O Brasil havia acabado de perder a Copa de 1998 para a
França. Derrota por 3 x 0 na final, a pior da seleção na história das Copas.
Uma campanha de TV tentou recuperar a autoestima brasileiro com um dos vilões
daquela partida: o goleiro francês Fabián Barthez. Pessoas comuns – e não
comuns, como Millene Domingues, a rainha das embaixadinhas, antes de casar com
Ronaldo e de ser a mãe de Ronald – batiam pênaltis que o campeão do mundo
daquele ano não conseguia defender. Até que um menino bate e o goleiro defende,
mas, vendo a decepção do garoto, joga a bola para o próprio gol.
A campanha era dos chinelos Rider e
foi produzida pela W/Brasil. “Em 1999, você vai marcar o gol dos seus sonhos, e
o Brasil vai acertar o pé”, dizia. A trilha sonora era “sou brasileiro/com
muito orgulho/com muito amor”, grito cooptado dos chilenos, que o introduziram
naquela mesma Copa.
A canção foi adotada pela torcida
da seleção. Um canto que ecoa nos estádios de futebol, nos jogos de vôlei ou de
qualquer modalidade. Até mesmo nas manifestações de rua do ano passado ela foi
lançada. Nunca muda. É sempre a mesma nota.
O brasileiro não tem lá muito jeito
de torcer pela sua seleção. Não somos tão criativos como os ingleses, que
costumam rir da ruindade de seus times, nem tão apaixonados como os argentinos,
que nunca deixam de cantar. Não temos a irritante energia dos mexicanos, que
não param um só minuto – inclusive com a indefectível “Cielito Lindo”, aquela
do “ai, ai, ai/tá chegando a hora”. Nem mesmo os gritos extasiados de japoneses
ou a empolgação de uma batucada africana.
No lugar disso, vamos com o que
temos na mão. Da Copa do México, importamos a “olla”, a famosa onda das
arquibancadas. Todo jogo de seleção tem uma dessas. Nos jogos deste Mundial, a
torcida aderiu ao grito mexicano de “PUTO” quando o goleiro rival vai bater o
tiro de meta.
Não falta só criatividade. Às vezes
falta mesmo paciência. E isso não é atributo apenas da torcida paulista, como
se acostumou dizer. Na Copa América de 89, a seleção foi vaiada em todas os
jogos na Fonte Nova. O Mineirão protestou contra o time de 1994. O Rio, contra
o de 1998. Mas sejamos justos: os paulistas sempre foram chatos com o time
amarelo, até em campeonato de bafo. O xingamento a Dilma vai nesse bolo.
Mas a questão não é ser chato. É
como nos apegamos a um grito que uma agência de propaganda encomendou para uma
marca de chinelos há 16 anos e como isso virou o hino oficial da torcida. É a
praga desta Copa. Até no jogo Rússia x Coreia do Sul, em Cuiabá, um coro do
tipo foi puxado.
Como é que somos tão chatos na
arquibancada se, nos campeonatos locais, nossas torcidas são tão criativas?
Mesmo nas provocações – lembro da hilária demonstração da torcida do Vasco
quando Romário fez o seu 999º gol e provocou a do Flamengo, que tinha então o
centroavante Souza, que depois passaria por Corinthians e Bahia: “Puta que o
pariu/Só faltou 1000 pro Souza fazer mil”. A do rubro-negro já adaptou
“Poeira”, de Ivete Sangalo”, e marcou um título carioca com ela. O Botafogo tem
o “Ninguém cala/esse nosso amor”. O Flu tem o João de Deus. O Corinthians
inventou o “Loco por ti”; o Palmeiras adotou o porco; o Santos tem seus cantos,
o São Paulo também.
Será que é por que o público da
seleção, por ser mais abastado, não gosta de ir a estádios e só vê os jogos
pela televisão? Ou por que os que vão ao estádio torcem o nariz para o time nacional?
Mas a gente pode reduzir a pergunta a uma só: por que a torcida da seleção é
tão bunda mole nesse quesito?
PS: O canto “Sou brasileiro/com
muito orgulho/com muito amor” está registrado no Inpi por Nelson Biasoli desde
1979. É uma versão de “It’s a Heartache”, de Bonnie Tyler, que também ganhou
uma versão em espanhol com o Boca Juniors anterior ao registro de Biasoli – o
nome dela é “Boca de Mi Vida”. A versão cantada pelo Chile na Copa da França é
uma adaptação dessa. A brasileira começou a cantá-la logo depois do encontro
entre as duas seleções, nas oitavas de final do Mundial de 1998. Para deixar
bem claro: o texto não fala sobre a origem da música, mas sim quando ela se
popularizou. E isso aconteceu depois do comercial da Rider, no fim de 1998.
Fonte: Diário do Centro do Mundo.













