De avarentos mal-humorados aos lobos de Wall Street,
Hollywood já abordou sob diversos ângulos o poder corruptor do dinheiro. Mas
esses relatos da tela grande são confiáveis? O dinheiro nos torna pessoas más?
O psicólogo social Paul Piff passa
algumas tardes cruzando uma faixa de pedestres à beira-mar de Los Angeles, em
meio a skatistas e passeadores de cães.
Graças ao grande número de
endinheirados na região, não faltam carros luxuosos, híbridos ou esportivos
pelas ruas.
Piff está ali para ilustrar um de
seus experimentos mais provocativos: ela quer saber se motoristas ricos param
menos para os pedestres do que pobres.
Motoristas são, por lei, obrigados
a parar se alguém quiser atravessar a rua. E, enquanto um Lexus passa na sua
frente sem deixar que ele cruze a rua, Piff explica o que seus pesquisadores
descobriram.
“Nenhum dos motoristas dos carros
mais baratos desrespeitou a lei, enquanto quase 50% dos motoristas de carros
mais caros desrespeitou”, diz ele.
Piff também perguntou a diversas
pessoas de diferentes classes sociais como elas se comportariam em diferentes
cenários.
No passado, a percepção pública tendia
à noção de que os mais pobres tinham probabilidade maior de agir de forma
ilegal, por estarem sob pressão financeira e sob condições mais difíceis.
Mas a pesquisa de Piff sugere o
contrário: que ter mais dinheiro faz com que você se preocupe menos com os
outros e se sinta no direito de colocar interesses próprios em primeiro lugar.
Após quase uma década de pesquisas
nessa área, Piff chegou à polêmica conclusão de que a prosperidade, em vez de
transformar você em um benfeitor, pode ser algo ruim para sua bússola moral.
“(O dinheiro) torna você mais
afinado com seus próprios interesses e seu próprio bem-estar”, ele diz.
“De certa forma, isso o isola de
outras pessoas, psicologicamente e materialmente. Você prioriza suas
necessidades e objetivos e fica menos conectado às pessoas ao seu redor. Se eu
lhe der uma caneta e pedir que você desenhe um círculo para representar a si
mesmo, quanto mais próspero você for, maior será seu círculo em relação ao
tamanho dos círculos desenhados pelas pessoas mais pobres.”
Teste
do ditador
Em seu laboratório psicológico,
Piff já conduziu estudos que sugerem que as pessoas com mais dinheiro têm mais
propensão a trapacear em jogos de dados, a comer doces guardados para crianças
e menos vontade de ceder seu tempo para ajudar os demais.
Usando uma ferramenta conhecida dos
psicólogos, o “teste do ditador”, Piff reuniu um grupo de pessoas e deu US$ 10
a algumas delas. Disse a elas que poderiam compartilhar tudo, uma parte ou nada
do dinheiro com os participantes que não haviam recebido a quantia.
“A economia racional diria que os
mais pobres tenderiam a guardar mais dinheiro para si mesmas e os ricos
tenderiam a doar mais. Descobrimos o oposto”, disse ele. “Quanto mais rico você
é, levando-se em conta diversas outras variáveis, menos generoso você é. Você
dá porções significativamente menores para a outra pessoa. E os pobres eram
bastante mais generosos.”
Em outro estudo, ele manipulou um
jogo de Banco Imobiliário para privilegiar um jogador, dando-lhe mais dinheiro
no inicio. Após dezenas de jogos, notou-se que a vitória trazia à tona o pior
lado desse jogador – em modos prepotentes, no uso do espaço e até comendo mais
salgadinhos do pote comunitário.
Quando nos sentimos prósperos,
conclui Piff, precisamos menos das outras pessoas. No mundo real, quando as
pessoas têm menos dinheiro, elas contam mais com suas relações sociais. Por
isso, essas relações acabam sendo priorizadas.
Os mais ricos, em contraste, podem
pagar por sua própria paz, tranquilidade e espaço – além da solução para a
maioria de seus problemas. Nada como uma carteira cheia para animar os ânimos
durante uma crise. Só que isso tende a isolar as pessoas das experiências das
demais.
Questionamentos
As descobertas de Piff certamente
têm seu encanto. Traz conforto pensar que os donos das vantagens financeiras
pelo menos pagam um preço por isso. Mas nem todos estão convencidos.
A psicologia é uma disciplina
carregada de dificuldades. Estudos sempre trazem fatores que confundem as
conclusões: será que a pessoa que atravessa a rua o faz de modo mais confiante
se estiver diante de um carro barato? Será que o motorista é realmente rico ou
ele pegou a BMW emprestada de seu tio?
E dados de pesquisas populacionais
são difíceis de serem decifrados. É difícil separar causa e efeito, e participantes
de pesquisas de laboratório dão respostas que podem ou não ter relação com a
vida real.
É só quando estudos com diferentes
métodos chegam a conclusões semelhantes que os resultados começam a ser vistos
como significativos.
Desde que Piff publicou sua
primeira leva de descobertas, em 2010, outros cientistas ao redor do mundo têm
tentado replicá-los. Alguns resultados confirmam as pesquisas de Piff; outros
trazem conclusões opostas.
Um estudo holandês feito com
milionários identificou que estes eram mais generosos do que a média quando se
tratava de doar ou guardar para si pequenas quantidades de dinheiro.
Análises de dados populacionais
feitas por acadêmicos europeus não encontraram elos entre prosperidade e falta
de generosidade. No máximo encontraram o oposto: que indivíduos prósperos
tendiam a oferecer mais tempo e dinheiro aos demais.
A
essência do dinheiro
Mas um estudo de Kathleen Vohs, da
Universidade de Minnesota, pode ajudar a explicar as conclusões de Piff. Na
pesquisa, ela derrubava “sem querer” pacotes de lápis para saber se as pessoas
ajudam a pegá-los do chão.
Primeiro, porém, ela preparava metade
dos participantes do estudo, “alimentando-os” com frases relacionadas a
dinheiro para decifrar ou notas de dinheiro para contar.
Esses participantes “preparados”
costumavam ser menos predispostos a ajudar a pegar os lápis. E, em outro
estudo, eles se mostraram menos generosos quando convidados a doar dinheiro
para caridade.
Ao contrário do que mostravam as
pesquisas de Piff, essa evidência obtida por Vohs parece ter pouca relação com
o fato de os participantes serem ricos ou pobres. E os resultados foram
replicados em 19 países.
“Parece que há algo na ideia de
dinheiro e na forma como ele é representado na cabeça das pessoas que provoca
essas reações, e parece que isso tem pouca relação com a sensação de se estar
rico ou pobre”, diz ela.
Vohs afirma que basta pensar em
dinheiro para evocar uma “mentalidade autossuficiente”, refletindo o fato de
que o dinheiro carrega, em sua essência, transações com estranhos e o cálculo
de como priorizar interesses próprios. Você não costuma usar dinheiro nas
relações com as pessoas mais queridas. Como resultado, o dinheiro nos torna
mais determinados, mas também menos sensíveis às necessidades e sentimentos dos
demais.
Pesquisadores em Hong Kong levaram
essa ideia além. Os professores Zhansheng Chen e Yuwei Jiang descobriram que
participantes de pesquisas condicionados a pensar em dinheiro tendiam a aceitar
mais transgressões morais – como colar em provas ou mentir em currículos –
quando diante de dilemas éticos.
E, durante jogos envolvendo
punições a participantes com barulhos altos, os preparados para pensar em
dinheiro costumavam submeter seus adversários a barulhos mais altos e por mais
tempo. O ato de pensar em dinheiro os torna mais agressivos.
Ou seja, o foco em preços, lucros,
contas bancárias e orçamentos pode não ser benéfico para o ambiente em seu
escritório ou para a integridade de sua organização.
Se você quer que seus funcionários
cooperem entre si e se mantenham honestos, não os “suborne” com bônus, diz
Jiang. Ele oferece uma alternativa.
“Você pode premiar um funcionário
com uma viagem para o Havaí. As pessoas não pensam em dinheiro quando vão para
o Havaí.”
Fonte: Diário do Centro do Mundo.