A
maioria das primeiras páginas dos jornais do Reino Unido foi dominada por
imagens de um policial carregando o corpo sem vida de um menino de 3 anos de
idade, encontrado na costa turca.
Imagens similares foram mostradas na televisão na noite
anterior. Ele também apareceu em canais de TV do mundo todo, em muitos jornais
de toda a Europa, na Turquia, e em muitos países do Oriente Médio.
De acordo com a imprensa turca, o menino era Aylan Kurdi, de
Kobanî, no norte da Síria, e morreu com o irmão de 5 anos de idade. Eles
estavam entre doze sírios que se afogaram ao tentar chegar à ilha grega de Kos.
Esse é o tipo de imagem icônica que certamente será
republicado por muitos anos porque encapsula, em um único quadro, a tragédia de
pessoas que fogem da opressão dispostas a correr riscos extraordinários, a fim
de alcançar a segurança no Ocidente.
Foi uma imagem chocante que mesmo os editores que fazem
propaganda anti-refugiados semana a semana sentiram que era necessário dar a
ela visibilidade.
Ele estava nas primeiras páginas do Times, do Sun, do Daily
Mail, do Daily Mirror, do Metro e do Guardian. O Independent usou a imagem sem
dúvida mais angustiante do corpo lavado nas ondas, que alguns podem ter achado
de mau gosto (embora também tenha sido mostrada na televisão e pareceu
relevante para mim).
Estranhamente, o Daily Telegraph publicou a imagem do
policial levando a criança em uma página interna. Mais estranho ainda: o Daily
Express publicou a história dos “dois meninos mortos na praia”, mas não
utilizou a imagem.
Talvez esses editores sentiram que seus leitores não seriam
capaz de digerir. Talvez eles tenham pensado que era demasiado simpático aos
refugiados. Seja qual for o caso, as suas decisões estavam erradas. Ali estava
o corpo de um menino do Oriente, num lugar onde nunca iria chegar.
Ele humanizou o “enxame”, como o “Mail” reconheceu: “a
minúscula vítima de uma catástrofe humana”. A manchete do Metro dizia: “A
Europa não podia salvá-lo.” O Mirror colocou a culpa na Grã-Bretanha, dizendo:
“Deveria envergonhar os líderes esta imagem angustiante, incluindo David
Cameron, que se recusam a aceitar mais refugiados”.
Yasmin Alibhai-Brown, escrevendo no site “i”, também bateu no
primeiro-ministro, perguntando se a imagem pode “romper as fortalezas
emocionais e políticas.”
Ela argumentou que a imagem de uma menina fugindo de um
ataque de napalm no Vietnã em 1972 “mudou a opinião pública americana contra
aquela guerra terrível.” Poderia esta imagem do menino na praia mudar a opinião
pública britânica e / ou europeia? Será que vai tornar-se “um símbolo da
brutalidade ou da humanidade européia?”, ela perguntou.
Essa é certamente a pergunta certa, mas para além das fotos
de Aylan Kurdi, uma verificação rápida das outras manchetes e artigos sobre a
crise dos refugiados sugerem que é business as usual para a maioria dos
editores.
Havia uma mensagem clara: a Grã-Bretanha tem o direito de
recusar-se a acolher mais refugiados. O Mail protestou contra Angela Merkel e a
Comissão Europeia por “tentar chantagear o Reino Unido a aceitar mais sírios
requerentes de asilo”.
E várias das manchetes e matérias maiores foram dedicadas ao
“sofrimento” dos viajantes do Eurostar, cujos trens foram atrasados por
migrantes entrando no túnel da Mancha.
Em um editorial, o Sun procurou separar “migrantes meramente
econômicos” de “refugiados genuínos.” A Grã-Bretanha estava certa de conter “os
milhares reunidos em Calais”, mas Cameron deve fazer algo para aqueles que
correm perigo na Síria.
“A nossa nação”, ele disse, “tem um histórico orgulhoso de acolher
pessoas desesperadas e não devemos recuar a partir de agora”. Continua:
“O maior movimento de refugiados da Europa desde a Segunda
Guerra Mundial deve ser combatido na fonte. Cameron e Obama devem finalmente
levar a sério a trazer ordem para a Síria, Iraque e Líbia. ”
Mesmo se for viável, “trazer ordem” seria um projeto de longo
prazo. Enquanto isso, a crise é aqui e agora. Pode-se argumentar que é possível
detectar a partir do que foi exposto neste artigo que a imagem de Aylan Kurdi
teve uma influência benéfica.
Seria talvez ingênuo sugerir que a imagem de um corpo em uma
praia vai mudar mentalidades, mas eu gosto de pensar que sim.
Fonte: Diário do Centro do Mundo.