente e da pessoa de Jaime (...) muito menos
qualquer odioso ato de abuso sexual". Conforme a defesa, a criança
"foi induzida pela mãe para inventar as malfadadas acusações".
Denúncia
aceita
O
Ministério Público apresentou a denúncia à Justiça Estadual no dia 24 de
setembro deste ano e rebate a versão da defesa dos réus: "inexiste, nos
autos, prova minimamente razoável de que a mãe da vítima possuía motivos para
engendrar comunicação falsa de crime". O órgão informou ao G1 que não pode se pronunciar sobre o
processo por envolver violência sexual praticada contra vulnerável.
A
acusação foi aceita pela 12ª Vara Criminal dois dias depois e confirmada no
início de novembro deste ano. "Entendo que a denúncia apresentada pelo
representante do Ministério Público, na presente ação penal, narra de forma
satisfatória os detalhes, os fatos referentes à suposta ação criminosa e o
modus operandi dos denunciados, não se vislumbrando razões pelas quais seria a
denúncia inepta", considera a juíza responsável pela Vara.
"Claramente,
trata-se de uma ação penal de extrema complexidade e vejo como medida
indispensável a produção de provas em Juízo, especialmente a oitiva da
infante", conclui a magistrada.
Reserva
Remunerada
O
coronel Jaime Neto informou à Polícia Civil que está nos quadros da Polícia
Militar do Ceará há 34 anos e que é um "militar vocacionado". De
acordo com publicações do Diário Oficial do Estado (DOE), o PM já foi
comandante de um Batalhão da Polícia Militar em Fortaleza, trabalhou na
segurança da presidência do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), foi chefe da
Coordenadoria de Defesa Social, da Secretaria da Segurança Pública e Defesa
Social (SSPDS), e esteve na Casa Militar do Governo do Estado.
Na
Casa Militar, o réu chefiou a Unidade Militar da Vice-Governadoria, entre julho
de 2018 e junho de 2019 - um mês após o início das investigações por estupro de
vulnerável. Antes, em março deste ano, o militar foi promovido a coronel.
Depois, foi transferido para a Reserva Remunerada e não está mais exercendo
funções na Instituição, segundo a própria Polícia Militar.
Investigação
administrativa
A
Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema
Penitenciário (CGD) informou que “determinou a instauração de Investigação
Preliminar para a devida apuração do fato na seara administrativa, estando
esta, atualmente, em andamento. As investigações possuem caráter reservado”.
A
defesa do coronel afirmou, no processo, que o cliente "apresenta inúmeros
destaques em sua trajetória profissional, ao longo da qual prestou relevantes
serviços à nossa Segurança Pública". E citou um exemplo de um trabalho
realizado pelo oficial, em um Conselho Comunitário, em que "foi
solucionado o problema de mais de 50 crianças que se encontravam em situação de
risco no Terminal da Lagoa, com o cadastramento, localização dos pais,
fornecimento de alimentação e encaminhamento a abrigos".