O DCM teve acesso à relação completa
dos vôos de Aécio Neves durante os 7 anos e três meses de seu governo em Minas
Gerais, entre 2003 e 2010, através da Lei de Acesso à Informação.
O uso que Aécio fez dos dois jatos, um Citation e um Learjet, um helicóptero
Dauphin e um turboélice King Air pertencentes ao estado é um caso de estudo em
matéria de patrimonialismo.
Foram
1430 viagens ao todo, 110 com pouso ou decolagem do famoso aeroporto de
Cláudio, construído nas terras do tio Múcio Toletino, que ficou com a chave por
um bom tempo.
Pelo menos 198
vezes ele não estava a bordo. Um decreto de 2005 estabelece que esse
equipamento destina-se “ao transporte do governador, vice-governador,
secretários de Estado, ao presidente da Assembleia Legislativa e outras
autoridades públicas” e serve “para desempenho de atividades próprias dos
serviços públicos”. A linha entre o interesse público e o privado é tênue.
Parte desses
empréstimos de aeronave foi objeto de matéria da Folha do início de novembro.
Parte.
A Folha
mencionou Luciano Huck, Roberto Civita, Boni, José Wilker, Milton Gonçalves e
Ricardo Teixeira (que fez seis vôos, três em 2006 e mais três em 2010. Um deles
com José Serra a bordo e outro, em 28 de agosto de 2007, com Ray Whelan,
acusado de envolvimento num esquema de venda ilegal de ingressos da Copa do
Mundo do Brasil. Whelan chegou puxar cana no Complexo de Bangu.)
A lista
completa, no entanto, traz muitas outras surpresas.
Fernando
Henrique Cardoso usou os aviões e o helicóptero em pelo menos dez ocasiões, sem
a presença do governador. A maioria em 2006 (três, uma delas com uma
“comitiva”) e 2008. Em quatro viagens o pacote foi completo: de Belo Horizonte
direto para São Paulo.
Roberto Irineu
Marinho, um dos donos da Globo, foi de BH a Brasília em 11 de setembro de 2007.
No dia seguinte, da capital mineira a Diamantina. Esteve acompanhado do então
senador Sérgio Guerra, do PSDB.
Ex-presidente
do partido, Guerra foi citado pelo delator Paulo Roberto Costa, que afirmou ao
Ministério Público Federal ter dado propina ao tucano para ajudar a esvaziar
uma CPI da Petrobras de 2009. Morreu em 2014, aos 66 anos, de câncer no pulmão
(foi substituído por Aécio).
A Fundação Roberto Marinho tem várias
obras de restauração em MG. Em Diamantina fica a Casa de Chica da Silva. É uma
relação boa: Aécio, por exemplo, pavimentou uma estrada no interior que faz um
desvio na fazenda dos Marinhos em Botelhos, produtora de um café de alta qualidade.
O amigo
Alexandre Acciolly foi premiado, também. Dono de academias de ginástica, sócio
do Gero e do Fasano, bon vivant, ele é da turma carioca de Aécio, integrada por
Huck, Mário Garnero e outros. Foi padrinho do casamento de Aécio com Letícia
Weber em 2013, no Rio.
Cabo eleitoral
do amigo, ele deu uma entrevista à revista Alfa, em 2012, em que admitiu que
foi sonegador: ”Eu tomava decisões de risco na minha empresa de telemarketing.
Não tinha dinheiro para investir e minha carga tributária era de 40%. Eu ia
pagar imposto ou comprar computador e pagar salário? Eu falei: ‘No c*,
imposto!” Em abril de 2009, voou no Dauphin até Confins (com Aécio, passeou
mais quatro vezes).
Houve espaço
até para o presidente do Rotary International, Dong Kurn Lee, e Hipólito Ferreira,
ex-membro de um certo Comitê de Revisão da entidade. Em setembro de 2008, eles
viajaram de helicóptero de Belo Horizonte a Ouro Preto com suas respectivas
senhoras.
A generosidade
com a própria família é enorme. Tios, primos (inclusive Tancredo Tolentino, o
Quedo, que seria denunciado em 2012 por negociar a compra de
habeas corpus de dois traficantes), ex-mulher, parentes, contraparentes —
todos voaram. Andrea Neves, a irmã de Aécio, esteve em São João del Rey,
Brasília, Viçosa e Rio de Janeiro, com e sem o irmão.
Para quem era,
no papel, presidente do Serviço Voluntário de Assistência Social, é um bocado.
No debate da Band, Aécio, retrucou uma acusação de nepotismo de Dilma Roussef.
“Quero saber onde minha irmã trabalha”, disse ele, desafiador.
Bem, além do
tal cargo “voluntário”, Andrea era a responsável pela distribuição de verbas
publicitárias. Durante sua gestão, os gastos com publicidade subiram 300% (de
R$ 24 milhões para R$ 96 milhões). Uma parcela foi destinada aos veículos do
clã: as rádios Arco Íris, São João e Colonial, ambas de São João del Rey, e um
jornal também de lá.
A reverência
com relação a ela é tamanha que é das poucas identificadas como “Dra.” no
relatório. Sua xará Andrea Falcão, por exemplo, entra apenas com nome e
sobrenome. Andrea, ex-mulher de Aécio, mãe de Gabriela, voou para locais como
Rio de Janeiro, onde as duas moram, e em março de 2007 para Manaus (Sergio
Cabral também estava nessa).
Em 31 de março
de 2010, o King Air aterrissou na Cidade Maravilhosa com Andréa Falcão,
Gabriela Falcão Neves, Luiza Falcão e Matheus Falcão.
Todos os nomes
acima se juntam aos divulgamos, anteriormente, pela Folha. Luciano Huck,
companheiro de Aécio presente nas horas incertas como a “festa da vitória” em
2014, foi a Tiradentes em agosto de 2004. Alguns dias depois, com Sandy, Junior
e o empresário da dupla, rumou para Santa Bárbara. Estavam gravando um quadro
para o programa.
Milton
Gonçalves e José Wilker também foram usufrutuários, assim como Boni, que foi,
segundo ele, “fazer uma análise da TV Minas”.
Ricardo
Teixeira fez seis vôos, três em 2006 e mais três em 2010, um deles com José
Serra a bordo. O detalhe é que, em 28 de agosto de 2007, um dos passageiros era
Ray Whelan, executivo-chefe da Match Services acusado de envolvimento num esquema
de venda ilegal de ingressos da Copa do Mundo do Brasil. Whelan chegou a ser
preso no Complexo de Bangu.
Roberto
Civita, ex-dono da Abril, e a mulher Maria Antônia passaram o fim de semana de
27 e 28 de março de 2010 em Minas. O casal foi de Belo Horizonte a Brumadinho,
onde fica o fabuloso museu de Inhotim, no helicóptero. De volta à capital,
Aécio os levou a São João del Rey no Learjet. No domingo, pegaram novamente uma
carona nas hélices do Dauphin até Confins.
A listagem de
vôos, como foi dito, é grande e cada uma tem sua história com suas imbricações.
Outras serão contadas aqui.
Fonte: Diário do Centro do
Mundo.