A proposta do ministro Ricardo Barros
de criar planos de saúde populares com cobertura mais básica, divulgada há duas
semanas, nem será capaz de aliviar a falta de recursos do Sistema Único de
Saúde (SUS) nem vai agilizar o atendimento a pacientes com doenças mais
complexas. E ainda pode ter efeito contrário, de desorganizar o sistema e
atrasar o início de alguns tratamentos. Essa é a visão de vários especialistas
em saúde pública ouvidos pelo Estado e reforçada por dados do próprio
ministério.
Segundo a
pasta, o gasto com ações de atenção básica, como consultas em postos de saúde,
representou, no ano passado, 13,7% do orçamento do ministério, enquanto as
despesas com procedimentos de média e alta complexidade, como internações e
cirurgias, consumiram 42,1%. “Não consigo entender isso como uma solução, pelo
contrário, porque muito da alta complexidade quem banca e vai continuar
bancando é o SUS. Então a gente percebe que é uma medida que, do ponto de vista
técnico, parece não ter justificativa e que vai na contramão do que vem sendo
feito pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que é evitar planos com
baixa cobertura”, diz Walter Cintra Ferreira Junior, professor e coordenador do
curso de especialização em administração hospitalar e de sistemas de saúde da
Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para Claudia
Travassos, pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação Científica e
Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o estímulo a planos de
baixa cobertura não atenderá às necessidades de saúde da população nem trará
economia para o ministério. “O SUS vai continuar arcando com o que é mais caro,
portanto, precisando de mais dinheiro. Ou isso é uma ficção ou é uma forma de
enganar as pessoas”, afirma.
Demora. Os
especialistas dizem que os clientes que optarem por um plano de saúde com
cobertura restrita poderão ter dificuldades caso precisem de atendimento mais
complexo, como uma cirurgia ou um tratamento contra câncer.
“Pode atrasar
o início do tratamento para alguns pacientes porque eles podem até conseguir a
primeira consulta e o diagnóstico no plano, mas não conseguirão ter
continuidade e terão de voltar no início do caminho no SUS, porque não
conseguirão usar o encaminhamento do plano na rede pública”, diz Mario
Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP e um dos vice-presidentes
da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
“Isso gera
mais gastos, porque vai exigir a realização de novas consultas. Quebra com a
organização de um cuidado mais sistêmico e parece que só vem atender aos
interesses do setor privado de planos, porque não atende aos interesses nem da
saúde nem do ministério nem da população”, diz Claudia.
Scheffer
afirma que, mesmo hoje, com a regulação feita pela ANS, clientes de planos de
saúde com cobertura básica já enfrentam dificuldades. “A gente já conhece esse
plano de menor preço com rede credenciada reduzida. Eles acabam criando
obstáculos e barreiras para a assistência. Essa medida de criar planos
populares poderia piorar esse quadro.”
A estudante
Mayr Santos Teixeira, de 28 anos, foi uma das vítimas da demora na autorização
de um tratamento oncológico por parte do plano. Em 2009, ela foi diagnosticada
com leucemia aguda e foi avisada pelos médicos de que poderia morrer se não
iniciasse a quimioterapia em dez dias. “Meu plano só foi aprovar o tratamento
20 dias depois. Por sorte, tive a ajuda de uma médica para conseguir o
tratamento pelo SUS e pude começar mais rápido. Acabei fazendo todas as sessões
de químio na rede pública porque o plano dificultava demais. Mas tenho vários
amigos que morreram no meio do caminho por não conseguir nem no plano nem no
SUS”, conta.
Fonte: Ceará Agora