Flávio é
jornalista.
Márcia era massoterapeuta.
Flávio tem 61 anos de idade e uma carreira de sucesso no
jornalismo esportivo. A vida de Márcia foi interrompida aos 40,
atropelada por um motorista de ônibus, enquanto pedalava.
Márcia não pedia ciclovias: pedia respeito. Pedia
educação no trânsito. Defendia o direito de todos compartilharem o espaço da
cidade, mesmo com a atitude violenta de alguns motoristas. Mesmo sofrendo
ameaças e agressões.
Flávio quer não só o fim das ciclovias, como defende o
desrespeito aos ciclistas que façam coisas que, em seu julgamento
pessoal, considera equivocadas (ainda que não sejam).
Ambos influenciam a vida e o pensamento de muita gente. Um
pela palavra, outra pela memória.
Márcia acreditava em uma cidade mais humana. Sua
história comove e inspira milhares de ciclistas em São Paulo e no Brasil.
Flávio ameaçou ciclistas, por mais de uma vez. Desafiou-os a
passarem em frente a seu carro, fazendo presumir as consequências. Ele tem
74 mil seguidores no Twitter.
Ambos têm algo em comum: o sobrenome.
Flávio Prado. Márcia Prado.
Mas não é só pelo sobrenome que os dois se
aproximam. Flávio trabalha na Av. Paulista, a duas quadras de onde
a vida de Márcia foi ceifada.
Certamente já passou inúmeras vezes em frente à
bicicleta branca que está no local.
Pode ser que Flávio considere que aquilo é só uma
modinha. Ou coisa de bicicleteiro folgado. Talvez ache que não representa nada,
já que não há ninguém nas ciclovias, nenhum dos 300 mil ciclistas invisíveis
que circulam em São Paulo todos os dias.
Ou então, sequer tenha notado a bicicleta, guiando seu
automóvel com a consciência tranquila, a mesma declarada pelo
motorista do ônibus ao dizer que não tinha visto Márcia.
Quem sabe, algum dia – principalmente depois de um mar de
bicicletas tomar a Paulista aberta – fique intrigado com aquela homenagem,
observe com mais atenção, procure compreender o significado e busque se
apropriar de um pouquinho da empatia, cidadania e humanidade que
Márcia distribuía para o mundo.
É o que anda fazendo falta para a cidade. De fomentadores de
desrespeito e ódio estamos cheios.
Fonte:
Diário
do Centro do Mundo.