Reconduzido
à presidência nacional do PSDB, o senador Aécio Neves (MG) evitou falar em
tentativa de golpe por parte dos tucanos para tirar a presidente Dilma Rousseff
(PT) do poder. De acordo com o parlamentar, "não cabe ao PSDB antecipar a
saída de presidente da República".
"Não somos golpistas. O que existe hoje é uma ausência
de governo. E se a presidente não assume as suas responsabilidades, se ela as
terceiriza, cada vez mais este sentimento de vácuo vai grassando, vai se
espalhando pela sociedade brasileira", afirmou o congressista, neste
domingo (5), durante a convenção nacional do PSDB, em Brasília.
O ex-presidenciável afirmou que uma eventual saída da
presidente Dilma em consequência de possível rejeição de contas do seu governo
por parte do Tribunal de Contas da União (TCU) e identificação de
irregularidades na prestação de contas eleitorais por parte do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) dependerá muito mais dessas instituições do que do
PSDB.
"Mas o sentimento que eu tenho, e falo em meu nome, é que
nós já não temos mais um governo no país", acrescentou Aécio. "Nós
estamos vemos que não existe mais um governo no Brasil. A pauta é construída
pelo Congresso Nacional, o Judiciário faz felizmente o seu papel e isso é muito
relevante, as instituições no Brasil funcionam e funcionam muito bem e nosso
papel é não permitir que elas sejam atacadas ou constrangidas", disparou.
Em seu pronunciamento, Aécio disse que "não existe um
partido político hoje no Brasil mais pronto e preparado para conduzir o destino
desse país, e mais rapidamente possível corrigir os equívocos desse governo, do
que o PSDB".
"A nossa unidade e a nossa coragem para enfrentar os
desafios serão as duas palavras mágicas que vão nos acompanhar daqui até o
desfecho de todo este processo", afirmou. "Somos já maioria no amplo
seio da população Brasileira".
PSDB SE FIRMA COMO OPOSIÇÃO SEM PROJETO.
Votação maciça pela redução da
maioridade penal, apoio a presos da Venezuela acusados de tentativa de golpe
contra o governo de Nicolás Maduro, articulação pelo pedido
de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, convocação de
manifestações contra Dilma ao lado de extremistas que querem a volta da
ditadura, redução da participação da Petrobras no pré-sal, apoio à legalização
da terceirização e dos financiamentos de empresas a partidos em campanha. A
agenda conservadora tomou conta do cotidiano do PSDB na política brasileira –
no Congresso, em governos estaduais como os de São Paulo e do Paraná, nas ruas
e nas redes sociais.
As
constantes trocas de posição e posturas dúbias observadas pela legenda têm
levado antigos dirigentes e cientistas políticos a questionar como pensa e age
a nova geração de tucanos, distanciada cada vez mais se comparadas as raízes da
social-democracia de centro-esquerda que marcaram a criação do partido, na
década de 1980. É sob esse rosto desfigurado que, neste domingo (5), o
PSDB realiza sua 12ª convenção nacional, para definir os nomes de sua nova
direção.
A
posição dos deputados tucanos foi fundamental para a aprovação da proposta de
redução da maioridade penal durante a votação da PEC 171, na semana passada, na
Câmara. Antes, os tucanos haviam acenado para a possibilidade de se unir ao
governo e fechar questão contra a redução da maioridade penal. Até porque uma
proposta considerada alternativa, que tramita no Senado e sugere, em vez da
redução o aumento de medidas socioeducativas para menores infratores por meio
da alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é de autoria do
senador José Serra (PSDB-SP). Mas não teve jeito: recuaram da
articulação e se uniram ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pela
redução na apreciação do relatório da PEC.
Também
pesaram contradições observadas nos últimos meses, como o comportamento adotado
pela sigla em relação ao fator previdenciário, no início de junho, e a
desastrosa iniciativa de coordenar a viagem de um grupo de senadores até a
Venezuela para interferir nas decisões políticas do governo democraticamente
eleito de um outro país. O atrapalho rendeu piadas em redes sociais e
depoimentos irônicos contra os integrantes da sigla.
Os
tucanos votaram, ainda, pela derrubada do fator previdenciário (criado no
governo Fernando Henrique Cardoso e considerado uma das principais bandeiras
para contenção do déficit da previdência) durante a votação da Medida
Provisória 664 e a iniciativa, que chegou a ser chamada de “populista” pelo
próprio ex-presidente, provocou bate-boca entre os parlamentares da legenda.
Sem projeto de país
Na avaliação do cientista
político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), a mudança de
postura dos tucanos é observada porque o partido tem atuado com foco principal
nas eleições. O estímulo aos discursos de ódio e intolerância, mais fortemente
presente nas duas últimas derrotas presidenciais, em 2010 com Serra e 2014 com
Aécio, se intensifica agora com vistas a 2018. Em todos os casos, os ataques
aos governos petistas prevaleceram sobre o que o eleitorado mais costuma
apreciar: propostas.
“O
PSDB não tem um projeto de país na cabeça e sim, uma eleição, que é a de 2018.
As decisões tomadas agora objetivam levar a legenda a estar bem posicionada até
lá. Como o governo Dilma Rousseff adotou uma agenda impopular, os tucanos
querem aproveitar isso para expor o PT e desgastá-lo ao máximo, mesmo que para
isso comprometam suas agendas históricas”, acentuou.
Barreto
também considera que a legenda procura “surfar na onda” de insatisfação da
classe média com o governo, numa tentativa de ser protagonista das reclamações.
“O perigo dessa estratégia é que os tucanos, dessa maneira, abolem totalmente
bandeiras que os aproximavam da centro-esquerda e correm o risco de ficar a
reboque de organizações da direita, como as que pedem o impeachment da Dilma e
a intervenção militar no país”, afirmou.
O
especialista em marketing político Alexandre Bandeira, da Strattegia
Consultoria, lembrou que não existe mais no país a polarização entre esquerda
ou direita, em função, inclusive, dos rumos tomados nos últimos anos pelos
próprios governos do PT e das coligações firmadas pelos petistas com vários
partidos. Como resultado, agora, o PSDB busca esse espaço despolitizado.
“O que está pesando nas decisões para a população neste momento é ter mais no
prato. E o PSDB está seguindo a tendência para ficar mais próximo da população.
Os partidos estão tentando ver qual deles se identifica melhor com as ruas e
está mais conectado com a população”, afirmou.
Segundo
Bandeira, os tucanos não conseguiram assumir a posição de oposição nos dois
governos Lula nem no primeiro governo Dilma, porque havia uma média de
aprovação grande por parte da população em relação ao Executivo. “As oposições
eram frágeis porque não tinham audiência nas ruas, mas isso mudou depois das
manifestações de 2013 e aumentou neste início do segundo governo Dilma. E é aí
que eles pegam o gancho de oposição mais forte. Até porque não se trata apenas
de uma mobilização da classe média, mas também da base da pirâmide. Não é
questão ideológica apenas, é de busca pelo poder nas próximas eleições”,
ressaltou.
Para o sociólogo Marcelo Zero,
analista legislativo do Senado Federal, o PSDB se transformou num partido que
hoje em dia possui posições muito conservadoras, em grande parte, como forma de
ocupar mais espaço. “Vejo uma guinada à direita, em virtude dessa necessidade
do PSDB de buscar a classe média conservadora e o eleitorado evangélico para se
capitalizar politicamente”, disse.
“Não me surpreende que o
partido tenha dúvidas ou se posicione pela redução da maioridade penal. Isso é
visto como oportunidade para crescer politicamente e não é novidade na conduta
dos tucanos. Tivemos isso nas eleições de 2002, quando a Regina Duarte foi à TV
dizer que tinha medo de um novo governo; tivemos em 2010, quando houve grande
movimento contra o aborto, numa tentativa de vincular a questão politicamente e
estamos tendo agora, quando o Congresso caminha para um viés mais conservador.
O partido tem adotado uma posição à direita para buscar o voto da classe média
mais tradicional”, acentuou Marcelo Zero.
Diferença de gerações
O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), em
declarações diversas, costuma rebater esse tipo de avaliação com acusações ao
governo. “O discurso do governo é alienado, arrogante e afronta a sociedade”,
chegou a afirmar.
Mas o
que mais chama a atenção na trajetória do partido, segundo Leonardo Barreto, é
a segunda geração de políticos da legenda, de formação diferente da dos
políticos que a criaram, na época de Franco Montoro e Mário Covas. De acordo
com Barreto, “o PSDB vive hoje uma outra história”. E mesmo o retorno de alguns
caciques ao Congresso nas últimas eleições, como é o caso dos senadores Tarso
Jereissati (CE) e José Serra (SP), foi cercado por diferenças contextuais.
“Os que voltaram à política
estão sem poder. Quem manda, hoje, é Aécio Neves (MG), que mesmo sendo da turma
lá de trás, não possui a mesma forma de pensar dos históricos que fundaram a
legenda. A turma que está no poder, como o Carlos Sampaio (SP), já nasceu
politicamente na oposição e não está enraizada com os ideais iniciais do
partido”, ressaltou.
Para Barreto, enquanto o PT
tem políticos que podem ser considerados uma segunda geração da legenda, como é
o caso do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, da senadora Gleisi Hoffmann
(PT-PR) e do ex-ministro Alexandre Padilha (Saúde), por outro lado a nova
geração do PSDB se destacou, nos últimos anos, muito mais pela perda ou ameaça
de saída de lideranças.
Da mesma opinião, o cientista
político Alexandre Ramalho, também da Universidade de Brasília (UnB), credita,
por sua vez, a postura dúbia do partido à necessidade dos tucanos de baterem na
tecla do anti-lulo-petismo, em vez de defenderem os ideais históricos que
levaram à formação da legenda, na década de 1980. “Os
novos não conseguiram ficar à altura dos que iniciaram o partido, e os nomes
importantes têm idade média na faixa dos 70 anos. Isso é ruim para a formação
de novas lideranças”, enfatizou.
Crise antiga de identidade
O pesquisador do Centro de Estudos Avançados da
Unicamp José Augusto Guilhon Albuquerque, que realizou trabalho sobre o tema,
disse que “o PSDB foi vítima do seu próprio sucesso”. “O partido nasceu
como uma federação de dissidências regionais do PMDB e do antigo PFL, logrou
conquistar o eleitorado de centro graças ao gênio político de Franco Montoro,
que lhe deu voz e horizonte político, reunindo um leque admirável de lideranças
regionais com experiência e capacidade governativa.”
Mas, depois que chegou à
presidência, em 1995, segundo Albuquerque, a legenda cresceu demais, o que provocou
desde esse tempo uma crise de identidade. Numa forma de completar ainda mais
tais avaliações, a senadora Lúcia Vânia (GO), que
deixou a sigla recentemente, argumentou que seu gesto de saída se deu pelo que
chamou de “busca por um novo espaço”.
“Não acredito
em uma oposição movida a ódio. Na minha visão, esse confronto que se
estabeleceu no Congresso Nacional entre situação e oposição para dar resposta a
uma sociedade órfã de lideranças é simplesmente irracional”, disse. Foi
uma declaração curta, mas que deu um bom exemplo das divisões e dubiedades
existentes, hoje, dentro do PSDB.
O cientista político David
Fleisher, da UnB, acredita que a mudança ideológica na comparação com a década
de 1980 não é característica única do partido. “O PT também mudou muito ao
longo desse período”, acentuou, acrescentando que considera normal esse
processo da legenda.
“Eles (os tucanos) estão
querendo conquistar a fatia do eleitorado que tem aparecido depois da redução
dos índices de popularidade do governo, e isso é legítimo. Mas o caminho é duro
por conta da própria divisão existente dentro do partido, principalmente entre
os grupos de Geraldo Alckmin e de Aécio Neves”, avaliou o cientista. De acordo
com Fleisher, as eleições para 2018 não serão fáceis para ninguém. “Vejo um
cenário difícil para o próprio PSDB, no sentido de aparar arestas internamente
até lá.”
Fonte:
Brasil
247.