O jornal El
Pais divulgou nesta terça-feira (10) uma lista de 537 clientes que recebem até 75% de
desconto no uso de sua água fornecida pela Sabesp. São grandes empresas,
como o McDonald’s, indústrias e até a companhia de bebidas Bacardi. Entre elas,
estão a Abril, a Globo, a Record e o portal UOL.
O Estadão estava originalmente na lista, publicada às 10h da
manhã no El Pais. Ela foi atualizada com mais nomes às 17hrs do mesmo dia e o
jornal sumiu. O texto divulgado pela Agência Estado não fala, obviamente,
da primeira listagem.
Por qual motivo essas companhias ganham expressivos
descontos, enquanto o cidadão comum paga cada vez mais caro e pode receber
multas de até 250 reais por lavar a calçada?
Quarenta e dois clientes iniciaram seus contratos em 2014,
quando a escassez no sistema Cantareira já havia acionado as cotas de volume
morto. Ou seja, a Sabesp deveria ter evitado novos acordos com estes descontos,
pois eles gastam 1,8 bilhão de litros e foram responsáveis pela alta de 5,4% no
consumo anual.
As mais de 500 companhias recebem gordos descontos porque a
Sabesp negocia seus contratos “no atacado”. O fornecimento leva em conta que um
shopping com o porte de um Eldorado consome pelo menos 20 milhões de metros
cúbicos de água para atender um público 1,8 milhão de pessoas por mês, um valor
muito superior aos 15 mil litros consumidos por uma família de quatro pessoas
no mesmo período de tempo.
O cliente pessoa física é tratado como se estivesse “no
varejo”, com uma tarifa proporcionalmente maior.
Os critérios para escolha dos clientes “premium” são
técnicos, de acordo com a Sabesp. Por que praticar estes preços? Para manter a
alta lucratividade em cima da venda de grandes volumes. Se grandes grupos
pagassem os mesmos R$ 13,97 do consumo doméstico, teriam que racionar água,
diminuindo o consumo e balançando o faturamento da empresa que é fornecedora de
recursos hídricos do estado de São Paulo.
Com isso, provavelmente a população teria níveis hídricos
mais confortáveis para enfrentar a estiagem que foi forte em 2014 e que deve
voltar neste ano.
O ex-presidente por trás dos contratos
Gesner
Oliveira tem 58 anos, é economista pela FEA-USP e doutor pela Universidade da
Califórnia. Ele tem história no setor público como secretário adjunto da
Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda de 1993 a 1995, como
secretário interino de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda,
também em 1995 e como presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE) entre 1996 e 2000. Foi presidente da Sabesp entre 2007 e 2010, quando
formalizou os contratos de demanda firme.
Oliveira chegou a
afirmar, em fevereiro, que a Sabesp já deveria ter suspendido o
privilégios dos “premium”.
O
DCM obteve acesso exclusivo a uma apresentação feita por Oliveira à Câmara dos
Vereadores para a CPI da Sabesp. No documento apresentado no dia 5 de novembro
de 2014, chamado “Futuro da água: uma agenda para a sociedade civil e
diferentes esferas de governo”, ele pede que a sociedade e o governo mudem
radicalmente de comportamento em relação à água no mesmo documento, sem
mencionar as empresas. Atualmente, atua como consultor privado em negócios que
incluem o setor de gestão hídrica.
Conflito de interesses
Há um conflito claro de interesses na maneira como a crise é
coberta pelos veículos dos dois grupos de mídia incluídos na lista “premium”.
Não se trata apenas de alinhamento “ideológico”.
A Abril, através de suas revistas, não atribui qualquer
responsabilidade ao governador Geraldo Alckmin, enquanto a Globo mantém seus
jornalistas focados na questão da seca do sudeste, sem fazer questionamentos
sobre a atuação da empresa fornecedora de água.
O
site da Veja não noticiou as demissões recentes dentro da Sabesp, o que era de
se esperar, mas a Exame dá destaque à ameaça de greve dos sindicalistas e à
baixa das ações. Eventualmente, publicações segmentadas da Abril relatam
contaminação durante a crise hídrica.
O
UOL foi até a represa Atibainha, em Nazaré Paulista, fotografar o carro que
se tornou símbolo da seca no Cantareira, mas dá manchetes animadas quando
ocorrem chuvas, sendo que o nível das represas não superou nem a segunda cota
do volume morto. Já a Record faz
uma cobertura parecida com a da TV Globo, atenta à seca mas pouco crítica.
O Fantástico conseguiu ir a Itu contar o drama da cidade
e em nenhum momento citou o nome de Alckmin ou de alguma outra autoridade
estadual. Não apareceu em cena sequer a famosa frase “entramos em contato
com a assessoria do governador Geraldo Alckmin, mas ele não quis responder”.
Falta água,
mas uma mão lava a outra.
Fonte:
Diário
do Centro do Mundo.