O
episódio dos supercarros de Collor é revelador das complexidades – e das
misérias — da política brasileira.
Considere.
No Twitter, o editor do Globoesporte, Gustavo Poli, postou uma foto em que
Dilma aparece num palanque com Collor.
Mas um momento.
Estamos falando de um homem que é sócio dos patrões de
Gustavo, como Jota Hawilla, Sarney etc.
Tudo bem isso? Subir num palanque com Collor é um horror, mas
ser sócio dele é ok.
É a seletividade marota do que provoca indignação.
Suponhamos que alguém mandasse a Poli uma foto de seus
patrões com Collor. Ele publicaria? Não. Acharia imoral a imagem? Aí não sei,
mas penso que não, por incrível que pareça.
Para além disso, os carrões de Collor simbolizam o atraso
monumental das oligarguias políticas brasileiras.
Falávamos outro dia no DCM das virtudes do Papa Francisco.
Ora, a mensagem essencial de Francisco é a simplicidade franciscana, da qual
deriva todo o resto.
Sempre falamos também de Mujica, uma espécie de alma gêmea de
Francisco.
Um homem que controla seus impulsos de aquisição e ostentação
tem os melhores atributos para a vida pública.
Mas o que dizer de alguém que tem aqueles carros que saíram,
em desfile abjetamente triunfal, da Casa da Dinda?
O que ele não faz para ter aquele tipo de coisa?
Pouco tempo atrás, numa entrevista à BBC, Mujica falou tudo.
Quem gosta de dinheiro, disse ele, não deve entrar na política. Deve ser
empresário.
A política exige, ou deveria exigir, frugalidade, abnegação,
capacidade de você se doar à sociedade.
A
frota de Collor é a negação disso. Collor é a negação disso.
Para alimentar suas pretensões políticas, Collor encontrou na
Globo o melhor aliado do mundo.
A questão básica é: como Collor pode ser dono de uma emissora
– a afiliada da Globo em Alagoas — quando a Constituição proíbe isso?
Políticos no controle de tevês e rádios farão disso uma
propaganda ininterrupta para si próprios.
Isso vai dar em outros Catões de ocasião da política
nacional.
Aécio é um desses casos. Sem cerimônia, e sem cobrança da
imprensa nacional, colocou dinheiro público nas suas empresas jornalísticas
quando foi governador de Minas.
Isso, em circunstâncias normais, liquidaria a carreira de um
político, mas Aécio está aí, nos importunando com suas lições de moral fajutas.
Até
recentemente, o Brasil sequer sabia que ele tinha rádios em Minas. A informação
apareceu quando ele foi pego numa blitz na noite carioca com um veículo – uma
Land Rover — de que estava em nome de uma rádio sua.
Eduardo Cunha é outro caso, com uma rádio evangélica no Rio
da qual se serve para fazer autopropaganda e ganhar dinheiro.
É um tema que tem que ser discutido também neste episódio dos
carros de Collor.
Há reflexões paralelas, igualmente. Uma delas é a seguinte:
os carrões de Collor provavelmente ficariam ignorados na Dinda se ele
pertencesse ao PSDB.
Outra já é antiga: boa parte das reformas imprescindíveis na
política brasileira não foram feitas por causa da governabilidade.
O PMDB ficou com FHC e depois seguiu com Lula e Dilma.
Isso significou a impossibilidade, na prática, de modernizar
a política.
O estremecimento entre o PMDB e o governo de Dilma tem um
mérito: minar as bases desse câncer imobilizador chamado governabilidade.
Sem isso, qualquer governo vai ter que se esforçar muito mais
para emplacar coisas no Congresso — mas você não será obrigado a ver coisas
como aqueles supercarros saindo da casa de Collor.
Fonte:
Diário
do Centro do Mundo.