“Assustador” é o adjetivo que o “Mapa
da Violência 2016: Homicídios por Arma de Fogo no Brasil” usa para indicar o crescimento do
número de homicídios provocados por arma de fogo em capitais do Nordeste –
notadamente Fortaleza, que ocupa o primeiro lugar no ranking que elenca as
maiores taxas de mortes em 2014. A capital cearense tem taxa de homicídios por
arma de fogo de 81,5 para cada 100 mil habitantes.
Esse tipo de crime foi o que vitimou o
irmão do empresário Fontenele Filho, 26, em 1999. Thiago Fontenele, de 21 anos,
estava no carro e deixava a namorada em casa, quando um homem armado disparou
um tiro contra seu olho direito. “O executor não esboçou nenhuma intenção em
abordá-lo. Simplesmente atirou.” Thiago ficou três dias internado e teve morte
cerebral.
Da virada do século até a década
atual, milhares de situações assim se repetiram, fazendo com que o número de
homicídios por arma de fogo em Fortaleza saltasse de 422 em 2004 para 2.026 em
2014 – variação de 380%.
Este último ano do recorte do Mapa da
Violência foi quando a cidade viveu um pico de homicídios. É o que explica o
sociólogo Ricardo Moura, do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade
Federal do Ceará (UFC).
Motivos
Segundo o pesquisador, a dinâmica de
mortes intencionais provocadas por arma de fogo em Fortaleza é bastante
complexa, mas ele aponta alguns fatores que fazem parte dela, como a expansão
do tráfico de drogas, que passou a deter territórios maiores e a ter acesso a
armas, o grande número de jovens entre a população da cidade (segundo o Mapa da
Violência, pessoas entre 15 e 29 anos, principalmente homens, são a maioria das
vítimas de homicídios por arma de fogo no Brasil), o crescimento urbano
desordenado e o desenvolvimento econômico que provoca desigualdade.
“Em geral, as pessoas morrem em locais
próximos de suas residências e em áreas de vulnerabilidade, precárias do ponto
de vista de saneamento e acesso a serviços. Ou seja, já há uma realidade ali
desafiadora para os moradores e, aí, entra o componente da violência, que gera
uma devastação muito grande para uma área que já é bastante vulnerável”.
De acordo com Moura, outro componente
dessa dinâmica foi a incapacidade da Polícia Civil e da Justiça de acompanhar a
profusão de crimes. “Nesse período, a Polícia Civil foi perdendo sua capacidade
de investigar e de dar respostas mais rápidas e ágeis. Os crimes foram se
sucedendo e a polícia não conseguia identificar autores, punir. Temos também um
sistema judiciário ainda incapaz de dar conta dessa expansão de ocorrências. As
estruturas do Poder Judiciário refletem uma realidade que hoje já mudou: temos
as mesmas varas do juri e são poucos os processos julgados para a quantidade de
crimes que ocorreram.”
O assassinato de Thiago Fontenele
reflete essa realidade. Segundo Fontenele Filho, as investigações sobre a morte
do irmão não chegaram aos verdadeiros autores nem à motivação do crime. “Teve
muita investigação, mas com pouco resultado. À época, houve muita pressão da
imprensa e a polícia trabalhou até como resposta à mídia. A gente tem convicção
de que o resultado não foi real.”
Embora retrate um cenário recente, o
Mapa da Violência ainda não analisou os resultados das novas ações de combate
ao crime em Fortaleza. Após 2014, a capital começou a apresentar sucessivas
quedas no número de mortes violentas.
Entre 2014 e 2015, segundo dados da
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, a capital reduziu 17%
dos chamados Crimes Violentos Letais Intencionais. Entre janeiro e julho deste
ano, a redução foi 37% se comparado com o mesmo período do ano passado.
“De 2015 para cá, começamos a ver um
decréscimo dessas mortes, o que deverá ser observado no Mapa da Violência do
ano que vem. No entanto, isso não significa que esta não seja uma situação
chocante, que ultrapassa qualquer limite razoável de níveis de violência. Ainda
que os números estejam caindo, eles são bastante altos e extrapolam os
indicadores internacionais de violência e homicídios”, diz Ricardo Moura.
Os dados preliminares de agosto, por
exemplo, mostram que houve 77 homicídios em Fortaleza até o dia 22. Desses, 70
foram ocasionados por armas de fogo. Os dados são computados pela Secretaria de
Segurança.
Integração
Desde 2014, as forças de segurança do
Ceará fazem um trabalho integrado entre as polícias Civil e Militar e o Corpo
de Bombeiros que foi batizado de Em Defesa da Vida. Todo o estado foi dividido
em 18 Áreas Integradas de Segurança, sendo seis em Fortaleza. Cada área tem
metas de redução de crimes e os locais onde há ocorrências são
georreferenciados, com informações sobre dia e horário dos fatos, para indicar
possíveis ações de combate à criminalidade.
Segundo a secretaria, além da redução
no número de mortes violentas, as ações do programa também possibilitaram a
apreensão de mais de 10 mil armas nos últimos 19 meses.
Para o pesquisador, houve uma
racionalização da ação policial no Ceará, com o melhor gerenciamento do efetivo
e o estabelecimento de metas para alcançar os resultados. Quando foi criado, o
Programa Em Defesa da Vida tinha como meta a redução de 6% no número de crimes
violentos letais no estado.
“De três anos para cá, os resultados
da ação policial passaram a ser mensuradas e o efetivo foi melhor distribuído
territorialmente. Para que se possa ter um trabalho de política pública, é
preciso criar métricas. Isso gera em pouco tempo um bom resultado e contribui
para vermos a perspectiva de tendência de queda”.
Fonte: Tribuna do Ceará