Todo
rico tem alguma coisa da qual se orgulhar, seja real ou imaginária. O rico
mantém uma obrigação de ser impreterivelmente melhor que todo mundo, inclusive
que os outros ricos (porque melhor que os pobres ele já se considera, mesmo que
não tenha um pingo de educação e bom senso).
O rico adora bajular os filhos, não importa o quão ruins eles
sejam. O garoto é viciado em cocoaína e vai à faculdade uma vez por semana, mas
a mãe faz questão de gritar, a plenos pulmões, pra toda e qualquer pessoa que
se aproxime (especialmente para aquelas que não estão interessadas em ouví-la):
“Ele vai se formar em medicina!”
Mesmo que o garoto faça racha com o carro do papai, passe as
noitadas pedindo “a bebida que pisca” e agregando valor aos camarotes da vida,
não saiba absolutamente nada sobre qualquer assunto (exceto sobre como gastar
dinheiro), ele é um garoto de ouro, porque ter um garoto de ouro na família é
sensacional.
Porque, para o rico, o importante é ser bem visto. É patético
como ele vive em um teatro vinte e quatro horas por dia: ele sabe que o filho é
um viciado, a filha é uma mimada burra e sem personalidade, o casamento vai mal
e a família está em crise – e todas as outras pessoas ao redor também o sabem –
mas passar a imagem de que tem uma vida perfeita é sua prioridade absoluta. Eles
fingem que são felizes e os outros ricos infelizes fingem que acreditam.
Por isso o rico – especialmente aquele à beira da falência –
não aceita não poder ter alguma coisa que o outro rico tem. É quase uma ofensa
pessoal. Então, a mulher rica que é um pouco menos rica que a melhor amiga tem
que ter uma jóia tão valiosa quanto a dela, mesmo que a reforma na casa seja
adiada ou que precise parcelar. O rico precisa comprar um carro do ano para que
continue se sentindo rico, mesmo que seu carro esteja funcionando
perfeitamente.
O rico tem um discurso antidrogas patético. “Maconheiro” é a
maior das ofensas para o rico, que dorme com uísque cawboy e acorda com
rivotril – por isso rico é o bicho mais hipócrita que eu conheço. E adivinha
quem são os maconheiros? Os universitários, os professores revolucionários, os
“vândalos que destroem o patrimônio alheio”. O filho viciado em cocaína, ao
contrário, é um cidadão de bem. E esse discurso – assim como todos os outros
igualmente patéticos – não tem qualquer embasamento teórico. Por isso para um
rico, todas as drogas têm igual efeito (menos as drogas lícitas, é claro): o de
tornar as pessoas indesejáveis. E só.
Uma cultura incompreensível da classe A é a de ser
mal-educado. Parece que você só faz parte efetivamente do distinto grupo das
pessoas ricas se você desprezar o pobre e tudo o que lhe diz respeito, arrotar
aos quatro ventos que você é melhor que o outro. Por isso aqueles filhos de
ricos que resolvem fazer de conta que não se consideram melhores do que os
outros – e são eventualmente de esquerda pra disfarçar o nojento ódio de classe
impregnado em seus poros – são os garotos-problema das famílias ricas.
Perdoa-se o filho usuário de cocaína, o que faz racha com o carro do papai, o
que engravida a filha da empregada e viaja pra fora do Brasil pra não assumir –
mas o que se mistura com os pobres é quase sempre renegado. “Vamos, tesouro,
não se misture com essa gentalha!”
E, para a minha diversão, o filho do rico persiste naquele
comportamento que irrita seus pais só pra se divertir um pouco naquela vida
monótona em que nada mais é novidade. Alguém me traz uma pipoca?
O rico faz questão de parecer abastado culturalmente, mas em
geral não o é. Preferiu fazer três viagens para a Disney do que conhecer os
museus europeus ou as belezas naturais do Brasil. Diz que fala quatro línguas
mas provavelmente não entende sequer a língua portuguesa e, geralmente, não se
pode conversar com um rico sobre a situação política do país porque ele só sabe
falar sobre corrupção. “São todos corruptos” é o seu bordão predileto para
esconder a sua completa ignorância política.
O rico vai ao cinema assistir filmes hollywoodianos e
reproduz as críticas cinematográficas que lê na internet para parecer
inteligente, mas não faz idéia de quem seja Quentin Tarantino – e, quando faz,
exclama agudamente: “Um horror, tem muito sangue! Por isso não gosto.”
Como todo bom perfeccionista, o rico precisa estar impecável
em todos os momentos da vida. Botox, dieta dunkan, drenagem linfática, implante
capilar e cirurgia íntima: Tudo precisa estar perfeito. E o mais curioso é que,
em geral, eles permanecem feios mesmo depois de gastarem rios de dinheiro. Só
que feios com a cara esticada e sem manchas.
O rico é aficionado por ostentação – mesmo que negue
categoricamente, porque, para ele, ostentar é coisa de pobre que ouve rap. Ele
acha ridículos aqueles clips em que os rappars jogam dinheiro pro ar e passeiam
em carros rebaixados, mas acham o máximo contar para todo mundo que gastaram
meio milhão de reais na festa de casamento do sobrinho ou que passaram férias
na Europa. Ah, antes que eu esqueça, as fotos dos ricos nas redes sociais são
sempre em alguma viagem internacional que fizeram: afinal, todos devem saber
que eles são ricos e viajam para fora do país.
Pode ser uma foto em frente à torre Eiffel, ou na neve com
uma toquinha de frio charmosa, ou em frente a um teleférico ou em um café
francês. O importante é que a foto não tenha sido tirada em território
brasileiro, porque até ser brasileiro é coisa de pobre pra ele. E por isso
mesmo o rico adora tudo o que é internacional: perfumes, viagens, bebidas,
línguas, pessoas.
E por isso mesmo ele adora expressões em línguas
estrangeiras. Legendas em inglês, tatuagens em inglês e até conversas em
inglês. Expressões francesas, costumes gringos, tudo isso é absolutamente
chique para o rico. O zelador vira “Concierge”, a mercearia vira
“delicatéssen”, o motorista vira Chofer, o cardápio vira Menu. Porque o rico,
na verdade, despreza totalmente o português porque, se é de fora do país, é
claro que é de bom gosto.
E o principal: o rico adora ser manchete, por isso alguns
talvez amem esse texto, mas saiam por aí dizendo: “eu vejo como uma inveja!”
Realmente.
Como são felizes. Babo de inveja.
Fonte:
Diário
do Centro do Mundo.