Dirijo-me
ao nobre e valoroso povo brasileiro, na qualidade de um cidadão atingido por
uma absurda violência política, e que não afeta somente a mim, mas o
coletivo e a própria liberdade de expressão de uma nação continental.
Trata-se
de um processo movido contra mim por Ali Kamel, empregado da
família mais rica do país.
Mais rica e que controla um dos
maiores impérios de mídia do mundo.
Não creio
que, em nenhum país democrático (com exceção talvez da Itália, que tem o seu
Berlusconi), exista um grupo que reúna tanto poder financeiro e midiático como
a Globo.
Pois o
empregado deste grupo, e não qualquer empregado, mas o seu diretor-geral de
jornalismo, pediu-me, e venceu na justiça, uma indenização de mais de R$ 20
mil, a qual, acrescida pelos custos judiciais, me custarão mais de R$ 30 mil.
O
processo já terminou. Ele venceu na segunda instância e não conseguimos chegar
ao Supremo Tribunal de Justiça. Não há mais como recorrer.
O juiz
mandou executar e terei de pagar o montante em alguns dias.
E qual a
razão do processo? Simplesmente porque fiz uma crítica política à empresa para a qual ele trabalha.
Não
ataquei sua honra. Não o chamei de ladrão ou corrupto. Não pedi sua demissão.
Apenas disse que ele trabalhava
para uma concessão pública que, na minha opinião, merece ser criticada.
Para não
faltar com a verdade, os únicos adjetivos que dirigi ao autor da ação, e que
poderiam ser considerados pessoalmente ofensivos, foram: sacripanta e
reacionário. E me referia a ele enquanto diretor de jornalismo da Globo, a
concessão pública líder de audiência no país.
O dia em
que todos forem condenados porque chamaram, num artigo político, o diretor de
jornalismo da maior concessão pública de um país, de “reacionário” e
“sacripanta”, será o último dia de liberdade no Brasil.
Creio se
tratar de um desses casos emblemáticos que podem influenciar o país durante
muitos anos.
Até
porque, neste momento, já são vários blogueiros agredidos judicialmente pelo
mesmo personagem, ou pelo mesmo campo político.
É um fato
notório o mal que a concentração da mídia faz à democracia, um mal denunciado
por inúmeras organizações nacionais e internacionais.
A
Repórteres Sem Fronteiras acusou o Brasil de ser o país dos 30 Bersluconis,
referindo-se às famílias que dominam a mídia de massa no país.
O relator
da ONU para Liberdade de Expressão, Frank de La Rue, veio ao Brasil
recentemente e afirmou que a concentração da mídia é a maior ameaça à
liberdade de expressão. La Rue se referia, naturalmente, à situação da midia no
Brasil.
Essas denúncias foram abafadas
por nossa mídia corporativa, cuja estrutura segue muito parecida, e até mais
concentrada ainda, em relação aos chamados anos de chumbo.
O
surgimento de blogs políticos que fazem um contraponto à grande mídia, devem
ser entendidos, portanto, como uma reação biologicamente natural, saudável e
necessária, do ambiente democrático.
Se a
mídia age como um partido político homogêneo, um verdadeiro cartel ideológico,
impondo sempre as mesmas pautas, repetindo as mesmas opiniões e até usando os
mesmos colunistas, é natural que emergissem blogs no lado oposto do espectro
ideológico.
Se a
mídia torna-se dia a dia mais conservadora, os blogs se notabilizam por
defender pautas progressistas e trabalhistas.
Não é
fácil manter um blog, contudo. Raros são os blogs que são atualizados
constantemente, e raríssimos aqueles que conseguiram se profissionalizar.
Entretanto,
creio que, neste momento da nossa história, os blogs políticos constituem um
respiro democrático no ambiente histérico, reacionário, udenista, muitas vezes
flertando com o golpismo, da nossa imprensa corporativa.
Não digo
que os blogs sejam perfeitos, nem que a nossa imprensa seja 100% um lixo
(digamos que ela seja 75% lixo). Mas representamos um contraponto importante. E
ajudamos a concretizar um dos princípios que norteiam a nossa Constituição: a
pluralidade política.
Claro, os
blogs não resolvem o problema da concentração midiática. Apenas ajudam a
enriquecer o debate, a criar uma válvula de escape num ambiente que, sem eles,
seria talvez desesperador para muita gente.
A
sustentação financeira dos blogs é complicada. Apesar dos adversários nos
acusarem de recebermos “apoio do governo”, sabemos que isso não é verdade.
Recentemente, os dados referentes a todos os órgãos de governos, incluindo
estatais, foram abertos e comprovamos que apenas dois ou três blogs ou sites
recebiam apoio oficial (não estou incluído), e mesmo assim, irrisórios se
comparados ao custo de manutenção dos mesmos, e ridiculamente ínfimos, se
comparados ao que receberam os grandes ou mesmo medianos grupos de mídia
tradicionais.
Os blogs políticos, em geral, são
sustentados pelo próprio bolso dos autores.
Em alguns
casos, como o meu, o blog é sustentado por assinaturas e contribuições dos
leitores, uma ou outra publicidade, além do adsense do Google, um esquema
randômico de propaganda.
Não posso reclamar de nada,
todavia.
A blogosfera,
aqui entendida como o conjunto de leitores, sempre foi generosa comigo. Tenho
centenas de assinantes pagantes e as contribuições sempre foram generosas por
parte de um público idealista.
Não
espero matérias elogiosas a meu trabalho em reportagens de TV, em jornais ou
revistas de grande circulação.
Ao
contrário, sempre que me citam, e são obrigados a fazê-lo de vez em quando,
fazem-no tentando me prejudicar.
Entretanto,
às vezes recebo doações e assinaturas até mesmo de pessoas de baixa renda, e
isso realmente me comove e me faz entender a importância de continuar o meu
trabalho.
Digo isso
para mostrar a fragilidade financeira dos blogs, por representarem uma coisa
nova, ainda não assimilada pelos agentes econômicos, sobretudo num país onde o
ambiente publicitário permanece sob o controle dos monopólios corporativos
consolidados no regime militar.
Frágeis, mas essenciais!
De qualquer forma, contra tudo e
contra todos, estamos crescendo.
Os blogs têm cada vez mais
visitas. O Cafezinho tem cada vez mais assinantes.
Adentramos até mesmo o terreno
mais custoso do jornalismo: a investigação.
Os blogs
hoje também realizam investigações importantes, como eu fiz no caso da
sonegação da Globo, do apartamento em Miami de Joaquim Barbosa, e agora, sobre
a participação de graúdos das finanças e da política na lista do OffShore Leaks
e do HSBC suíço.
Pois bem,
diante de tal situação, o que posso fazer diante da ofensiva covarde da Globo
contra o meu trabalho?
O
dinheiro que ganho serve para pagar meu custo de vida, ao qual tive que
acrescentar agora os honorários do meu advogado.
Como
posso entrar numa batalha judicial com o diretor de jornalismo da Globo, cujos
proprietários têm uma fortuna maior que a de Rupert Murdoch, o magnata
australiano dono de um império midiático nos EUA, maior que a de Berlusconi,
proprietário de vários canais de TV na Itália e um dos principais expoentes da
direita europeia?
O valor
imposto, R$ 20 mil mais custos judiciais, equivale ao valor que o Judiciário
costuma impor à revista Veja, que pertence também a uma das famílias mais ricas
do país. E isso quando a Veja perde na justiça, o que é raro.
Não falta aqui um senso de
proporção?
Depois de judicializarem a
política, agora partirão para a judicialização da censura?
Qual o objetivo da Globo? Reduzir
o já diminuto pluralismo político do país?
E ela ainda quer se vender como
defensora da liberdade de expressão?
Ainda
quer acusar a esquerda de pretender promover a censura por querer estabelecer
uma regulamentação que evite esse tipo de aberração, na qual a grande mídia
pode destruir reputações, e a pequena mídia não pode falar nada?
É muito
cinismo! Dão golpe e falam que a democracia voltou! Censuram e acusam os outros
de censura! Roubam e gritam pega ladrão!
Só blogueiros cubanos serão
defendidos por nossa mídia?
O caso do
blogueiro saudita, condenado a levar algumas centenas de chibatadas, foi
denunciado por nossa “imprensa livre” e aqui o diretor de jornalismo da nossa
maior empresa de mídia persegue judicialmente os blogs?
É uma contradição atrás
da outra!
Entendo,
contudo, perfeitamente, que as pessoas se sintam ofendidas e procurem reparação
na justiça.
Se
houvesse a lei de imprensa, o ofendido ganharia direito de resposta no blog,
que eu publicaria com o maior prazer.
Ali Kamel
poderia explicar, a meus leitores, que não pode ser culpabilizado pelos crimes
que a Globo cometeu contra a democracia, no passado remoto e recente.
Tudo bem.
Não há
mais lei de imprensa, porém. Não há qualquer tipo de regulamentação da mídia,
que proteja o cidadão contra ofensas e o jornalista contra abusos do poder
econômico e arbítrios da justiça.
Voltamos à lei da selva, à lei do
mais forte.
Não tenho
pretensão de acertar sempre. Entendo que um blogueiro pode passar dos limites às
vezes. O limite entre o sarcasmo, o humor, o chiste, e a ofensa, é
frequentemente tênue.
Pode-se
publicar por vezes uma denúncia equivocada (o que não é o caso aqui, não
“denunciei” nada acerca de Ali Kamel).
O blogueiro costuma caminhar
sobre a corda bamba.
Ora, mas
então que se aplique uma multa proporcional ao padrão financeiro de um blog!
Um blog
político independente não tem R$ 20 ou R$ 30 mil para sair distribuindo para o
primeiro que se sentir ofendido!
Se não
conseguir pagar este valor, minhas contas serão bloqueadas e, evidentemente,
meu trabalho ficará comprometido.
E aí é que não conseguirei pagar
nada mesmo!
É uma
coisa tão absurdamente injusta, tão ridiculamente sem sentido, que dá vontade
de rir.
Os caras
mais ricos do país, donos do maior império de mídia da América Latina, tentando
matar um blogueiro de fome!
Tudo com apoio de uma justiça sem
grande apreço, aparentemente, pela liberdade de expressão (ou que entende que
esta liberdade seja propriedade da grande mídia); e a complacência de uma
sociedade amedrontada e chantageada por uma mídia doentiamente inchada pelo
totalitarismo político.
Vivemos
uma ditadura sanguinária, onde a liberdade de expressão é monopólio de meia
dúzia de poderosos?
O
querelante se aproveita do fato do poder judiciário não estar devidamente
atualizado sobre a importância dos blogs para o pluralismo político no Brasil,
nem habituado à linguagem às vezes agressiva, própria da blogosfera, sobretudo
quando se trata de enfrentar a grande mídia, herdeira da ditadura, símbolo do
mainstream e de séculos de opressão e desigualdade social.
Eu fui condenado, aliás, porque
escrevi um texto em apoio a um outro blogueiro, também condenado injustamente.
Até isso querem criminalizar, a
solidariedade.
Até onde
vai essa perseguição política, promovida por um gigante corporativo,
através de seu diretor de jornalismo, contra simples blogueiros?
Gostaria de acreditar que vivemos
um regime democrático, que vencemos a luta contra a ditadura, e que, portanto,
os herdeiros dos anos de chumbo não vencerão esta batalha fundamental.
Fonte: Blog O Cafezinho.