Manchada por escândalos e alvo de
uma CPI no Senado, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) parece sofrer de
um problema crônico. Mas, na opinião de especialistas consultados pela DW
Brasil, é possível reformá-la, sim. Para isso seria preciso uma transformação
profunda no futebol nacional, que ultrapasse as fronteiras da entidade.
Há um consenso entre os
especialistas de que o futebol deve ser encarado como uma questão de interesse
público, e a CBF, como uma associação privada que não está inserida num mercado
convencional, já que não tem concorrentes.
“Ela tem o monopólio da representação
do país, garantido por um sistema supra-estatal [a Fifa]. A CBF faz uso de
nosso hino, de nossa bandeira e nossas cores. Por isso, ela precisa prestar
contas. Os órgãos do governo devem fiscalizá-la”, defende Ricardo Borges
Martins, diretor executivo do Bom Senso F.C., movimento de jogadores que cobram
melhorias no futebol brasileiro.
Outro setor que pode cobrar uma
moralização do futebol é o mercado, representado pelos patrocinadores. Para o
jornalista esportivo Juca Kfouri, esse segmento passou a pressionar a CBF e a
Fifa por reformas, com receio de associar suas marcas aos escândalos de
corrupção. “Até a Copa do Mundo, eles diziam que patrocinavam a Seleção, que
era vitoriosa, e não a CBF. Com o 7 a 1, isso ficou esmaecido. Depois os
escândalos ainda pioraram, com a prisão de um ex-presidente da CBF. Aí passou
dos limites”, diz.
Um importante ator para provocar
mudanças na CBF é o poder legislativo. Segundo os especialistas, uma nova lei
precisa regular o funcionamento de federações e clubes, garantindo controle
social, transparência e democracia.
“No Brasil, a legislação
esportiva tem sua base em um decreto de 1941, do Estado Novo. Então não dá para
esperar democracia e transparência de algo criado por uma ditadura”, afirma o
especialista em direito e marketing esportivo, Pedro Trengrouse, da FGV.
Para Martins, a CBF tem o dever
de fomentar boas práticas de gestão entre os clubes brasileiros. Mas só com a
medida provisória 671 – conhecida como MP do Futebol e que foi sancionada no
último dia 5 de agosto – é que a entidade passará a cumprir esse papel.
“Não é possível que a entidade de
administração acumule um lucro de R$ 340 milhões nos últimos 5 anos, enquanto
os 24 maiores clubes – os verdadeiros fomentadores do futebol no país – estejam
quebrados, com um déficit acumulado de R$ 1,4 bilhão nesse mesmo período”,
argumenta Trengrouse.
A DW Brasil lista abaixo três
mudanças destacadas pelos especialistas como necessárias para uma reforma
legítima na CBF.
Modificar o sistema eleitoral
Os especialistas são unânimes em
apontar o sistema eleitoral como uma grande causa dos problemas da CBF, bem
como das federações e clubes brasileiros.
“Não adianta mudar as pessoas, é
um problema estrutural. Vai cair o Marco Polo Del Nero e vai entrar alguém com
os mesmos vícios. Há que mudar a maneira como se elegem desde os presidentes de
clubes até o presidente da CBF, porque são sistemas viciados”, afirma Kfouri.
Até pouco tempo atrás não havia
sequer limite para o mandato do presidente. Ricardo Teixeira, por exemplo,
ficou no cargo por mais de duas décadas, antes de renunciar em meio a
escândalos de corrupção, em 2012. Sob pressão, a CBF alterou seu regulamento em
junho, estabelecendo mandato de quatro anos, com apenas uma reeleição.
“O atual sistema federativo
privilegia os que estão no comando, em detrimento de eventuais opositores.
Basta ver que Marco Polo Del Nero foi eleito como candidato único, chapa única.
Isso porque as federações são economicamente dependentes do poder central e,
portanto, facilmente cooptáveis”, afirma Martins.
Responsável pelas seleções
brasileiras masculina e feminina de futebol, além dos campeonatos nacionais de
clubes, a CBF é composta por 27 federações estaduais que, por sua vez,
administram competições regionais. São as federações que aprovam as contas,
participam das assembleias e votam alterações no estatuto.
Na eleição para presidente, de
quatro em quatro anos, participam também os 40 clubes das séries A e B. Os
times da segunda divisão, porém, foram incluídos no colégio eleitoral
recentemente, com a MP do Futebol.
Mas as eleições continuam longe
de serem justas, segundo os especialistas. “O dinheiro da CBF vem da Seleção,
cujos jogadores são formados e mantidos pelos clubes. Mas os clubes só
participam da eleição. Não participam do mais importante: a assembleia geral
ordinária, que altera e aprova o estatuto, as contas e os orçamentos”, afirma
Trengrouse, que também foi consultor da ONU para a Copa do Mundo no Brasil. “É
uma distorção que coloca os clubes numa posição inferior às federações.”
Para Kfouri, uma medida que
melhoraria essa distorção seria separar a CBF das ligas de clubes, como ocorre
em países europeus. “Nesses países do primeiro mundo do futebol, além da
federação nacional, que cuida exclusivamente da seleção, há as ligas de clubes,
que cuidam dos campeonatos. Essa é uma das soluções, porque os clubes conseguem
defender melhor os seus interesses”, argumenta.
Ampliar a participação de atletas
e até de torcedores
Além de
cobrar uma maior inclusão dos clubes, os especialistas defendem uma maior
participação de atletas, treinadores, árbitros e profissionais da saúde, como
fisioterapeutas e médicos, nas entidades esportivas.
O modelo americano é considerado
positivo e visto como uma possível solução para o Brasil. Nos EUA, um decreto
de 1978 estabeleceu que, em associações nacionais esportivas, 20% do colégio
eleitoral tem de ser composto por atletas em atividade.
Alguns especialistas vão além e
propõem até mesmo a participação dos torcedores em votações na CBF e nos
clubes. “Por que o brasileiro vota no Big Brother e não pode votar no
presidente do clube ou no técnico da Seleção? Hoje há ferramentas que permitem
isso”, defende Trengrouse.
Ele cita o caso do Flamengo,
clube com maior número de torcedores no Brasil. “O presidente representa 40
milhões de torcedores, que geram 400 milhões de reais por ano para o Flamengo.
Mas o atual presidente foi eleito com 1.414 votos. Ou seja, pelo quadro social
que frequenta a piscina do clube, pelos sócios”, diz.
Elevar a transparência
Uma das principais críticas à CBF
é a falta de transparência. Segundo os especialistas, o estatuto social da
entidade – que regula seu funcionamento, além de determinar os direitos e
obrigações de seus membros e diretoria – deveria ser público.
Em especial, os analistas cobram
mais informações sobre os contratos da CBF, que não aparecem discriminados no
balanço financeiro. “Tem que dizer de onde vem e para onde vai o dinheiro. Se
há comissão, tem que saber para quem é paga e qual é o valor”, diz Trengrouse.
Fonte: Diário do Centro do Mundo.