EX-SINDICALISTA, PRIMEIRO-MINISTRO SUECO ACEITA APELIDO DE “LULA DO
NORTE” E JUSTIFICA GASTO BRASILEIRO DE US$ 5,4 BILHÕES NA COMPRA DE NOVOS
AVIÕES DE COMBATE.
O
funcionário de uma metalúrgica que se torna sindicalista, vira líder de uma das
principais centrais trabalhistas, ingressa na política e chega ao poder máximo
do Executivo. O episódio aconteceu no Brasil, certo? Errado. Na gelada Suécia,
Stefan Löfven, um soldador de 57 anos, passou por todas essas etapas para se
tornar no final de setembro o primeiro-ministro do país pelo partido
Social-Democrata – a esquerda local -, pondo fim a um período de preponderância
de governos conservadores. Tanta história em comum faz com que Löfven seja
normalmente apelidado de “Lula do Norte” na imprensa europeia. Alcunha, aliás,
endossada por ele próprio: após várias visitas a São Bernardo do Campo (SP),
berço do movimento sindical brasileiro, ele se transformou em admirador do
ex-presidente brasileiro.
Os
laços entre o Brasil e o país nórdico se estreitaram ainda mais em outubro, com
a assinatura de um contrato da Força Aérea Brasileira (FAB) para a compra de 36
jatos de combate Gripen NG, fabricados pela sueca Saab. Com previsão de entrega
a partir de 2019, pela bagatela de US$ 5,4 bilhões – sem contar a possibilidade
de novos lotes serem encomendados –, é um dos maiores contratos fechado na área
de defesa este ano em todo o mundo. Löfven recebeu um grupo de jornalistas
brasileiros de passagem pela capital Estocolmo para conhecer a fábrica da Saab
na cidade de Linköping, de onde sairão os novos caças da FAB. Em seu
escritório, para onde vai a pé todo dia – sua casa fica a poucas quadras de
distância do prédio de onde despacha – o político falou sobre a proximidade com
Lula, as negociações envolvendo o Gripen, as relações econÇomicas entre o
Brasil e a Suécia e o reconhecimento histórico feito pelo governo local de que
a Palestina é um país.
O senhor ligou para a presidente Dilma logo após a
confirmação de que ela havia sido reeleita. Como foi a conversa?
Em primeiro lugar a cumprimentei
pela vitória, claro. Como eu também fui eleito recentemente, acabei recebendo
também os parabéns dela (risos). Eu nunca conheci Dilma Rousseff, mas me
encontrei com o ex-presidente Lula várias vezes. Eu sugeri a ela que tivéssemos
um encontro diplomático assim que fosse possível, como uma forma de
trabalharmos para manter a boa relação que temos hoje.
Como o senhor viu o acordo entre o Brasil e a Saab
para a compra dos caças?
Acho que foi um bom negócio para
ambos os países. O Brasil tomou sua decisão soberana de nos procurar e dizer
que precisava desse avião, que é muito bom, por sinal. Mas o acordo vai muito além das aeronaves.
Ele inicia uma cooperação maior entre nossos países em ciência, em tecnologia,
em educação e em comércio. Nós estamos nos aproximando desde 2009, quando o
presidente Lula esteve aqui na Suécia e assinou uma série de acordos de
cooperação conosco, inclusive na área de biocombustíveis. Então nós já temos
muito em comum, e a parceria dos caças vai nos aproximar ainda mais.
De que forma o senhor vê um país como o Brasil, com
muitos problemas sociais, investindo na compra de armamentos?
Em primeiro lugar cabe dizer que
o Brasil é um país democrático e que cabe a ele tomar suas próprias decisões
sobre em que área ele deve investir. No entanto, de forma geral posso dizer que
o ideal seria que não tivéssemos que ter nenhum tipo de forças armadas.
Infelizmente a realidade não funciona assim. Nós mesmos estamos aumentando
nossos gastos militares nos últimos anos por causa dos desdobramentos políticos
que ocorrem Rússia, que é um país próximo ao nosso. Cabe ao Brasil decidir se
ele também precisa fazer isso. No nosso acordo específico, vale a pena lembrar
que há muito mais envolvido do que apenas a compra dos caças. Temos tecnologia,
inovação e comércio que vão gerar novos empregos e novos produtos que irão
parar no mercado civil em diferentes áreas.
Mas
a União Europeia está contestando na Organização Mundial do Comércio alguns
tipos de subsídios que o Brasil usa em suas transações. Isso pode interferir no
negócio?
Não muda nada em nosso acordo. O
espírito é diferente nessas duas situações e o que temos aqui é um acordo
direto entre os países. As relações entre Brasil e Suécia não serão afetadas em
nada por isso.
O acordo implica numa aproximação política entre
Brasil e Suécia. Seu governo irá apoiar a reivindicação brasileira por um
assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?
Nós ainda não decidimos
formalmente o que fazer sobre esse ponto específico, mas acreditamos que é hora
de uma mudança para novas regras mais transparentes na ONU e no Conselho de
Segurança. Nós consideramos muito válida a reivindicação de países importantes
como o Brasil e somos a favor de ampliar o diálogo sobre essa possibilidade.
Vamos ver como isso se desenvolve daqui para a frente.
No
Brasil o senhor é conhecido como o Lula do Norte. Como vê essa analogia?
Sou um grande admirador
do presidente Lula e posso dizer que fico lisonjeado com essa comparação. Nós
temos trajetórias parecidas: ambos viemos do movimento sindical e depois
entramos para a política. Isso fica claro quando nós nos encontramos. Nós
conseguimos nos entender perfeitamente, mesmo sem que eu fale português e com o
Lula tendo deixado claro que não queria aprender sueco (risos). Mas a forma e o
estilo de se comunicar é bem parecido, percebemos mesmos através dos
intérpretes.
Eu lembro que uma vez disse ao
Lula quando ele era presidente: “deve ser um trabalho difícil liderar um dos
maiores países do mundo”. Ele me respondeu que “é sim, mas vou fazer isso
direito porque ninguém vai poder dizer que um trabalhador não pode fazer isso”.
Isso me marcou. Hoje digo para mim mesmo nos dias difíceis que “eu também posso
fazer isso”. Lula é sem dúvida uma das minhas maiores inspirações.
Como
o senhor analisa o momento atual da economia brasileira? Ele gera algum impacto
na economia sueca?
De comum acho que ambos os
nossos países não conseguiram crescer tanto quanto gostaríamos. O Brasil é um
país imenso e com um peso muito grande para a América Latina, mas aqui na
Suécia somos mais sensíveis aos resultados da economia dos países europeus,
especialmente a Alemanha. Como quase metade do nosso PIB vem de exportações, o
que acontece na Europa nos influencia muito. A lentidão da economia europeia é
uma das nossas principais preocupações no momento. Mas hoje em dia a economia
está tão interconectada que o que acontece na América Latina e na Ásia acaba
nos influenciando.
A
Suécia recentemente se tornou pioneira ao reconhecer a Palestina como um país.
Não é uma decisão arriscada? Quais foram as razões disso?
O risco é que tenha sido até
tarde demais. O que nós vimos na região no último ano não deixou margem para
muita esperança. Nós seguimos a crise hora a hora e vimos que não haveria saída
se continuássemos no mesmo caminho. Não havia chance de paz porque não havia
conversas, não havia negociações, além de decisões unilaterais sobre ainda mais
assentamentos israelenses na região.
O que precisa ficar claro é que
não estamos apoiando nenhum dos lados. Nós estamos do lado da paz. Nós temos
uma atitude amistosa mas firme tanto em relação à Israel quanto à Palestina. O
que nós queremos é ganhar momentum para sair desse impasse. Nós tínhamos duas
instituições em patamares completamente diferentes e com o reconhecimento temos
agora dois Estados. Ainda é pouco, mas é um passo no sentido de nivelar os dois
países.
Como
foi a reação dentro da Suécia?
Dentro do Parlamento foi o
esperado: a base governista foi favorável e a oposição foi contra. (Suspiro)
Esse conflito é tão antigo e tão profundo que se tornou vital olhar apenas para
a frente. Se ficarmos olhando para o passado não iremos a lugar nenhum.
Temos que pensar o que podemos fazer para ajudar aquelas crianças que vimos
andando no meio das ruínas. Esperamos que a partir de agora vários outros
países se mobilizem para também reconhecer a Palestina.
Fonte:
Revista
Época Negócios.