Segundo o jornalista Mauro Santayanna, um dos mais experientes
e qualificados do País, a Petrobras foi vítima do "domínio do boato"
e só assumiu R$ 6 bilhões em prejuízos decorrentes de corrupção porque foi
premida pelas circunstâncias e pela necessidade de ter um balanço aprovado por
auditoria internacional; "Houve corrupção na Petrobras? Com certeza,
houve. Houve necessariamente superfaturamento e prejuízo com a corrupção na
Petrobras? Isso é preciso provar, onde, quando e como", diz ele;
"e o pior de tudo, é que a maior empresa brasileira apresentou esses
resultados baseada, e pressionada, por uma questionável 'auditoria', realizada
por uma, também, discutível, companhia estrangeira", diz, lembrando os
escândalos que já envolveram a PriceWaterhouseCoopers; leia a íntegra.
O
jornalista Mauro Santayanna, um dos mais experientes e qualificados jornalistas
brasileiros publicou um importante artigo, em que questiona o prejuízo de R$ 6
bilhões apontado pela Petrobras em seu balanço, como consequência de atos de
corrupção.
Santayanna
lembra que a empresa foi forçada a realizar essa estimativa, que é apenas uma
estimativa, porque se viu premida pela exigência de ter um balanço aprovado por
uma questionável auditoria internacional.
Confira, abaixo, a íntegra do seu
artigo:
A PETROBRAS E O "DOMÍNIO DO
BOATO".
Por Mauro Santayanna
(Jornal do Brasil) - Os jornais foram para as ruas,
na última semana, dando como favas contadas um prejuízo de 6 bilhões de reais
na Petrobras, devido a casos de corrupção em investigação na Operação Lava a
Jato. Seis bilhões de reais que não existem. E que foram colocados no “balanço”,
como os bancos recorrem, nos seus, a provisões, por exemplo, para perdas com
inadimplência, que, quando não se confirmam, são incorporadas a seus ativos
mais tarde.
Não há - como seria normal, aliás,
antes de divulgar esse valor - por trás destes 6 bilhões de reais, uma lista de
contratos superfaturados, dos funcionários que participaram das licitações
envolvidas, permitindo que se produzissem as condições necessárias a tais
desvios, dos aditivos irregularmente aprovados, das contas para as quais esse
montante foi desviado, dos corruptos que supostamente receberam essa fortuna.
O balanço da Petrobras, ao menos quanto
à corrupção, foi um factoide. Um factoide de 2 bilhões de dólares que
representa o ponto culminante de uma série de factoides produzidos por um jogo
de pressões voltado para encontrar, doa a quem doer, chifre em cabeça de
cavalo.
Houve corrupção na Petrobras? Com certeza, houve.
Houve necessariamente superfaturamento e prejuízo
com a corrupção na Petrobras?
Isso é preciso provar, onde, quando e como.
E o pior de tudo, é que a maior empresa
brasileira apresentou esses resultados baseada, e pressionada, por uma
questionável “auditoria”, realizada por uma, também, discutível, companhia
estrangeira.
Segundo divulgado em alguns jornais, a
empresa de auditoria norte-americana PricewaterhouseCoopers teria feito
uma série de exigências para assinar, sem ressalvas, o balanço da Petrobras,
estabelecendo um patamar para a perda com “impairment” e corrupção muito maior
que a real, com base, nesse último aspecto, não em dados e informações, mas em
números apresentados inicialmente por delatores, tomados como verdade
indiscutível, quando vários destes mesmos delatores “premiados” negaram,
depois, em diversas ocasiões, peremptoriamente, a existência de
superfaturamento.
Essa é uma situação que, se fosse
reconhecida no balanço, lançaria por terra a suposta existência de prejuízos de
bilhões de dólares para a Petrobras com os casos investigados na Operação Lava
a Jato, e ainda mais na escala astronômica em que esses números foram
apresentados.
Que autoridade e credibilidade moral e
profissional tem a PricewaterhouseCoopers para fazer isso?
Se a Petrobras, não tivesse, premida
pela necessidade de responder de qualquer maneira à situação criada com as
acusações de corrupção na empresa, sido obrigada a contratar empresas
estrangeiras, devido à absurda internacionalização da companhia, iniciada no
governo FHC, nos anos 90, e, no caso específico da corrupção, tivesse investigado
a história da PwC, que contratou por milhões de dólares para realizar essa
auditoria pífia - que não conseguiria provar as conclusões que apresenta -
teria percebido que a PwC é uma das principais empresas responsáveis pelo
escândalo dos Luxemburgo Leaks, um esquema bilionário de evasão de impostos por
multinacionais norte-americanas, que causou, durante anos, um rombo de centenas
de bilhões de dólares para o fisco dos EUA, que está sendo investigado desde o
ano passado; que ela é a companhia que está por trás do escândalo envolvendo a
Seguradora AIG em 2005; que está relacionada com o escândalo de fraude contábil
do grupo japonês Kanebo, ligado à área de cosméticos, que levou funcionários da
então ChuoAoyama, parceira da PwC no Japão, à prisão; com o escândalo da
liquidação da Tyco International, Ltd, no qual a PricewaterhouseCoopers teve de
pagar mais de 200 milhões de dólares de indenização por ter facilitado ou
permitido o desvio de 600 milhões de dólares pelo Presidente Executivo e o
Diretor Financeiro da empresa; com o escândalo da fraude de 1.5 bilhão de
dólares da Satyam, uma empresa indiana de Tecnologia da Informação, listada na
NASDAQ; que ela foi também acionada por negligência profissional no caso dos
também indianos Global Trust Bank Ltd e DSK Software; e também no caso
envolvendo acusações de evasão fiscal do grupo petrolífero russo Yukos; por
ter, em trabalho de auditoria, feito exatamente o contrário do que está fazendo
no caso da Petrobras, tendo ficado também sob suspeita, na Rússia, de ter
acobertado um desvio de 4 bilhões de dólares na construção de um oleoduto da
Transneft; que foi acusada por não alertar para o risco de quebra de empresas
que auditava e assessorava, como a inglesa Northern Rock, que teve depois de
ser resgatada pelo governo inglês na crise financeira de 2008; e no caso da JP
Morgan Securities, em que foi multada pelo governo britânico; que está ligada
ao escândalo da tentativa de privatização do sistema de águas de Nova Délhi,
que levou à retirada de financiamento da operação pelo Banco Mundial; e que
também foi processada por negligência em trabalhos de auditoria na Irlanda,
país em que está sendo acionada em um bilhão de dólares.
Enfim, a PricewaterhouseCoopers é
tão séria - o que com certeza coloca em dúvida a credibilidade de certos
aspectos do balanço da Petrobras - que, para se ter ideia de sua competência, o
Public Company Accounting Oversight Board dos Estados Unidos encontrou,
em pesquisa realizada em 2012, deficiências e problemas significativos em 21 de
52 trabalhos de auditoria realizados pela PwC para companhias norte-americanas
naquele ano.
É este verdadeiro primor de ética,
imparcialidade e preparo profissional, que quer nos fazer crer - sem apresentar
um documento comprobatório - que de cada 100,00 reais gastos com contratações
de 27 empresas de engenharia e infraestrutura pela Petrobras, 3,00 tenham sido
automaticamente desviados, durante vários anos, como se uma empresa com
aproximadamente 90.000 funcionários funcionasse como uma espécie de linha de
montagem, para o carimbo automático, de uma comissão de 3%, em milhares de
notas a pagar, relativas a quase 200 bilhões de reais em compras de produtos e
serviços.
Desenvolveu-se, no Brasil, a tese de
que, para que haja corrupção, é preciso que tenha havido, sempre,
necessariamente, desvio e superfaturamento.
Há empresas que fornecem produtos e
serviços a condições e preço de mercado, quem nem por isso deixam de agradar e
presentear com benesses que vão de cestas de natal a computadores o pessoal dos
departamentos de compra e outros funcionários de seus clientes.
Há outras que convidam para encontros e
viagens no exterior os médicos que receitam para seus pacientes medicamentos
por elas fabricados. E outras, ainda, que promovem - ou já promoveram no passado
- em outros países, congressos para funcionários públicos, como prefeitos,
deputados e membros do Judiciário.
O montante ou o dinheiro reservado para
esse tipo de “agrado” - que, moralmente, para alguns, não deixa de ser também
uma espécie de tentativa de corrupção - depende, naturalmente, do lucro que vai
ser aferido pela empresa em cada negócio, e do tamanho e potencial de
investimento e gasto do cliente que está sendo atendido.
Em depoimento na CPI da Petrobras esta
semana, o ex-dirigente da empresa ToyoSetal, Augusto Mendonça Neto, afirmou que
pagamentos foram feitos a Paulo Roberto Costa e a Renato Duque, responsáveis
pelas diretorias de Refino e Abastecimento e de Serviços, não para que eles
alcançassem um determinado objetivo - manipulando contratos e licitações, por
exemplo - mas para que não prejudicassem as empresas, já que, em suas palavras:
“o poder que um diretor da Petrobras tem de atrapalhar era enorme. De ajudar, é
pequeno. Na minha opinião, eles vendiam muito mais dificuldade do que
facilidade. Na minha opinião, as empresas participavam muito mais por medo do
que por facilidades. ”
Outro delator - devido, talvez, à
impossibilidade de provar, inequivocamente, contabilmente, juridicamente, o
contrário - o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, já havia voltado
atrás, em petição apresentada no dia 9 de abril à Justiça - corroborando
afirmações das próprias empreiteiras envolvidas - afirmando que as obras
investigadas na Operação Lava a Jato não eram superfaturadas, e que as
comissões de 3% eventualmente recebidas eram retiradas do lucro normal das
empresas e não de sobrepreço, negando que ele e Alberto Youssef tenham recebido
listas com as obras e empresas que seriam vencedoras em cada licitação.
“Isso nunca aconteceu”, disse o seu advogado, João Mestieri, à Folha de
São Paulo.
A mesma coisa já tinha sido explicada,
didaticamente, em depoimento à CPI da Petrobras, pelo ex-gerente de
implementação da Refinaria Abreu e Lima, Glauco Colepicolo Legatti, no dia 31
de março, ocasião em que negou que tivesse recebido propina, que tivesse
qualquer conta no exterior, que tivesse feito transferência recente de qualquer
bem para parentes, dando a entender também que poderia colocar seu sigilo
bancário à disposição caso necessário.
Legatti negou peremptoriamente que
tenha havido superfaturamento nas obras da refinaria, explicou o aumento dos
custos da obra devido a adequações de projeto e a características como ser a
mais avançada e moderna refinaria em construção no mundo, com uma concepção
tecnológica especialmente desenvolvida que permite a inédita transformação de
70% de cada barril de petróleo bruto em óleo diesel, e que ela produzirá,
quando terminada, 20% desse tipo de combustível consumido no Brasil - “não tem
superfaturamento na obra. Superfaturamento é quando digo que algo custa 10 e
vendo por 15. Aqui são custos reais incorridos na obra. Não tem um centavo pago
que não tenha um serviço em contrapartida. Não existe na refinaria nenhum
serviço pago sem contrapartida ”, afirmou.
Compreende-se a necessidade que a
Petrobras tinha de “precificar” o mais depressa possível a questão da corrupção,
admitindo que, se tivesse havido desvios em grande escala, estes não teriam
passado, no máximo, como disseram dois delatores "premiados",
inicialmente, de 3% do valor dos contratos relacionados ao “cartel” de empresas
fornecedoras investigadas.
Mas com a aceitação da tese de que
houve desvio automático desse mesmo e único percentual em milhares de
diferentes contratos sem comprovar, de fato, absolutamente nada, sem determinar
quem roubou, em qual negócio, em que comissão, em que contrato, em qual
montante, a Petrobras e a PricewaterhouseCoopers levaram os jornais, a
publicar, e a opinião pública a acreditar, que realmente houve um roubo de 6
bilhões de reais na Petrobras, que gerou um prejuízo desse montante para a
empresa e para o país.
Isso é particularmente grave porque,
para as empresas, a diferença entre a existência ou não de sobrepreço,
significa ter ou não que pagar bilhões de reais em ressarcimento, no momento em
que muitas estão praticamente quebrando e que tiveram vários negócios interrompidos,
devido às consequências institucionais da operação que está em andamento.
Para se dizer que houve um crime, é
preciso provar que tipo de crime se cometeu, a ação que foi desenvolvida, quem
estava envolvido e as exatas consequências (prejuízo) que ele acarretou.
Até agora, no Caso Lava a Jato - que
inicialmente era cantado e decantado como envolvendo quase 90 bilhões de reais
- não se chegou a mais do que algumas centenas de milhões de dólares de
dinheiro efetivamente localizado.
O que não quer dizer que tudo não tenha de ser
apurado e punido, até o último centavo.
Essa determinação, que é de toda a
sociedade brasileira, não consegue, no entanto, esconder o fato de que, ao
inventar, sob pressão de alguns setores da mídia, da opinião pública e da
justiça, o instituto da corrupção plural e obrigatória, com percentual
tabelado, prazo determinado em número redondo de anos e meses, para início e
fim das atividades, em operações que envolvem milhares de contratos de 27
diferentes empresas, a Petrobras e a Price criaram uma pantomímica, patética e
gigantesca fantasia.
Pode-se colocar toda a polícia,
promotores e juízes que existem, dentro e fora do Brasil, para provar,
efetivamente, esse fantástico roubo de 6 bilhões de reais, investigando
contrato por contrato, comissão de licitação por comissão de licitação,
entrevistando cada um de seus membros, procurando apenas provas lícitas, cabais
e concretas, como transferências reais de dinheiro, contas no exterior em
bancos suíços e paraísos fiscais, quebra de sigilo telefônico, imagens de
câmeras de hotéis e restaurantes, indícios de enriquecimento ilícito,
interrogatórios e acareações, ressuscitando e dando vida aos melhores detetives
de todos os tempos, de Sherlock Holmes a Hercule Poirot, passando pelo Inspetor
Maigret, Nero Wolfe, Sam Spade, Phillip Marlowe, a Miss Marple de Agatha
Cristie e o frade William de Baskerville de “O Nome da Rosa”, que não se
conseguiria provar - a não ser que surjam novos fatos - que houve esse tipo de
desvio na forma, escala, dimensão e montante apresentados no balanço da
Petrobras há poucos dias.
Delações premiadas - nesse aspecto, já
desmentidas - podem ser feitas no atacado, afinal, bandido, principalmente
quando antigo e contumaz, fala e inventa o quer e até o que não quer.
Mas até que se mude de planeta, ou se
destruam todos os pergaminhos, alfarrábios e referências e tratados de Direito,
sepultando a presunção de inocência e o império da prova e da Lei no mesmo
caixão desta República, toda investigação tem de ser feita, e os crimes
provados, individualmente.
Com acuidade, esforço e compenetração e sem deixar
margem de dúvida.
Todos os crimes, e não apenas alguns.
À base de um por um, preferencialmente.
Com o processo do “mensalão” do PT - o
único dos “mensalões” julgado até agora - inaugurou-se, no Brasil, a utilização
da teoria do Domínio do Fato, de forma, aliás, absolutamente distorcida, como
declarou, a propósito desse caso, o seu próprio criador, o jurista alemão
ClausRoxin.
Ele afirmou, em visita ao país, na
época do julgamento da Ação penal 470, que “ não é possível usar a teoria do
“Domínio do Fato” para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua
participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica. “A pessoa que ocupa a
posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato,
emitido uma ordem inequívoca” - afirmando que o dever de conhecer os atos de um
subordinado não implica em co-responsabilidade.
“A posição hierárquica não fundamenta,
sob nenhuma circunstância, o domínio do fato”, comentando que “na Alemanha
temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por
condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde
ao Direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública”. “Quem ocupa
posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser
provado”.
O que quis dizer Claus Roxin com isso?
Que, para que haja “domínio do fato’, é preciso comprovar, de fato, que houve
esse fato.
Com a saída meramente
"aritmética" usada no balanço da Petrobras, baseada em uma auditoria
de uma empresa estrangeira que, na realidade, pelos seus resultados, parece não
ter tecnicamente ocorrido, inaugura-se, no Brasil, para efeito do cálculo de
prejuízos advindos de corrupção, uma outra anomalia: a “teoria do domínio do
boato”.
Fonte:
Brasil 247.