A adolescente de 16 anos que teve imagens publicadas
nas redes sociais depois de ser vítima de estupro coletivo disse ontem, em
depoimento a policiais da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática
(DRCI), da Polícia Civil do Rio, que foi atacada por 33 homens armados de fuzis
e pistolas. Ela contou que, no último sábado, fora visitar o namorado no morro
do Barão, na Praça Seca, zona oeste carioca, e só lembra de ter acordado, no
dia seguinte, “dopada e nua”, em uma casa desconhecida, cercada pelos
agressores.
De acordo com o Jornal Nacional, da TV
Globo, quatro homens já foram identificados e tiveram a prisão preventiva
pedida: Marcelo Miranda, Michel Brasil, Lucas Santos e Raphael Belo. Dois deles
publicaram as imagens na internet e outro aparece no vídeo divulgado nas redes
sociais.
No depoimento à Polícia Civil, reproduzido no site
da revista Veja, a vítima contou que, depois de acordar, vestiu roupas
masculinas e pegou um táxi para casa, no bairro da Taquara, também na zona
oeste. A jovem é mãe de um menino de 3 anos.
Ainda de acordo com o depoimento, ela soube, na
terça-feira, que um vídeo com imagens suas depois do estupro havia sido
divulgado nas redes sociais e em sites de relacionamento. Nesse mesmo dia,
segundo as informações prestadas à polícia, ela voltou à favela e cobrou do
chefe da quadrilha dos traficantes de drogas, não identificado, que devolvesse
seu celular, possivelmente furtado no dia do estupro coletivo.
Segundo a jovem, o traficante disse não ter
encontrado o celular, mas prometeu ressarcir-lhe o prejuízo. Disse também que
se informaria sobre o estupro. A jovem identificou o namorado apenas como
Petão, de 19 anos, que conheceu no colégio onde ambos estudam. A vítima disse
que se relaciona com Petão há três anos. Ela afirmou que costumava usar
ecstasy, lança-perfume e cheirinho da loló, mas que há um mês não se drogava.
No depoimento, a adolescente disse que está
“profundamente abalada” e que, desde que foi estuprada, tem sentido muitas
dores internas. Na manhã de ontem, ela foi submetida a exames no setor de
ginecologia de uma maternidade da rede municipal de saúde. “Quando acordei,
tinha 33 caras em cima de mim. Só quero ir para casa”, disse ela ao sair do
hospital, em declaração reproduzida no site do jornal O Globo.
Antes do exame médico, ela prestou depoimento e foi
periciada no Instituto Médico-Legal (IML). O pai, que a acompanhou na perícia,
disse que, ao chegar em casa no domingo, encontrou a filha “gemendo de dor”.
Em entrevista à rádio CBN, a avó afirmou ter
ficado chocada com o vídeo, em que um dos homens faz menção a mais de 30
estupradores e afirma: “Essa aqui, mais de 30, engravidou”. “O vídeo é
chocante, eu assisti, ela está completamente desligada”, disse a avó.
Segundo ela, a neta tem o hábito de passar alguns
dias sem dar notícias, mas que a família nunca soube que tenha sofrido abusos
sexuais. A avó levantou a suspeita de que o estupro coletivo tenha sido
“vingança” do namorado, que teria suspeitado de uma traição da garota. Os nomes
da jovem e de seus parentes são mantidos em sigilo pela polícia.
Investigação
A publicação e o compartilhamento do vídeo da vítima
depois do estupro causaram indignação entre internautas, que pediram que ninguém
mais divulgasse o vídeo. As imagens mostram o órgão genital da jovem e a
narração do responsável pela publicação: “Olha como tá (sic). Sangrando. Olha
onde o trem passou. Onde o trem bala passou a marreta”.
Um dos responsáveis pela publicação no Twitter,
identificado como Michel, escreveu: “Amassaram a mina, intendeu (sic) ou não
intendeu (sic) kkkkk”. Foi publicada também uma fotografia de um dos homens
diante do corpo da jovem deitado em uma cama.
O caso também é investigado pelo Ministério Público
do Rio de Janeiro (MP-RJ), que recebeu uma denúncia anônima do estupro coletivo
e da divulgação das imagens nas redes sociais. Segundo o MP-RJ, cerca de 800
comunicações do caso foram feitas à Ouvidoria. A promotoria pediu que agora
sejam encaminhadas apenas denúncias que tenham informações novas sobre o caso.
Barbárie
A Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro
(OAB-RJ) classificou o caso como “barbárie”. “Os atos repulsivos demonstram,
lamentavelmente, a cultura machista que ainda existe, em pleno século 21”, diz
a entidade em nota. “Um estupro coletivo, com requintes de crueldade, no qual
vários indivíduos perpetuaram a humilhação expondo, nas redes sociais, a dor da
vítima”, afirma a entidade.
A OAB-RJ atenta ainda para o fato de que, para cada
caso público de estupro, tantos outros permanecem ocultos, sem repercussão.
“Precisamos lutar contra a violência em cada lar, em cada comunidade, em cada
bairro. A revolta e a mobilização são claros indícios de que a indignação
social se faz fortemente presente”, diz a nota.
Diante do ocorrido, a OAB-RJ afirma que frases machistas,
piadas sexistas e propagandas que tornam a mulher um objeto sexual devem ser
combatidas, “sob o risco de se tornarem potenciais incentivadoras de
comportamentos perversos”. A entidade está oferecendo assistência jurídica à
família e afirma esperar que a lei prevaleça na punição aos responsáveis. /
COLABOROU IDIANA SILVEIRA TOMAZELLI
Fonte: Estadão