(Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO) |
Não
foi o primeiro encalhe de baleia que cobri. Em 2017, no final de setembro, fiz
a morte de uma baleia jubarte adulta, com as mesmas dimensões – 40 toneladas
distribuídas em 14 metros – também em Coutos, no Subúrbio de Salvador. Na
sexta-feira (30), então, fui ciente de que: 1) não devo me aproximar da baleia
porque ela libera substâncias tóxicas; 2) vou sentir o pior odor do mundo
inteiro de novo.
No
local, respeitei a observação número 1. Entrevistei a bióloga Luena Fernandes,
do Instituto Baleia Jubarte, a cerca de 5 metros do cadáver do animal. Depois
de pegar as informações e contexto do encalhe, me disse o que eu já esperava
ouvir: “É extremamente perigoso que as pessoas se aproximem dela, especialmente
agora, morta, e com ferimentos expostos”. Eu, que já tinha apurado o
suficiente, saí do local. Tinha outra pauta, no Centro.
Desembarquei
do carro já com a cabeça pesada. Meus olhos pareciam carregar areia e estavam
sensíveis à claridade. Achei que fosse o tempo - fazia um mormaço daqueles –
mas eu suava frio. Passei mal na entrevista com o reitor da Universidade
Federal da Bahia (Ufba), João Carlos Salles – que notou minha instabilidade e
adiantou as respostas. Me desculpei e voltei para a redação, onde fui alertada
por colegas sobre o inchaço dos olhos.
Pensei
que minha pressão tivesse caído, que eu tinha me alimentado mal no café ou que,
sei lá, estivesse num dia ruim qualquer. O que sequer considerei, confesso, foi
a possibilidade de ter me intoxicado por uma substância liberada pelo corpo da
jubarte adulta que atraiu dezenas de moradores à sua volta. Mas foi o
diagnóstico que recebi no Hospital da Bahia, onde busquei ajuda depois de
sentir que o mal-estar havia piorado consideravelmente.
Contei
ao médico que cheguei em casa, depois do trabalho, e dormi por umas três horas.
Acordei, no entanto, com alguma dificuldade de respirar. Meus olhos, que
estavam apenas inchados, já apresentavam vermelhidão num nível conjuntivite.
Depois de um exame de sangue que atestou que eu estava bem clinicamente, com
atenção para a pressão baixa, fizeram dois testes de alergia em mim; um no
braço, outro nas costas. O resultado foi neutro para ambos.
O
médico, então, perguntou o que eu havia feito "fora dos padrões"
aquele dia. Eu, que diariamente vivo emoções atípicas nas coberturas da vida,
respondi: nada. Ele disse que era estranho, que eu apresentava um quadro de
intoxicação.
A
palavra, então, me lembrou as benditas "substâncias tóxicas" citadas
pela bióloga: "Ah, eu cobri o encalhe de uma baleia", disse. Ele, sem
nem pensar muito, garantiu: "É isso". Achei estranho, porque
não-cheguei-tão-perto-da-baleia-pois-sei-que-ninguém-deve-ficar-próximo-àquela-imensidão-de-bicho-depois-que-ele-morre-já-que-os-riscos-são-enormes,
pensei.
A
explicação do doutor, no entanto, envolveu algumas questões: ele disse que não
importa se eu tive, ou não, o contato físico – porque algumas das tais
substâncias podem ser contagiosas só de respirar no ambiente. Também falou que
o fato de ser asmática pode ter favorecido a reação.
Por
último, me deu a maravilhosa notícia de que fiz muito bem em ter procurado a
emergência. "Imagina, você ia ser notícia amanhã: 'repórter morre após ser
infectada por baleia'", brincou. Gargalhadas à parte, reforçou ele, àquela
altura eu podia estar enterrada.
O Povo