Para especialistas, uma reforma
tributária no país é essencial para mudar cenário.
A desigualdade está em pleno crescimento no mundo, indicou
pesquisa da OXfam divulgada na segunda-feira (19). O cenário mundial apontado
pelo estudo, vale lembrar, pode ser visto em escala próxima no Brasil. A lista
dos bilionários brasileiros publicada pela Forbes no ano passado, com a
presença de representantes de empreiteiras como Camargo Correa, Andrade
Gutierrez e Odebrecht, tinha 65 nomes. Dois anos antes, a mesma tinha 46
brasileiros e, em 2012, 37 bilionários locais. No Brasil, existem proprietários
e grupos participando, com laços cruzados, em muitas empresas, conforme
destacou Sergio Lazzarini, em seu livro Capitalismo de Laços, no qual traça a rede de
relacionamentos entre as empresas e cita a participação de "famílias com
gigantesco patrimônio".
De acordo com o estudo da OXfam, em
2016, as 37 milhões de pessoas que compõem o 1% mais rico da população mundial terão mais
dinheiro do que os 99% juntos. Ao todo, a riqueza desse 1% da população subiu
de 44% do total de recursos mundiais em 2009 para 48% no último ano. Se o
atual ritmo de crescimento for mantido, em 2016 esse patamar pode
superar os 50%. No Brasil, os 0,9% mais ricos detêm entre 59,90% e 68,49%
da riqueza, sendo as principais fontes os fluxos de renda e heranças recebidas,
alerta o economista Róber Iturriet Avila, em artigo publicado
no portal Brasil Debate em meados de dezembro.
Em 1987, apenas três brasileiros figuravam na
lista da Forbes, Roberto Marinho, Antônio Ermírio de Moraes
e Sebastião Camargo, todos com mais de US$ 1 bilhão. Sebastião Camargo, filho
de um humilde lavrador que se tornou um dos homens mais ricos do Brasil,
começou a trabalhar ainda jovem em uma empresa de construção e, aos 21
anos, formou o seu próprio negócio. A indústria foi impulsionada pela
expansão do pós-Depressão da década de 1930 e, em 1940 e 1950, pelo
nacionalismo, até que ele se tornou maior acionista da Camargo Correa, gigante
do setor de construção no país, atuando na área civil, de mineração, engenharia
e finanças.
O
número de empresários brasileiros que entrou nesta elite mundial cresceu
tanto que a publicação, desde 2012, elabora uma relação separada só para
brasileiros. Hoje, são 65 bilionários -- entre eles, representantes de diversas
empreiteiras. Somando todas as fortunas dos relacionados, chega-se à
impressionante marca de US$ 191,5 bilhões.
Três são
representantes da Camargo Corrêa: Rossana Camargo de Arruda
Botelho, Renata de Camargo Nascimento e Regina de Camargo Pires
Oliveira Dias, todas com US$ 2,2 bilhões. Rubens Ometto Silveira Mello, da
Cosan; Cesar Mata Pires, da OAS; Sergio Lins Andrade e família, da
Andrade Gutierrez; e Victor Gradin e família, da Odebrecht, também fazem
parte da lista. Fora os que são ligados a empresas que
não são exatamente empreiteiras, mas que têm a participação delas.
No Brasil, existem
proprietários e grupos participando, com laços cruzados, em muitas empresas,
conforme destacou Sergio Lazzarini, professor e diretor de Pós-Graduação
Stricto Sensu do Insper, em entrevista ao Insper Conhecimento em outra ocasião.
"O fenômeno de concentração de acionistas não é uma exclusividade
brasileira, mas o Brasil apresenta um índice de cruzamentos societários maior
do que outras economias, tanto em países desenvolvidos como em países
emergentes."
Conforme ele explicou
na ocasião, a aglomeração de grupos societários no Brasil, "ao final do
período de reestruturação econômica da década de 1990, mostrou-se similar à do
México, mas muito superior em relação a outros países: 2,8 vezes a aglomeração
na Coréia do Sul, 5,1 vezes a da Itália, 7,8 vezes a do Chile e 12,2 vezes a
dos EUA".
Lazzarani lançou o
livro Capitalismo de Laços em 2011, que apontou que, entre os grupos privados,
os que tem mais conexões entre si são a Andrade Gutierrez, a família
Jereissati, e a Camargo Correa. Na publicação, ele destaca a declaração do
ex-diretor de uma empreiteira integrante de um grande consórcio, justificando a
união -- "'Você já ouviu falar no Equilíbrio de Nash? Vem da Teoria dos
Jogos. No caso, três concorrentes, a vida inteira concorrendo, cada um com
interesse de conquistar o máximo. Só que, quando estão disputando o mesmo
mercado, a conquista do máximo é impossível para todos. Então, abdica-se
individualmente do máximo e adota-se o caminho dos interesses comuns'".
O "caminho dos
interesses comuns", contudo, nem sempre é o melhor para o bem comum da
sociedade, alerta o autor. "(...) A compra da Brasil Telecom pela Oi
em 2008 consolidou o laço societário entre os grupos nacionais Jereissati e
Andrade Gutierrez, já existente na antiga Telemar (precursora da Oi). Bradesco
e Mitsui entrelaçam-se no bloco de controle da Vale. No início de 2010, Camargo
Corrêa e Votorantim firmaram participações societárias conjuntas na empresa
portuguesa de cimentos Cimpor. Criam-se, assim, redes de grupos: agrupamentos
de corporações que já são, elas mesmas, conjuntos de empresas e
proprietários", diz trecho do livro.
"Em alguns
casos, os laços entre grupos resultam simplesmente da diversificação dos
investimentos de proprietários brasileiros, especialmente famílias com
gigantesco patrimônio", alerta, lembrando da prática de "colocar os
ovos em cestas diferentes". "A participação acionária da Camargo
Corrêa na controladora do grupo Itaú (Itaúsa) é um exemplo. São laços que,
muitas vezes, se originam de posições históricas que os grupos e suas famílias
estabeleceram no passado. Um estudioso de grupos econômicos na década de 1960,
Maurício Vinhas de Queiroz, já ha via assinalado que “'raros são os grupos
totalmente circunscritos, isto é, que não mantenham interconexão financeira ou
pessoal com Outro grupo qualquer'”.
No Brasil, as
cinco mil famílias mais ricas concentram a maior parte da riqueza
produzida. Para a OXfam, é necessário tomar medidas urgentes para
diminuir a desigualdade, e o primeiro passo seria lidar com a evasão
fiscal praticada pelas grandes companhias. Avila, em seu artigo no Brasil
Debate, também aponta que é necessário realizar alterações tributárias para que
o país siga seu movimento de distribuição de renda, lembrando que a apropriação
de renda dos que estão na faixa dos 10% mais elevados passou de 47,44% em 2001
para 41,55% em 2013.
Thomas Piketty, que ganhou maior destaque
mundial após o lançamento do livro O Capital No Século XXI, que atestava o grande aumento
da desigualdade de renda nos países ricos do Ocidente a partir da década de
1970, chegou a alertar que "não discutir impostos sobre riqueza no Brasil
é loucura", em entrevista à Carta Capital. "Todos
os países têm impostos sobre herança muito superiores ao brasileiro. Você não
precisa ser de esquerda para defender essa medida."
"O
Brasil poderia ter um sistema de imposto mais progressivo. O sistema é bastante
regressivo, com altas taxas sobre o consumo para amplos setores da sociedade,
enquanto os impostos diretos são relativamente pequenos. As taxas para as
maiores rendas é de pouco mais de 30%, é tímido para os padrões internacionais.
Países capitalistas taxam as principais rendas em 50% ou mais. Os impostos
sobre herança e transmissão de capital são extremamente reduzidos, apenas 4%.
Nos Estados Unidos é 40%, na Alemanha é 40%."
Como disse Marcio
Pochmann, professor da Unicamp, ainda em 2007, em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, "Identificar renda e
riqueza extremamente concentradas no Brasil não constitui nenhuma
novidade. E dizer que isso representa uma herança secular, de difícil
superação, tampouco adiciona algum grau de inovação ao já conhecido
atualmente".
Eduardo
Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp, em artigo publicado na
mesma revista no início deste mês, destaca que existem diferenças entre
crescimento com concentração da renda (1960-1981) e crescimento com redução das
desigualdades (2004-2010), mas destaca que ainda vivemos graves níveis de
concentração de renda e de riqueza.
Fonte: Jornal
do Brasil.