Publicado no
site Unisinos. O autor, Cesar Sanson, é professor do Departamento de Ciências
Socias da UFRN.
Muitas
interpretações afirmam que as ‘Jornadas de junho 2013’ não serviram para nada.
Além de não terem tido nenhuma repercussão nas eleições de 2014 no sentido de
uma inflexão à esquerda, pior ainda, teriam engrossado o caldo da direita. O
caso mais citado é a reeleição de Alckmin em São Paulo – um dos principais
focos dos protestos – e a quase nula renovação no Congresso Nacional.
Não faço essa leitura, mas ressalvo que é um debate em
aberto. Primeiro, há ‘pautas’ que retornaram à agenda política do país devido
as manifestações. A mais evidente é a Reforma Política. O Plebiscito Popular
ganhou força após Junho 2013. Outro tema que ganhou força é o da mobilidade.
Seguramente Haddad em São Paulo não teria o ‘atrevimento’ de ampliar os
corredores exclusivos para os ônibus, assim como as ciclovias não fosse o
‘empurrão’ que recebeu das ruas.
Ainda mais. O Programa ‘Mais Médicos’ só saiu da ‘prateleira’
depois que o tema da saúde foi um dos mais gritado nas manifestações. O
Programa estava no Ministério da Saúde cozinhando faz tempo. Foram as ruas que
ajudaram o governo enfrentar as corporações médicas. Alguém imagina o governo
trazendo médicos cubanos para o país sem o junho de 2013?
Tem mais. Foram as ruas que forçaram o Congresso a aprovar o
uso dos royalties do petróleo – pré-sal – para a educação e para a área da
saúde. As Jornadas de Junho empurraram o governo à esquerda. A presidente
depois de receber o MPL, em cadeia nacional se comprometeu em ampliar
investimentos em agenda social.
Agora,
o mais importante.
Junho de 2013 foi um contundente não à democracia
representativa. O que se viu foi um fosso entre as ruas e a representação
política e institucional. O “vocês me representam” foi substituído pelo “eu me
represento”.
É a partir dessa leitura que muitos esperavam que as eleições
de 2014 fosse uma caixa de ressonância das ruas e aguardava-se um voto de
mudança contra os mesmos que sempre estiveram aí.
A pergunta delicada: mas onde estava o novo – a mudança –
para se exprimir como o representante das ruas? Marina num primeiro momento foi
beneficiada pelo ‘espírito’ das ruas porque se apresentava como ‘novidade’, mas
logo foi desmascarada e viu-se que era mais do mesmo.
Sob a perspectiva das ruas – e isso é polêmico – é preciso
que se diga que o PT já faz tempo deixou de ser novidade. Isso porque se
orienta pela ‘política da representação’ nos moldes dos partidos tradicionais.
Basta lembrar aqui, para ficar num exemplo, do aliancismo que ressuscitou o que
há de pior na política brasileira. É duro, mas é preciso que se diga: Quando
muitos petistas acusavam Marina de ser o “Collor de saias”, é bom lembrar que o
verdadeiro Collor integra a base de sustentação do governo.
Ainda mais. As ruas revelaram que a luta não é apenas pela
igualdade, mas também pelo reconhecimento à diversidade nas condições e opções
de gênero raciais e étnicas. Aqui, também o governo do PT se mostrou muitas
vezes covarde. Basta lembrar da questão indígena, do kit anti-homofobia, etc.
O mal-estar das ruas sinalizou ainda que o modelo
neodesenvolvimentista de inclusão via mercado de consumo – a aposta
lulista/dilmista – se tornou insuficiente. O ‘muito mais que 0,20 centavos’ das
ruas exprime o caldo latente de um clima de frustração dos que não se sentem
incluídos. Dos que estão fora da sociedade de consumo, dos milhares que
trabalham em empregos precários. Daqueles que estudam e trabalham e precisam se
deslocar nas metrópoles carrocentristas, mas também dos que não estudam e não
trabalham e se dão conta de que o prometido atalho à sociedade de consumo não
chegará pela educação e menos ainda pelo emprego de salário mínimo.
Logo e, concluindo, o paradoxo entre a agitação das ruas e a
indiferença com o processo eleitoral na realidade não é uma antítese, mas sim
expressão das próprias ruas que manifestaram o desencanto com os políticos e o
sistema político.
Portanto, como o sistema político não exprime nada e não pode
ser mudado por dentro – via eleições, sem que se radicalize outra forma de
política – votar, deixar de votar, ou votar em ‘A’, ‘B’ ou ‘C’ pouco altera a
dinâmica viciada do que não se quer.
Fonte:
Diário
do Centro do Mundo.