Passar
alguns minutos perto de Dimas desperta, inevitavelmente, carinho e angústia. A
cabeça balança de um lado para o outro em sincronia com os dois passos para
frente e para trás.
Os movimentos, mecânicos, se repetem por minutos, horas.
Tanto na terra quanto na piscina na qual se refresca. O comportamento teria
sido resultado dos maus tratos sofridos durante o período de 14 anos,
aproximadamente, em que foi explorado por um circo. O urso Dimas e sua
companheira de alojamento Kátia vivem há cerca de dez anos no Zoológico
São Francisco, administrado pelo Santuário de Canindé (a 110 km de Fortaleza).
Hoje
os ursos-pardos (ursus arctos) estão no meio de uma disputa. O conflito é
protagonizado por instituições que alegam defender o bem estar dos bichos.
Entidades se dividem sobre qual seria o melhor destino: continuar em Canindé ou
ir para o Santuário Rancho dos Gnomos, em Cotia (SP).
Em
setembro, o Instituto Luisa Mell iniciou campanha para realocar os ursos,
principalmente por causa da temperatura mais baixa. Para arrecadar os R$
300 mil estimados para os gastos da mudança, ela movimentou as redes sociais
com a hashtag #libereosursos. No dia 30 de novembro,
a Superintendência Estadual de Meio Ambiente (Semace) apresentou relatório
técnico elaborado por fiscais ambientais.
Conforme
o documento, o Zoológico de Canindé "atende de modo parcial às
exigências relacionadas na legislação aplicável à operação do
empreendimento". Dos 12 critérios previstos na Instrução Normativa do
Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis), oito foram atendidos. Um foi resolvido posteriormente, restando
três exigências pendentes.
"Nossa
intenção é continuar cuidando deles. Se, de fato, a Semace orientar que devem
ser transportados para outro local, claro que vamos obedecer. Não queremos
permitir que nossa imagem seja denegrida como está sendo nas redes
sociais", diz o frei Marconi Lins, reitor da instituição que abriga
os ursos.
"Não
somos donos dos animais. Apenas somos guardiões", completa.
Conforme
Henrique Weber, veterinário do Zoológico de Canindé, nenhum ponto da instrução
normativa cita a questão da temperatura. "Esses ursos não são siberianos,
são pardos americanos. Tem ursos dessa espécie na Califórnia. A diferença de
temperatura para lá é de 2°C, 3°C, insignificante para um mamífero",
defende.
Gabriela
Moreira, protetora de animais e membro da Associação Viva Bicho, afirma:
"A gente vai ter que judicializar (a disputa). Vamos pegar o parecer de um
especialista em ursos. Não é uma situação de maus tratos, é porque o zoológico
não tem uma estrutura de suporte para o animal".
"Não
tenho dúvidas de que a boa vontade é muito grande. A gente, como protetor,
agradece o zoológico por ter aceitado o Dimas quando ninguém queria aceitar.
Mas, agora surgiu uma situação melhor. O Rancho dos Gnomos fica a 1.100 metros
de altitude", frisa. "Apareceu uma oportunidade em que eles vão ficar
em situação melhor. Por que não deixá-los ir?", questiona.
Conforme
a médica veterinária Samia Roriz Monteiro, mesmo adaptados, não é recomendável
que os ursos permaneçam em Canindé. "De preferência, era para os animais
irem para um local fora do País. Mas se não houver essa possibilidade, se vão
ficar aqui, têm que ir para uma região mais fria".
A
reportagem entrou em contato com Frank Alarcon, biólogo do Instituto Luisa
Mell, que informou que "a orientação dos advogados é, neste momento,
não conceder entrevistas". "Em breve nos posicionaremos publicamente
a respeito. Estamos tomando as medidas judiciais que achamos serem
cabíveis", informou.
Santuário de Canindé
Surgimento
A
criação do zoológico se deu em razão da fé do romeiros, que levavam bichos
para São Francisco. Inicialmente, alguns animais foram colocados em pequenos
recintos no pátio da entrada para o Convento de Santo Antônio. No ano de 1974
foi construído um pequeno zoológico em frente ao museu. Com a construção da
Praça dos Romeiros, foi idealizado um novo espaço. A obra foi executada pela
Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente e a Casa de São
Francisco, sob a orientação do Ibama. A inauguração foi feita pelo então
governador do Ceará, Tasso Jereissati, em 13 de março de 1991.
Animais
Cerca
de 400 animais vivem no local. Dentre os mamíferos, além dos ursos pardos, há
coati, guaxinim, macaco-prego, raposa, leão, onça-pintada e veado-catingueiro.
Lá também se encontram répteis das espécies jabuti-piranga, jabuti-tinga,
jacaré-tinga, jiboia, tartaruga-da-amazônia, teju, tartaruga tigre-d'água,
tracajá, cobra do milho e cagado-cabeçudo. Além das aves das espécies sabiá
branca, papagaio cacau, papagaio moleiro, ararajuba, papacum, bicudo, avestruz,
perdiz, galo-de-campina, coruja murucututu.
Esclarecimento da Semace
A
Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) esclareceu, por meio de
nota, que o Relatório Técnico do órgão "não autoriza ou desautoriza a
transferência dos dois espécimes da espécie Ursus arctos (ursos Dimas e Kátia)
que estão no plantel do Zoológico de Canindé, para quaisquer empreendimentos,
haja vista não haver sequer solicitação formal protocolada nesta autarquia
estadual de meio ambiente para que tal transferência ocorra".
O
segundo ponto da nota afirma que "considerando também o Relatório Técnico
elaborado pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), que concluiu
que os animais não estão em situação de maus-tratos, a transferência dos ursos
pode ocorrer, desde que em comum acordo com os empreendimentos interessados e
sendo verificada a regularidade do empreendimento de destino junto ao órgão
competente, não cabendo à Semace intervir na situação atual".
Parecer Técnico
O
Relatório Técnico nº 4202/2018, elaborado pela Superintendência Estadual do Meio
Ambiente (Semace), em resposta ao Ofício nº 200/2018-GPJ do Ministério Público
do Estado do Ceará, considerou 12 critérios de análises previstos na
Instrução Normativa do Ibama.
1. Placa informativa
Normativa
- constar, no mínimo, os nomes comuns e científicos das espécies dos espécimes
ali expostas, a sua distribuição geográfica e a indicação quando se tratar de
espécies ameaçadas de extinção
Situação
- contém apenas o nome do espécime
Conformidade
- NÃO (posteriormente corrigido)
2. Afastamento mínimo do público em relação ao recinto
Normativa
- 1,5 m
Situação
- 1,7 m
Conformidade
- SIM
3. Espelho d'água
Normativa
- 15 m² de área e 1 m de profundidade
Situação
- 20,17m² de área e 1,35 m de profundidade
Conformidade
- SIM
4. Área do recinto (para dois indivíduos)
Normativa
- 200 m²
Situação
- 178,41m²
Conformidade
- NÃO
5. Altura do recinto
Normativa
- 4 m
Situação
- 4,41 m
Conformidade
- SIM
6. Piso
Normativa
- grama e areia
Situação
- grama e areia
Conformidade
- SIM
7. Ambientação 1
Normativa
- rochas ou plataformas em diferentes níveis
Situação
- manilha
Conformidade
- NÃO
8. Ambientação 2
Normativa
- troncos e árvores de médio porte
Situação
- um tronco e árvores em estágio inicial de desenvolvimento
Conformidade
- SIM
9. Cambiamento
Normativa
- 6 m²
Situação
- dois cambiamentos, de 10,20 m² e 8,76 m²
Conformidade
- SIM
10. Maternidade
Normativa
- 10 m²
Situação
- 10,26 m²
Conformidade
- SIM
11. Nível de Segurança
Normativa
- trava com cadeado e corredor de segurança
Situação
- trava com cadeado
Conformidade
- NÃO
12. Documentos comprobatórios da origem dos espécimes
Normativa
- apresentar
Situação
- documentação apresentada
Conformidade
- SIM
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