O
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Felipe Santa Cruz, informou, na noite desta segunda-feira, 29, que vai ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedir que
o presidente Jair Bolsonaro diga o que sabe sobre o
desaparecimento do seu pai, Fernando Santa Cruz, durante a ditadura militar.
“O
presidente da OAB vai interpelar o presidente da República no STF para que o
presidente esclareça as informações que diz ter sobre a morte de seu pai,
reconhecido como desaparecido. As circunstâncias do seu desaparecimento nunca
foram esclarecidas pelo Estado”, diz nota da assessoria de imprensa da OAB.
Mais
cedo, Bolsonaro disse que pode
“contar a verdade” sobre como o pai de Santa Cruz desapareceu na ditadura
militar. “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o
pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer
ouvir a verdade”, disse Bolsonaro a jornalistas.
Felipe
é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, integrante do grupo Ação
Popular (AP), organização contrária ao regime militar. Ele foi preso pelo
governo em 1974 e nunca mais foi visto. Em 2012, no livro “Memórias de uma
guerra suja”, o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra revelou que o corpo de
Fernando foi incinerado no forno de uma usina de açúcar em Campos.
Depois,
Bolsonaro voltou a se manifestar, em transmissão ao vivo no Facebook, para
dizer que Fernando fazia parte do “grupo terrorista mais sanguinário que
tinha”. Ele também negou que o pai do presidente da OAB tenha sido morto pelas
Forças Armadas.
“Ninguém
duvida que havia ‘justiçamentos’ de pessoas da própria esquerda. Quando
desconfiavam de alguém, simplesmente executavam”, afirmou o presidente. “Essa é
a minha versão, do contato que tive com quem participou ativamente do nosso
lado naquele momento para evitar que o Brasil se transformasse numa Cuba.”
No
relatório da Comissão da Verdade, responsável por investigar casos de mortos e
desaparecidos na ditadura, não há registro de que Fernando tenha participado de
luta armada.
Morte
“causada pelo Estado”
A
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada ao governo,
emitiu uma retificação de atestado de óbito de Fernando Santa Cruz, na semana
passada, na qual reconhece que sua morte ocorreu “em razão de morte não
natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”.
Segundo
o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao qual a Comissão é
vinculada, o atestado de óbito foi emitido pela Comissão e está “em trâmite o
encaminhamento de petição da família ao cartório”.
“Caso
o assento seja retificado até a data de 26 de agosto de 2019, a Comissão
planeja entregar a Certidão à família nesta data, na cidade de Recife/PE”, diz
a nota da assessoria de imprensa da pasta.
No
atestado de óbito, também consta que Fernando Santa Cruz morreu provavelmente
no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro.
“Conforme
reconhecido às páginas 1.601/1.607, do Volume III, do Relatório Final da
Comissão Nacional da Verdade, instituída pela Lei nº 12.528, de 18 de novembro
de 2011, faleceu provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de
Janeiro/RJ, em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado
brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população
identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”, diz
o documento.
O
ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos também reforça que “Fernando
Augusto de Santa Cruz Oliveira foi reconhecido como desaparecido político no
ato de publicação da Lei 9.140, de 04 de dezembro de 1995, em seu Anexo I,
linha 41” e que “sua família foi indenizada por meio do Decreto 2.081 de 26 de
novembro de 1996”.
Crime
de responsabilidade
A
Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental defendeu
a apuração de crime de responsabilidade de Jair Bolsonaro pela declaração sobre
o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, durante o regime de exceção, em
fevereiro de 1974.
“A
infeliz declaração do presidente da República banaliza o desaparecimento
forçado e desrespeita a dor pungente de brasileiras e brasileiros que esperam e
procuram por seus entes desaparecidos, registrando-se que grande parte dos
desaparecimentos decorrem da ação das próprias forças de segurança do Estado, o
que configura grave violação aos Direitos Humanos garantidos na Constituição
Federal de 1988 e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948”, diz
a entidade de magistrados, em nota.
Segundo
AJD, “mais que isso, o presidente vilipendia o senso de moral e ética, violando
não o patrimônio material do Estado Brasileiro, mas o princípio máximo desta
República: a dignidade da pessoa humana”.
A
Associação Juízes para a Democracia declarou solidariedade com a família Santa
Cruz “que, como tantas outras, vive até hoje o drama da busca de informações
sobre as circunstâncias do desaparecimento de Fernando após sua prisão em 24 de
fevereiro de 1974”.
“AJD
exige a apuração e responsabilização do presidente da República pelo
cometimento do crime de responsabilidade por atentar contra a Constituição
Federal, nos termos do artigo 85, inciso V.”
Exame